Despedida

  - Uma vez por semana vou te ligar para saber como andam as coisas e no próximo mês virei ver como está a adaptação. - me disse Stella.

- Está bem, obrigada por tudo. 

Estranhamente havia me afeiçoado à Stella, entendia que tudo o que fazia nada mais era do que parte do seu trabalho, mas sempre se mostrou muito humana e empática para comigo, não como se eu fosse apenas uma menor de idade precisando de destino, ela queria se assegurar de que o lugar onde me deixava era um lar e que eu poderia terminar a adolescência e iniciar a vida adulta com chances reais de uma vida feliz.

- Sra. Dawnson, sugiro que pegue a rota principal, é um pouco mais longa mas é a mais segura - interveio Andrew -, às vezes os atalhos que parecem fáceis podem confundir e você acaba se perdendo. Há uns 40 minutos daqui você encontra uma pousada, pode descansar essa noite e retomar viagem pela manhã. 

- Obrigada pelo aviso, xerife Blaccer.

Stella me abraçou apertado dispensando qualquer formalidade, ela também havia se afeiçoado à mim. Isso deixou meu coração quente. Se despediu de Andrew com um aperto de mão formal, com Hélène já havia falado algum tempo antes, minha avó disse estar cansada e precisava se deitar um pouco, algo relacionado ao coração.

  Andrew me ajudou a subir com minhas malas, ele era tão quieto quanto eu, o que tornou tudo mais confortável.

  Adentramos um quarto no segundo andar com janela com vista para o jardim dos fundos da casa, tão florido quanto o da frente e que tinha um pequeno caminho feito de pedras que levavam à um pequeno bosque. 

O quarto parecia ter parado no tempo: as paredes eram decoradas com papel cor bege e desenhos de pequenas lavandas. Havia alguns animais de pelúcia e bonecas antigas em uma prateleira acima da cama de solteiro, que ficava encostada ao lado direito do quarto. Ao lado dela havia uma mesinha com abajur em tons pastéis de rosa e amarelo. Abaixo da janela do quarto tinha uma espécie de sofá que permitia aproveitar a vista do lado de fora da casa. Na outra extremidade do quarto estava uma mesa para estudos, abaixo de uma prateleira com alguns livros de histórias. Todo o quarto continha fotografias de pessoas que logo identifiquei: Hélène, Andrew e Sarah quando mais novos em momentos de descontração. Eu nunca vira minha mãe tão feliz quanto nas imagens. 

  - Esse quarto era dela... - Andrew me tirou dos meus devaneios. - Minha mãe nunca deixou mexer de forma que tirasse a lembrança dela daqui, quando soubemos de você pensamos em fazer uma pequena reforma mas achei que gostaria de conhecer um pouco do passado dela antes de mudar algo.

- Talvez eu mantenha os pôsteres do Linkin Park e do Three Days Grace.

Foi natural a brincadeira,e Andrew deu uma risada.

- Sua avó vai dizer que você herdou o mal gosto musical da sua mãe, mas cá entre nós, eu também gosto. - Ele sorriu, estava pela primeira vez à vontade com a minha presença. Repousou a mão no meu ombro por menos de um segundo e se retirou do quarto para que eu pudesse me acomodar.

  Os primeiros raios de sol se infiltravam pelo quarto através das frestas na cortina lilás, meus olhos custaram a se adaptar a claridade forçada mas quando voltaram ao foco pude ver o horário do relógio na mesinha de cabeceira: 6h03. Eu precisaria dormir mais cedo ou arrumar uma cortina mais escura. Era quase 2h da manhã quando apaguei as luzes do quarto e me deitei para dormir, antes de arrumar minhas coisas queria conhecer as de Sarah, saber um pouco sobre ela, seu passado, e quem sabe tentar entender seus motivos para partir daqui. 

