Lar

  Não sei como ainda me surpreendi em Andrew e Hélène saberem do ocorrido na escola antes mesmo que eu pudesse chegar em casa. 

- Uma moça não dá ideias para rapazes grosseiros, tão pouco revida com ameaças, Neliel. - foi a repreensão mais educada que eu já havia tido.

- Ela só estava se defendendo, mãe, a senhora sabe como o filho dos Hunter é encrenqueiro. - meu tio tomava meu partido, logo ele a quem jurei ser o primeiro a decretar castigo por me fazer valer com seu nome, mesmo ele tendo permitido em uma brincadeira.

  Vovó concordou, a contra gosto, e me sentenciou a limpar toda cozinha antes de dormir. Ela se retirou mais cedo do jantar, alegando estar se sentindo mal por boa parte do dia. Nos despedimos e ela subiu para seu quarto.

- Vai supervisionar minha pena, xerife Blaccer? 

Disse separando as louças em talheres, copos, pratos e panelas. Meu tio estava sentado na mesa atrás de mim, folheando o jornal do dia mas parecendo sem muita paciência pelo barulho ao passar as folhas.

- Não, eu só estava esperando a vovó subir para falar com você.

Parei imediatamente.

- Não te defendi sem motivos, Nell. A cidade é pequena mas sempre vai haver alguém com quem precise tomar cuidado ou mostrar que não tem medo, você fez certo em não abaixar a cabeça para aquele merda.

Estava tão incrédula com suas palavras que precisei me virar para olhá-lo.

- Então, quando me disse no carro que eu podia usar o seu nome não estava brincando?

- Não. Nell, eu sou seu tio, a figura masculina mais próxima que você tem presente, então eu não quero que deixe passar batido nada que te fizerem.

- Obrigada.

Ele se levantou da cadeira, deixando o jornal na mesa e depositou um beijo suave no alto da minha cabeça. 

- E eu quero essa cozinha limpa, senão vou acrescentar mais 5 anos na sua pena. - brincou, sumindo pelo corredor, pude ouvir os passos dos sapatos pesados a subirem os degraus da escada e até mesmo a já familiar batida da porta do seu quarto.

  Não havia percebido que estava chorando até o momento em que minhas lágrimas caíram sobre a louça na pia, então era essa a sensação de acolhimento e pertencimento familiar que um dia sonhei ter?

  Cumpri minha pena, me estendendo mais tempo do que realmente levaria pela cozinha, Silas esteve ao meu lado assim que meu tio saiu, e ficou deitado em uma das cadeiras até que eu terminasse e fôssemos para o - já nosso - quarto.

  A manhã seguinte inicou com uma tranquilidade que se estendeu por todo o dia, e pelo restante da semana. 

  Vovó, meu tio e eu tomávamos café da manhã juntos e por mais que o cheiro de café fresco ainda me remetesse sentimentos ruins, pouco a pouco isso se dissipava com as boas lembranças que construíamos. 

  Andrew me levava para a escola pela manhã, à tarde eu voltava para casa caminhando e conhecendo cada dia um pouco mais dessa nova Salém, alguns rostos já me eram conhecidos assim como eu para eles. 

Após as tarefas da escola eu ajudava vovó com o jantar, esse era o nosso momento. Ela me ensinava receitas e me contava suas histórias da juventude:

- Eu sempre fui muito paqueradeira, mas quando conheci o meu Thomas, soube que ele seria para mim como eu era para ele. - me contara certa vez.

- Vovó, nunca sentiu vontade de casar novamente após a partida do vovô?

- Jamais! Foi o homem da minha vida, não consigo pensar em outro tomando seu lugar. Sabe, à noite, antes de dormir, ainda faço carinho no travesseiro que fica do lado dele da cama...

Seus lindos olhos azuis estavam cheios de lágrimas, mudei de assunto:

- Estou feliz por ter a oportunidade de conhecer você, vovó. - a abracei tão espontaneamente quanto ela costumara a fazer comigo. Hélène retribuiu o gesto.

- Eu também, minha querida, eu também.

  Aquela noite jantamos sozinhas, meu tio ligara dizendo ter muito trabalho na delegacia e que chegaria tarde, mas a noite foi igualmente tranquila e alegre.

  Em Salém High School as pessoas se dividiam visivelmente entre desafetos e simpatizantes. Muitos me achavam arrogante pela forma como lidara com Ethan Hunter, outras, de certo também cansadas de terem que conviver com alguém como ele, sorriam para mim ao passar ou até mesmo puxavam um assunto o outro como em filas para o almoço ou na aula de educação física. 

  A pessoa que eu poderia jurar que manteria distância de mim a partir do que acontecera era Autunm, um grande engano meu. Todos os dias nos falávamos, fosse em alguma aula que fazíamos juntas ou na hora do almoço. Era como se ela tivesse passado uma borracha naquele episódio e só se limitava a falar de seu namorado em conversas onde falávamos sobre nossos planos Lara o futuro.

- Um dia nós nos casaremos, vai der pouco depois que nos formarmos, e eu não quero demorar para ter filhos, quero 4! - ela me confidenciara certa vez. 

- Nós nascemos im para o outro, namoramos desde o primeiro ano, nossas famílias são amigas há décadas, antes mesmo de nascermos nossas mães já diziam que seríamos namorados. - ela completou, pude perceber que aos poucos o brilho em seu olhar se apagava ao me contar sua história de amor predestinado. Me parecia bem triste seus pais escolherem alguém para você com quem passaria sua vida. Mas me abstive. 

- E você já sabe o que vai cursar? - eu mudava a rota da nossa conversa na esperança de que aquele ar de tristeza saísse do seu rosto.

- Não faço ideia! - ela voltou a sorrir - Não quero nada complicado até porque não vou trabalhar com isso, só quero um diploma na parede da sala da minha futura casa. E você?

Ri com abrupta mudança de humor. Autunm tinha essas oscilações vez ou outra.

- Quero cursar enfermagem e me especializar ou em obstetrícia ou na área neo-natal, ainda estou decidindo.

- Nell, isso é ótimo! Vamos poder estar juntas, pois quero você em todos os meus partos ou nos cuidados com meus futuros filhos! - Eu sorri, concordando. Autunm me incluía em seu futuro perfeito enquanto eu só queria passar por aquele ano.

  Aos poucos, pude perceber que se dissipava meu conflito com Ethan. As pessoas que antes pareciam não gostar de mim agora demonstravam que eu era apenas mais uma na cidade, até mesmo o próprio Ethan não falara sobre, não era como se tivéssemos nos tornado amigos, nós sequer nos falávamos, mas não era mais o assunto do momento.

  Pouco a pouco, dia após dia, pude sentir outra vez resquícios de uma vida normal, talvez eu pudesse enfim me reconstruir.

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