- O quê?! N-n-não, Stella estava bem, estava indo para casa!
As palavras dispararam pelos meus lábios, era algo que eu simplesmente não conseguia acreditar. Hélène estava com as mãos levadas à boca, como se também não acreditasse no que ouvira.
- Alguém que passava pelo local viu o caro parado na rodovia, achou suspeito pois na rota em específico não há como parar pela velocidade dos carros, quando os socorristas chegaram ela já estava morta, morreu na hora.
- Mas o que houve?! - eu não tinha controle no volume das minhas palavras, já podia sentir as lágrimas arderem em meus olhos.
- A perícia acredita que algum animal da floresta passava pela rodovia, provavelmente caçando, e acabou batendo no carro, o choque fez com que o corpo dela fosse arremessado para frente.
- Mas se foi um animal, onde ele está? Não deveria também ter sido arremessado para algum canto com o impacto do carro?!
- Sim, mas não encontramos nada, ele pode ter fugido assustado. A cidade é tranquila mas as rodovias não têm tanto fluxo de humanos, os animais se sentem mais à vontade para caçar.
Andrew falava comigo mas suas palavras não eram processadas pelo meu cérebro, apenas uma dor lancinante tomava conta de mim. Minhas lágrimas desciam como em cascatas manchando a camisa que eu vestia. Minha avó me envolveu em seus braços e me abraçou apertado, eu descansei a cabeça em seu peito e me permiti sofrer a perda daquela mulher que ainda tinha um mundo para viver. Meu tio abaixou a cabeça, sem saber ao certo o que fazer ou dizer, depois de tudo, não me lembro quanto tempo estive ali, mas me pareceu eterno.
Andrew voltara à delegacia para entrar em contato com o marido de Stella, ele precisava resolver os trâmites à respeito do translado do corpo.
Hélène me deu alguns tranquilizantes após ver que eu não seria capaz de me acalmar sozinha e assim fui derrubada contra minha própria vontade.
Dormi um sono profundo e sem sonhos. Ao abrir os olhos percebi que ainda era noite, 20h10. Respirei fundo passando as mãos pelo rosto. Em algum lugar em Salém, Massachusetts, um homem sofria a perda de sua esposa. Stella me confidenciara em nossa viagem que era casada, que ela e o marido nunca desejaram ter filhos, mas que viviam uma vida plena. Como esse homem estaria agora? Certamente pior que eu.
De repente, um som estranho irrompeu o silêncio do quarto escuro, vinha da janela e mais parecia o arranhar de unhas no vidro. Me levantei mesmo ainda sonolenta com o efeito dos remédios e abri uma pequena fresta da cortina. Meus olhos se pretificaram diante da imagem diante de mim, era simplesmente inacreditável:
- Como chegou até aqui?
Diante de mim, separado apenas pela janela do quarto, Silas passava as unhas pelo vidro como forma de pedir para que eu abrisse, como tantas outras vezes fizera. Destravei o trinco e ele imediatamente entrou, podia ouvir seu ronronar, o trouxe para meu colo e acaricie sua cabeça enquanto buscava respostas para o que acontecia.
A última vez que eu o vira foi quando encontrei minha mãe morta na cozinha, depois desse dia ele havia sumido. Lembro-me de Stella ter me ajudado a procurá-lo para que eu pudesse o levar comigo para a casa dos Miller, mas não obtivemos sucesso. Stella até havia pêgo comigo uma foto de Silas para caso o visse pela região o levasse para sua casa e o trouxesse para mim.
Stella... Primeiro Sarah, agora Stella, eu começava a acreditar que o cheiro do café fresco de fato atraía maus presságios.
Silas passou a pata em meu rosto, me trazendo de volta à realidade. Meu rosto já estava molhado pelas lágrimas outra vez.
- Você deve estar com fome, seja como for que tenha chegado até aqui, deve ter sido cansativo. Venha, vamos ver se a vovó tem algo para você.
Ao descer as escadas com Silas ainda no colo notava o som de vozes em algo que poderia descrever como uma discussão, mas contida:
- (...) Eu já te disse que nenhum de nós está envolvido, te dei minha palavra e a tenho cumprido. - Uma voz masculina rouca e naturalmente sedutora falava.
- Uma mulher morreu de ontem para hoje em circunstâncias suspeitas, onde tudo aponta para um de vocês, o quer que eu ache? - A voz a responder era a de meu tio, visivelmente irritado, mas mantendo o tom baixo.
- É melhor pararmos por aqui. - Alertou a voz do desconhecido. Andrew olhou pela pequena brecha na porta de madeira e me encontrou no primeiro degrau das escadas, tão assustada quanto uma criança que acabara de ser pega fazendo algo errado. Meu instinto foi correr e eu apenas o fiz, voltando a direção para o agora meu quarto e trancando a porta com chave.
Estariam falando de Stella? Se sim, sua morte então não teria sido um acidente? Quem teria motivação para isso? Por que Andrew mentira a respeito da real causa da morte?
Minha cabeça parecia girar, não sei se por tudo o que estava acontecendo ou se pelo efeito dos medicamentos que ainda deviam estar no meu organismo. Parecia que quanto mais eu buscava respostas, mais perguntas apareciam.