Encontrei uma câmera polaoid em perfeito estado e alguns álbuns com fotografias, todas bem cuidadas e com registros com nomes de pessoas, lugares e datas. Ela parecia ser apaixonada por registrar momentos. Pelas fotos era visível o quão amável ela era, tornei a me questionar o que teria acontecido para a menina meiga, feliz e sorridente das fotos se tornar a mulher infeliz que conheci. 

De todas as fotos que tinha visto até então, a maior parte tinha Andrew nelas. Não foi à toa suas palavras na noite anterior, eles pareciam ser bem próximos e saber que sua irmã desapareceu possivelmente doente deveria ser angustiante. Eu continuaria a busca por entender mais minha mãe, mas antes tentaria me adaptar à rotina da casa.

  Troquei o pijama, vestindo uma camisa de banda e um short jeans, escovei os cabelos, os dentes e lavei o rosto. Das escadas conseguia sentir o cheiro de panquecas e café fresco.

- Vou precisar me acostumar com isso. - Disse à mim enquanto adentrava o corredor que levava à cozinha. Tinha a péssima impressão de que o cheiro de café fresco tornara-se um mau presságio desde a última terça-feira de Setembro. 

- Bom dia, vovó.

"Vovó?", soou infantil, mas a intenção era iniciar uma boa relação com as pessoas com quem passaria meus, pelo menos, próximos dois anos seguintes.

- Bom dia, querida. Estava te esperando para o café.

Hélène usava um roupão branco grosso, os cabelos estavam presos em bobs e calçava pantufas rosa. 

- Onde o... tio Andrew está?

- Saiu ainda pela madrugada, não me disse sobre o que se tratava mas parece ter ido verificar uma ocorrência. - Ela deu de ombros - Venha, tome seu café.

  Perdi a noção de quanto tempo passei sentada ao seu lado na mesa, conversando, falar com minha avó era fácil pois ela dissipava o silêncio desconfortável com seus diversos assuntos. 

 Me contou como conheceu seu falecido marido - e consequentemente meu avô - Thomas Blaccer, que este era policial e que assumiu o cargo de xerife da cidade pouco depois do nascimento de Andrew, mas que um câncer de intestino o levara quando os filhos ainda eram pequenos, que Andrew e Sarah eram muito agarrados à ele e que se meu tio hoje exercia a mesma profissão, era uma forma de honrar seu nome e seu legado. Também me disse que o sobrenome que eu carregava tinha peso nessa cidade pois os primeiros Blaccers fizeram parte da construção da lugar que temos hoje. 

- Andrew ganhou esse nome em homenagem ao meu falecido pai, Andrew Leroy. E Sarah foi uma homenagem à avó de Thomas, Sarah Blaccer. 

- Sabe o motivo por trás do meu nome? - perguntei, estava imersa em toda a conversa.

Hélène torceu o nariz, parecendo se lembrar de algo que não lhe agradara. 

- Annabella era o nome da mãe de Thomas e minha sogra, Annabella Strauss-Blaccer, Neliel... Bom, como você sabe, sua mãe acabou engravidando de você na adolescência e esse nome foi um pedido do seu pai, era o nome da avó dele que o criou.

Seus olhos pareciam conter uma certa repulsa ao falar, a questionei: 

- Então a senhora conheceu o meu pai? 

- Não de maneira aprofundada, ele estudou com sua mãe no ensino médio, mas desapareceu pouco depois que ela descobriu a gravidez. De certo não quis assumir a responsabilidade e foi embora.

Queria continuar o assunto mesmo que minha avó parecesse desconfortável, era parte da minha história ali, sendo dita, mas fomos interrompidas por Andrew que entrava em casa extremamente nervoso: 

- Nell, nós precisamos conversar. 

O olhei, quieta, enquanto o via tomar fôlego mais pelo que seria dito do que por propriamente falta de ar.

- Pela madrugada recebi a ocorrência de um acidente na estrada, fui verificar, acabei de voltar de lá. O acidente foi com a assistente social que te trouxe, ela, ela faleceu no local...

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