Nell é uma jovem de 17 anos que vê sua vida mudar do dia para noite após sua mãe cometer suicídio. Com isso, Nell passa a viver com sua avó e tio maternos, à quem jamais soube da existência. Em uma cidade onde o véu que separa o mundo natural do sobrenatural é extremamente fino, ela descobre que sua origem não é tão comum quanto aparenta ser.
Leer másAs mudanças na vida - de uma forma geral - são imperceptíveis: como o sol, que nasce e se põe tão silenciosamente quanto a areia que cai de uma ampulheta, e quando enfim nos damos conta, passaram-se dias, meses ou anos.
Mas há, vez ou outra, um momento fatídico que, ao vivenciá-lo, você o entende como o pontapé inicial para uma mudança brusca em sua vida.
O meu ocorreu em um fim de tarde de uma terça-feira, as folhas alaranjadas se desprendiam das árvores e pelas casas da vizinhança você via pessoas se preparando para o Halloween: esqueletos, bruxas e morcegos de brinquedo enfeitavam a faxada das residências, algumas até já tinham colocado lanternas de abóboras, e nós ainda estávamos na última semana de Setembro.
Irônico ou não, a única casa que não tinha o costume de abraçar o "mórbido" dessa festividade era a minha. Minha mãe odiava essa época do ano, e eu a amava.
Não que fosse um costume nosso ter ânimo para as outras comemorações mas ela possuía um horror particular pelo dia das bruxas. Dizia não gostar, mas nada além disso.
Chegaria um pouco mais tarde aquele dia, havia deixado a bicicleta em casa e optado por ir andando para a escola, disse à mim mesma que seria um belo passeio pela trilha de folhas secas caídas pela calçada que craquelavam ao pisar sobre elas, mas talvez o meu subconsciente só quisesse me proteger dos "sinais" vistos durante a manhã: a pia da cozinha impecavelmente limpa, a casa em moderada ordem e a mesa posta num café da manhã comum para a maioria das famílias, mas não para a minha.
Uma versão em completo oposto do que era um dia rotineiro na minha família de 3: eu, minha mãe e nosso gato Silas.
Sarah - à quem assim chamava mentalmente -, tomara café da manhã comigo, um feito que talvez nunca tenha ocorrido já que sou incapaz de lembrar a última vez que isso aconteceu. Uma xícara de café preto. Só. Talvez esse tenha sido o maior dos sinais, sua presença por si só já me era estranha, sua proximidade forçada me incomodava. Engoli o cereal e inventei que precisaria sair mais cedo. Ela me olhou nos olhos por um minuto que pareceu eterno e sorriu de forma nervosa, como se todas as palavras que por anos quisesse usar estivessem entaladas em um nó na sua garganta. Eu poderia jurar que seus olhos estavam marejados mas Sarah nunca fora uma mulher de demonstrar sentimentos, muito menos os receber de alguém. Mesmo que esse alguém fosse sua única filha. Por isso sua insistência em um contato nunca antes buscado me fez fugir para o mais longe onde eu poderia ir; minha escola.
A porta se abriu com um clique suave, Silas me recebeu como de costume, mas bem mais agitado, se enroscando por entre as minhas pernas cobertas pela familiar calça jeans que eu usava.
- Ei, oi... Venha aqui.
Abaixei para que viesse em meu colo, mas o gato se negou, continuava a mover-se de um lado para o outro, miando, como se quisesse que eu o seguisse. E assim o fiz, deixando a mochila sobre a mesinha ao lado da porta de entrada, fui em direção a cozinha.
- Mãe? - chamei, sem resposta.
Silas parecia estar ainda mais agitado, como se ao mesmo tempo que quisesse me dizer algo, tentasse evitar que eu chegasse à cozinha.
- Mãe, você deu comida ao Sil? Ele...
Não pude completar a frase, a visão a minha frente me paralisou e é aqui que senti o meu "pontapé".
Sarah, minha mãe, estava pendurada por uma corda ao redor do pescoço. A mesa onde tomamos café mais cedo estava derrubada, como se ela a tivesse usado para subir, amarrar a corda no ventilador de teto, e a empurrado de alguma forma até que caísse.
A vida de seu corpo já havia se esvaído, os seus olhos azuis estavam abertos a contemplar o nada e a boca levemente aberta já não possuía mais o tom rosa queimado.
Um sentimento indescritível me tomou, como se recebesse um soco na boca do estômago, que subiu até minha garganta e escapou por meus lábios em forma de grito, e daí em diante tudo correu em mudo e câmera lenta.
