31 de Outubro

  Havia passado mais tempo que o esperado me arrumando, mas o Halloween além de ser a minha época favorita do ano, o dia de hoje,, também possuía significado para mim: passara-se pouco mais de um mês desde a morte de minha mãe, era a primeira vez desde então que eu sairia com gente da minha idade para me divertir. Podia sentir a ansiedade me dando dor de estômago.

  Pelo que soube, anualmente Autunm fazia uma festa de Halloween em sua casa onde recepcionava boa parte dos alunos da Salém High School,, ela me chamara, e como esse seria nosso último ano na escola, me animei verdadeiramente em ir.

  Pedi ajuda à vovó, que prontamente me ajudou a elaborar a fantasia para a festa. Tabalhamos em cima de um vestido meu: preto, justo e um pouco acima dos joelhos. Vovó costurou mangas até os pulsos nele por conta do frio, com um tecido que parecia uma segunda pele, similar a meia calça preta que usaria. Para compor o look botas pretas de salto grosso mediano. Fora nosso projeto de fim de tarde pelos dias que seguiram. Nada extravagante, mas aquelas horas juntas eram preciosas.

  Em frente ao espelho do que agora era meu quarto eu finalizava a maquiagem: um delineado gatinho delicado que destacasse meus olhos azuis arredondados. Os lábios pintei-os de vermelho, para contrastar tanto com minha pele clara quanto com o vestido. Meu cabelo havia prendido em um meio rabo de cavalo, com ondas grossas nos fios soltos. Para a parte dramática da fantasia colocara alguns arranhões de gato desenhados pelo meu pescoço e em um dos lados do rosto. Iria de mulher gato, inspirada em Silas, que dias atrás me arranhara enquanto brincávamos. Ele tem o pavio curto quando toca em sua barriga.

  - Querida? - vovó apareceu na porta do meu quarto. - Ah, meu bem, você está tão linda... 

- Obrigada, vovó... - corei. Alguma vez escutei algo assim da minha mãe?

- Trouxe o que faltava, estava dando os retoques finais.

  Ela entrou e me entregou uma máscara costurada à mão com renda preta, tinha o formato de um rosto felino, com delicadas orelhas em seu topo, cobria a maior parte da cabeça mas deixava livre o rosto abaixo dos olhos. Era linda.

- Vovó, você é uma artista! 

Agora era sua vez de corar, ela pegou a máscara das minhas mãos e a encaixou cuidadosamente em meu rosto, enquanto nos olhávamos no espelho. Amarrou-a com fitas de seda preta costuradas nas laterais.

- Lembre-se: divirta-se, mas com cuidado, é noite de Halloween. - ela dissera, sua voz parecia ter saído talvez mais macabra do que ela quisesse de fato. Beijou-me o rosto. Assenti segurando uma de suas mãos. A ansiedade novamente fazia meu estômago revirar.

  - Telefone? - questionou o xerife Bl8accer.

- Aqui. - respondi levantando o aparelho.

- Identificação? - ele continuou.

- Aqui. - repeti o gesto anterior, só que agora erguendo a identidade. 

- Volto 00h, me ligue caso aconteça qualquer coisa. - seu tom de voz nunca esteve tão sério.

- Tá tudo bem? - perguntar foi tão involuntário quanto respirar, Andrew parecia no limite.

- Essa época do ano é caótica, o triplo de ocorrências por conta de baderneiros. Daqui eu volto pra delegacia, mas passo aqui pra te pegar na volta sem falta. Se cuida.

- Ok, tio, se cuide também.

Sai e bati a porta do carro que logo partia na estrada rodeada de árvores secas que formavam figuras assustadoramente distorcidas na escuridão da noite que iniciava.

  Algo naquelas figuras me tomou mais atenção do que eu esperava e quando me virei acabei batendo de frente com alguém com muito mais corpo que eu.

- Aí! 

- Perdão. Eu a machuquei?

Tratava-se de um homem alto, de pele pálida, com cabelos levemente desgrenhados e de comprimento pouco abaixo das orelhas, que assim como seus olhos eram pretos como o céu em noite de lua nova. Não era jovem, deveria ter por volta de 42 a 45 anos. Suas mãos me seguravam pelos braços com firmeza, como se o baque de nossos corpos pudesse ter me feito cair.

- Sim, estou. Me desculpe, acabei me distraindo... - disse-lhe enquanto me desvencilhava de seu contato. Ele entendeu e tomou uma distancia respeitosa.

- Realmente sinto muito.

Sua voz não me era estranha. Não como se eu o conhecesse mas sim como se já a tivesse ouvido.

- Está tudo bem. Sério. Eu também não estava atenta.

O desconhecido me olhou nos olhos por um longo instante, como se me enxergasse além da máscara.

- Você é a sobrinha do xerife Blaccer, não é? - agora ele parecia curioso.

- Sou sim, mas eu não me lembro de você

- Acredito ter te visto em um culto que teve em honra a memória da assistente social que te trouxe para casa. 

Desta vez era eu quem o olhava bem, sua voz me era familiar mas seu rosto não estava nas minhas memórias. 

- Desculpe mas não me lembro de tê-lo visto na igreja. 

Ele pareceu buscar por uma resposta, mas fomos interrompidos:

- Com licença, está tudo bem?

Era uma mulher de beleza digna de capa de revista. Pouca coisa mais alta que eu, com a pele levemente bronzeada e cabelo loiro platinado, os olhos tão escuros quanto os do desconhecido ao meu lado.

- Está sim - disse ele -, acabei esbarrando na sobrinha do xerife...

- Nell Blaccer. - o interrompi, esse rótulo já vinha me irritando.

- Nell. - ele repetiu, me olhando outra vez nos olhos, dessa vez por mais tempo. - Nell, eu me chamo Gerard Blackwood e essa é minha sobrinha, Liora. 

- Prazer. - Liora sorriu educadamente e me estendeu a mão em cumprimento, que retribui.

- Igualmente, se me dão licença, eu preciso ir. Boa noite. - disse, eles assentiram e eu girei nos calcanhares em direção ao endereço da casa de Autunm.  

  Assim como o gotejar irritante de uma torneira quebrada, algo me incomodava, o nome de Gerard Blackwood nunca fora citado em casa, tão pouco me lembro de algum dia ter visto seu rosto pelos passeios que fazia após a escola, então por que sua voz me soava conhecida? 

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