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A mosca e a Teia de dúvidas

  - Annabella... - inicou a assistente social. 

- Nell - a corrigi -, eu prefiro ser chamada pelo meu nome do meio. - Um sorriso sem a menor graça descosturou meus lábios até então fechados. Não era como se eu odiasse ser chamada de Annabella, mas Neliel - Nell - sempre me pareceu mais comigo. Era como se cada vez que ouvisse o Annabella, falassem de uma pessoa desconhecida para mim.

- Nell, eu lamento muito sua perda. - Suas palavras saíram lentas, como se de alguma forma elas pudessem me alcançar e me abraçar. A senhora Stella Dawnson, uma mulher negra retinta, não aparentava ter mais de 35 anos, apesar de terem me dito que ela já tinha 42. Não havia em seu rosto muitas linhas de expressão,, seus olhos eram delicadamente puxados e estavam escondidos pela armação grossa dos óculos de grau, e seus lábios tinham formato de coração, como os meus, mas bem mais carnudos.

- A família que te acolheu nessa última semana disse que você não conversa muito.

- Não há muito o que dizer. - conclui. 

Havia se passado uma semana desde o dia em que encontrei minha mãe morta na cozinha de casa, não é o melhor assunto para se iniciar como conversa em um jantar em família. Eu também não tinha nada contra o senhor e a senhora Miller, nem contra seus dois filhos, mas quando se vem de um lar disfuncional não há o que conversar com quem parece ter saído de um comercial de margarina.

- Eu imagino o quanto esteja sendo difícil. - ela se inclinou um pouco e repousou sua mão direita sobre a minha, que descansava na mesa de escritório. 

Foi instintivo recolher a mão, ela também recuou e se recompôs.

- Como você sabe, a família Miller é apenas um lar temporário, eles mencionaram o desejo de uma possível adoção, mesmo você completando 18 anos no próximo ano, eles gostaram muito de você. Mas o assunto que te trouxe aqui é que conseguimos contatar parentes seus, o que é um alívio... - Stella deu uma pausa enquanto lia a ficha na pasta de cor creme que continha meu nome etiquetado à esquerda. - Você tem uma avó e um tio que moram em Virgínia.

- Você deve estar enganada, eu não conheço absolutamente ninguém da família do meu pai, sequer o meu próprio pai, não tenho nem o sobrenome, como poderiam ter encontrado?

- Eu me refiro à sua família por parte de mãe. - Stella pareceu tão confusa quanto eu com a informação. 

- Eu liguei hoje pela manhã e eles receberam com muito pesar a notícia da partida da sua mãe, disseram que ela havia ido embora da cidade quando você ainda era um bebê e que nunca mais retomou contato, eles não sabiam onde vocês estavam...

  Eu ouvia as palavras que saíam de sua boca, mas já estava absorta em meus próprios pensamentos; por toda a minha curta vida ouvia de minha mãe que ela era órfã e desconhecia seu passado, que meu pai foi um caso passageiro e que partiu antes mesmo que ela soubesse que esperava por mim. Sempre com respostas curtas, impacientes, deixando claro que o assunto deveria acabar alí, que eu deveria aceitar e não questionar novamente sobre parte de quem sou.

Me sentia como uma mosquinha, presa na teia de mentiras construída por Sarah, já não sabia diferenciar a verdade da mentira, o que era o quê. 

  Respirei fundo na tentativa de não permitir que meus sentimentos mal resolvidos a respeito da minha mãe fizessem meus olhos inundarem com lágrimas, ela já havia levado o suficiente por conta do luto, não precisava tirar mais uma gota sequer pelas dúvidas que deixou comigo. 

 - (...) Ficaram felizes em saber que você está bem e te querem com eles (...) - Stella continuava a falar, ela gesticulava as mãos para fazer ser atrativa a ideia de cruzar o país comigo e me levar até a dupla de desconhecidos. - Nell? - Ela juntou as sobrancelhas finas em sinal de preocupação, foi necessária uma força de vontade descomunal para retomar aquela conversa e decidir que rumo minha vida tomaria.

- Honestamente, eu nunca soube da existência deles, minha mãe me disse que era órfã, sempre foi muito vaga nas respostas às perguntas que eu fazia. Não sei bem o que pensar, ou o que te responder. 

- Em casos como o seu a justiça dá preferência ao seu sangue, seus parentes mais próximos são eles, eles parecem querer muito conhecer você. Acho que deveria dar uma chance.

Stella me deu um meio sorriso e me foi entendido que eu nunca possui o poder de escolha, eu iria para a Virgínia, quisesse eu ou não. A conversa que estávamos tendo ali só tornaram as coisas mais "humanas".

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