Bem-vinda à Salém

  - Vem, vou te dar uma carona. - falou Andrew enquanto eu terminava de verificar se não esquecia nada. 

- Pensei em ir andando, até melhor para conhecer a cidade. - eu não queria MESMO ser conhecida como sobrinha do xerife já no primeiro dia, embora soubesse que essa informação já estaria em circulação pelos corredores da Salém High School.

- Não mesmo, você pode se perder, é tudo muito novo para você! - interveio Hélène - não está esquecendo de nada? - ela estava tão animada que parecia ela que teria seu primeiro dia de aula.

- Sim, está tudo aqui. - dei-lhe um meio sorriso dando um tapinha na mochila.

- Ok, cuide-se! E tenha um ótimo primeiro dia! 

Ela me abraçou apertado e logo depois me deu um beijo na bochecha. 

Ficou em pé na porta da varanda acenando para nós enquanto saíamos na viatura da polícia. Pelo espelho do retrovisor pude ver que a figura ainda de roupão e bobs nos cabelos esperava sairmos de seu campo de visão para voltar para dentro.

- Olha... - Andrew tentava iniciar uma conversa, ele voltara a ficar rígido com minha presença desde o dia em que o ouvi falando com alguém na frente de casa - sobre aquele dia...

- Tá tudo bem, tio - intervi -, sei que como xerife muitas vezes precisa levar o trabalho para casa, eu queria dar algo para o Silas comer e acabei ficando curiosa. Me desculpe.

Ele pareceu relaxar. 

- Obrigado.

  Eu me via muito em meu tio Andrew, Sarah tinha seus cabelos quase loiros, seu irmão tinha os cabelos castanhos, mais parecidos com os meus. Ele também era feliz com o silêncio, diferente da sua mãe que sempre tem assunto.

  A viagem não durou mais de 20 minutos, um trajeto que eu poderia ter feito a pé. A Salém High School era um prédio maior do que eu imaginava para uma cidade de interior: com grandes letreiros em cor prata que anunciavam o nome do local, sua faxada era pintada de branco e alguns pequenos detalhes em marrom. Árvores rodeavam o lugar com um ou outro banco embaixo delas. Alunos se reuniam ali: uns lendo, outros trocando conversas, outros correndo como se estivessem atrasados e também havia a clássica galera esportista com seus casacos colegiais arremessando uma bola de futebol. Eu me sentia em um filme de Meninas Malvadas. 

- Então... Eu pensei em te dar como presente de boas-vindas um CD do Linkin Park, mas a galera agora ouve algo chamado de Spotify, então achei melhor te dar isso:

Ele estendeu uma das mãos e depositou sobre a palma das minhas um cordão de prata com relicário em formato de coração, dentro dele continha uma foto de uma moça... Sarah, mas mais jovem, sorrindo com um bebê nos braços.

- É você. Poucos dias após sair do hospital.

- Obrigada, é muito lindo...

Limpei a lágrima que teimava em descer com a ponta dos dedos, não queria borrar o rímel que havia passado, mas se emocionar com um presente como aquele era impossível. Em todos os meus anos conheci uma versão diferente da mulher da foto, era bom saber que em algum momento ela foi feliz por me ter. 

- Some daqui e se alguém falar algo com você, você diz que é sobrinha do xerife e que passar uma noite na cadeia é tranquilo pra mim.

Eu ri. Anotaria em minha lista mental de que Andrew também tinha um senso de humor duvidoso.

- Pode deixar, muito obrigada, pela carona e pelo presente. 

  Seria fácil me acostumar a Andrew e Hélène, eles possuíam um senso de união e amor pela família que por muitos anos eu não tive e que sempre anseei ter, gostaria muito de que pudéssemos ter nos encontrado antes do falecimento da minha mãe, talvez juntos cuidássemos dela.

  Autunm James era - de longe - a menina mais bonita não só de todo aquele fim de mundo, mas também que eu conheci. Os cabelos ruivos pareciam dançar todas as vezes que ela se movimentava, o que fazia de forma graciosa. A pele era tão alva quanto a minha e seus olhos de um verde esmeralda. Perto dela era como ter 13 anos outra vez: quando você ainda não sabe se vestir, se maquiar e o seu cabelo nunca está legal. Não sei se para meu alívio ou não, Autunm gostara de mim e se encarregou de me guiar por toda a escola naquele primeiro dia, era gentil, divertida e todos ao redor pareciam gostar dela. Por boa tarde do dia me vi checando meu reflexo no espelho: se a maquiagem estava bonita, se o cabelo não estava frizado, se o suéter vermelho escuro e a saia preta combinavam com as botas que eu usava. Não soube dizer se minha insegurança quanto a minha aparência se dava à sua beleza devastadora ou se eu só estava tendo um primeiro dia complicado. Respirei fundo, havia acontecido tanta coisas nos últimos dias e eu decidia surtar com problemas de ensino médio. Tive vontade de rir.

- No seu próprio mundo? - e a senhorita bonita que chega doer estava novamente no meu encalço, trazendo consigo uma bandeja com seu almoço e o colocando na mesa onde eu estava sentada, sozinha.

- É, um pouco... - tentei brincar. Ela se sentou de frente para mim e colocou a bolsa na cadeira ao lado.

- Fazendo caridade, Autunm? - uma voz masculina impediu que a ruiva continuasse a falar comigo. 

  Alto, bronzeado, loiro e de olhos verdes, ele facilmente seria o primeiro a morrer em filmes de terror com aquele ridículo casaco de time que parecia marcar uma espécie de hierarquia colegial.

- Nell, esse é o idiota do meu namorado Ethan, Ethan, essa é a Nell. 

- Eu sei quem ela é, Aut. É a esquisita que a mãe se matou. - eu gelei, Autunm corou imediatamente, notava-se a vergonha em seu olhar pela fala do namorado.

- Se você sabe que a minha mãe se matou sabe de quem eu sou sobrinha. - "Agora vai se valer de parentesco?", perguntei a mim mesma já envergonhada. 

- Sei, e daí? Tá achando que seu titio vai me por na cadeia? - Ethan arqueou uma das sobrancelhas, à nossa volta formava-se uma pequena roda de curiosos que tentavam ouvir alguma coisa.

Eu me levantei, peguei a mochila e caminhei com passos firmes na direção dele, parando bem à sua frente. 

- A questão aqui não é meu tio te por na cadeia, é eu não ser punida por algo que possa te acontecer. 

A presunção que dominava suas expressões deu lugar a vergonha, como se nada que dissesse pudesse ser capaz de responder à altura. Pude ouvir os cochichos ao nosso redor, mas os deixei para traz enquanto saía do refeitório. No peito um misto de orgulho e preocupação, como explicar ao meu tio que havia ameaçado uma pessoa? 

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