A cidade de Salém, no Estado da Virgínia, fora construída envolta à densa vegetação local. A descrição do G****e Maps dizia ser de fácil acesso mas as rodovias pareciam ser "engolidas" pelo verde que nessa época do ano ganhava tons de laranja e marrom. Uma cidade interiorana com sua população de aproximadamente 25 mil pessoas.
A risada sincera que escapou de mim foi facilmente compreendida por Stella no momento em que olhou o GPS do carro, era agradável ter a companhia de alguém que partilhava do mesmo humor que eu, sentiria falta dela. Totalizando as 12 horas dentro do carro, sem contar a noite em que paramos para descansar em uma pousada pelo caminho, saímos de Salém - Massachusetts para Salém - Virgínia. Durante todo o trajeto me perguntei o propósito de Sarah em morar num lugar com o mesmo nome da cidade da onde fugiu.
- Ansiosa? - Stella me olhou por um instante até retomar o olhar para a rodovia, ao mesmo tempo em que era visível estar cumprindo com seu trabalho também parecia se importar verdadeiramente com o destino que seria meu a partir daí.
- Ainda estou processando a existência deles. - e eu realmente estava.
- A adolescência não é uma fase tranquila, seu tio me falou por telefone que sua mãe partiu quando tinha apenas 17 anos. Digo, ela ainda era muito jovem e você era um bebê.
Encerrei o assunto assentindo. A minha vida inteira vivendo com Sarah e sempre tive a sensação de não a conhecer, as revelações após sua partida só confirmavam isso.
Stella estacionou o carro na entrada de uma casa estilo colonial, grande, de 2 andares, pintada de um amarelo claro com detalhes em branco. Havia uma cerca branca que delimitava a propriedade, com as mais variadas flores cultivadas pelo jardim amplo de grama bem aparada.
Uma senhora usando um vestido floral azul apareceu na varanda seguida por um homem que trajava o que julgo eu ser o uniforme da polícia local. Stella segurou minha mão e dessa vez não quis recuar ao seu toque.
- Estou fazendo o que meu trabalho exige, são seus parentes mais próximos, a ficha deles é impecável, não há ninguém, perante a lei, com melhores condições de cuidar de você nesse momento.
Levei o olhar à nossas mãos ainda unidas.
- Além do mais, você tem o meu telefone e pode me ligar caso aconteça algo, virei correndo.
- São só 1,122.0 km de distância, não é mesmo? - ironizei na intenção de que o humor dissolvesse as lágrimas que insistiam em arder meus olhos.
Chegamos bem a tempo para o almoço, Hélène, minha avó, preparara uma lasanha e estava receosa se Stella ou eu éramos vegetarianas, para seu alívio respondemos que não.
Jocelyn Hélène curiosamente também preferia ser chamada pelo seu segundo nome, assim como eu, e sorriu animada para mim quando soube disso, ressaltando ainda mais suas linhas de expressão ganhadas com o passar do tempo.
Uma senhora de porte robusto e coluna levemente curvada, seus cabelos já haviam sido por completo tomados pelo cinza da idade. Nos contou com orgulho que mesmo aos 65 anos ainda trabalhava de casa como costureira e era um membro ativo da comunidade.
Seu filho mais velho e meu tio, Andrew, de 35 anos, era xerife do condado de Salém. Um homem alto, com corpo atlético e de poucas palavras, em alguns momentos parecia estar em seu próprio mundo. Os seus olhos, assim como os de Hélène, Sarah e os meus eram do mesmo azul cor do céu em um dia limpo.
- (...) Andrew foi o meu bebê modelo - continuou Hélène algum assunto que somente Stella escutava até então - , já Sarah era impossível, um verdadeiro espírito livre, indomável. Se houvesse qualquer rebelião você pode ter certeza de que era ela quem liderava!
De canto de olho vi Andrew rir, concordando com sua mãe.
- A senhora tem alguma ideia do por quê sua filha foi embora? - Stella estava genuinamente interessada na história de minha mãe, provavelmente bem mais do que eu.
- Ela era uma boa menina, mas aos 14 anos ficou incontrolável, rebelde. Talvez por conta das amizades. Chegava em casa tarde da noite, não respeitava ninguém. Aos 16 engravidou - o olhar de Hélène se voltou para mim e depois retornou para Stella -, e por um tempo tivemos paz, mas em um domingo ela foi ao meu quarto dizendo que não iria para o culto aquela manhã porque a bebê não estava bem, quando voltamos elas já não estavam mais aqui. Essa foi a última vez que vimos você.
Disse ela se voltando para mim. Seus olhos azuis tão familiares estavam marejados, ela não aparentava temor em demonstrar seus sentimentos. Andrew repousou uma das mãos sobre o ombro de sua mãe e ela conteve a possível crise de choro que viria.
Ele agora olhava para mim:
- É visível que minha irmã precisava de ajuda psicológica, muitos problemas emocionais podem ser desenvolvidos a partir da gravidez e o puerpério que podem ter se arrastado pelo resto de sua vida. Não soubemos como ajudá-la na época, sinto que é nosso dever cuidar de você.
Concordei, abaixando a cabeça.
A vida para minha mãe nunca pareceu ser leve, ela sempre estava cansada, irritada ou sem paciência. Sempre atribui isso ao fato dela ser uma mãe solo que precisava trabalhar dia e noite para manter à mim e à casa. Era tolo, mas agora parecia mais claro que seu emocional estava afetado o bastante por tanto tempo a ponto de ela sentir-se sem saída e tirar a própria vida.
Naquele momento quis poder abraçá-la na última manhã em que estivemos juntas.