Eu estava sentada de frente para a penteadeira recém instalada em meu quarto, fora um presente de Hélène e Andrew para mim como boas-vindas. Disseram-me que haviam pedido quando foi decidido pela justiça que eles teriam minha guarda, mas só havia chegado hoje, e enquanto eu tomava chá com vovó, meu tio a montava. - Sabemos como é importante para você ter seu próprio espaço, então você pode fazer as alterações que precisar. - me disse ela. Andrew apenas concordara, já havia mencionado que tinha tintas na garagem e que poderíamos trocar o papel de parede se eu quisesse. Aos poucos eu daria meu toque ao quarto que anteriormente fora de minha mãe, mas naquele momento meus pensamentos passeavam pela conversa que Hélène e eu tivemos algum tempo antes. "O que fazer com Autunm e Ethan?", a pergunta passava pela minha mente como o letreiro que anunciava a próxima parada de um ônibus. - Me diga, qual a ruína de um homem? - ela me perguntara, seus olhos que normalmente demonstravam doçu
- Pensei que fosse dormir mais, querida. - disse Hélène, ela se encontrava ajoelhada sobre a grama, de costas para mim, mudando algumas mudas de flores do jardim da frente. Me assustei com o fato de ela saber que era eu sem ter me visto chegar.- Quis aproveitar um pouco o sol do fim de tarde e vim te fazer companhia. - a previsão do tempo confirmara chuva por todo o domingo, mas o sol teimava em aparecer por entre as nuvens.- Como bruxa, você aprende que tudo emana energia: o sol, a lua, até mesmo as pessoas, cada um com sua própria, quando entende isso, você passa a enxergar além do que seus olhos normalmente mostram. - ela parecia ler meus pensamentos quanto a dúvida de como acertara que era eu. Me sentei ao seu lado, cruzando as pernas, a grama ainda estava molhada pela chuva que se estendeu por boa parte do dia.- Então você não precisa ver para saber quem se aproxima?- Na maioria das vezes, não. É como um cheiro, é característico, cada um possui o seu, quando se aprende s
O relógio no alto da parede cinza mostrava que já passava das 7h da manhã, o meu estômago rondava de fome e o meu cabelo que havia sido preso em um rabo de cavalo baixo, com algumas mechas da franja coladas em meu rosto molhado pelo suor. O casaco do moletom fora deixado no banco de madeira, e a regada preta que eu usava por baixo dele estava ensopada. Treinávamos combate físico, meu tio me mostrava as desvantagens de uma luta entre homem e mulher e me ensinava pontos que eu pudesse usar para equilibrar a luta. Ele disse que não gostaria que eu precisasse voltar a me defender, mas que se caso precisasse, ao menos dessa vez teria uma noção. - Em um combate físico, quais são suas chances? - me perguntou Andrew, sua postura era ofensiva, tão perigoso quanto um leopardo à espreita para atacar sua presa. - Responda. - Eu preciso ser mais ágil que o meu oponente. - disse-lhe, ele levou a mão no intuito de agarrar meu braço, mas eu me esquivei. Ele tentou outra vez e eu precisei dar do
Eu estava de volta ao escritório na casa de Autunm, desta vez amordaçada e amarrada em uma cadeira, uma presa pronta para o abate. Ethan me olhava com ar de superioridade, ao seu lado, o homem negro que abocanhara o pescoço de uma jovem me encarava. Seu rosto ainda estava sujo pelo sangue da vítima anterior. Ambos me olhavam com desejo, volúpia. Pareciam escolher entre si quem seria o primeiro a me fazer sofrer. O estrondo de um trovão ecoou ao fundo e eu despertei de meu pesadelo, parando sentada na cama. Arfando, levei a palma de uma das mãos à testa úmida de suor. Olhei o relógio digital na mesinha de cabeceira, eram 4h da manhã. O girar da maçaneta me voltou para a porta do quarto e pela luz do corredor que se infiltrara no quarto reconheci a silhueta de Andrew. - Levanta, nós saímos em 15 minutos. - ele ligou o interruptor ao lado da porta, acendendo a luz do quarto. Meus olhos instintivamente se fecharam pela mudança brusca de iluminação no ambiente. - O quê? - proteste
O caminho de volta para casa foi em um silêncio sepulcral , Andrew colocara um CD do Three Days Grace para tocar mas na metade de Gone Forever já estava desligando o rádio, tão incomodado quanto eu com qualquer ruído. Ele estacionou o carro na frente de casa e eu saí em disparada para o meu quarto, mas logo ele estava no meu encalço. - Nell, espera... - Esperar pelo quê, Andrew? Que você elabore novas formas de omitir a verdade sobre mim? - estávamos parados nas escadas que levavam para o segundo andar, eu no segundo degrau e ele próximo a porta da entrada.- O que está acontecendo aqui? - Hélène apareceu vinda do corredor que levava à cozinha, ainda usava um vestido preto simples e os cabelos grisalhos presos em um coque delicado, como se tivesse chegado em casa pouco antes de nós.- A senhora pensava em me contar sobre eu ser uma bruxa exatamente quando? Depois que eu fosse envenenada por Sangue de Vampiro e estuprada? Hélène empalideceu. - Nell, eu... - ela fez menção a
A noite fria beijava meu rosto e meus cabelos dançavam com o vento, abri os olhos por um breve instante, eu parecia voar floresta a dentro nos braços de Gerard Blackwood. Fechei os olhos, me dando o direito de descansar a cabeça em seu peito. A dor no estômago diminuira, mas ainda se fazia presente. Seus passos eram rápidos porém sutis, tão imperceptíveis que cai em inconsciência outra vez, agora por conta do cansaço. - (...) E eu deveria deixá-la à própria sorte? - ao longe eu ouvia a voz de Gerard, ele falava entre dentes, soava nervoso.- Deveria ter a deixado no Pronto Socorro, seria só mais um caso de excessos no Halloween. - respondeu rispidamente a voz que reconheci como de Eloira. Eles pareciam distantes, eu parecia distante, como se ainda transitasse entre a consciência e a inconsciência.- De certo a encontrariam antes do tio dela, é o lugar mais óbvio para se procurar. - Gerard pareceu buscar manter o controle, mas Eloira não.- E você trás o olho do furacão para dentr
Último capítulo