Isabela Duarte, uma jovem recém-traída que aceita trabalhar como faxineira na poderosa Constellation Global Enterprises, descobre em si mesma um talento incomum para percepção, empatia e criatividade. Quando salva, num gesto simples, a apresentação do impassível CEO Rafael Moreau e descobre que ele guarda feridas do próprio passado, os olhares trocados entre jaleco e terno iniciam uma lenta transformação na cultura da empresa — e no coração de ambos. Do primeiro bilhete anônimo à fundação de uma ONG independente, passando por boatos internos, crises éticas, desafios de patrocínio e até ameaças pessoais, Isabela escala de faxineira a Analista de Projetos Sociais, conquistando respeito e autonomia. Rafael se abre, revela seus traumas de juventude e, ao seu lado, aprende que controle não constrói legados — confiança, sim. Entre alianças improváveis, rivais convertidos em aliados e uma rede global de voluntárias, o casal resiste a pressões corporativas e éticas, funda uma instituição própria e celebra, no aniversário de cinco anos do projeto, não só a vitória de suas causas mas o amor amadurecido entre duas pessoas que, juntos, provaram que verdadeiros recomeços se erguem tanto na alma quanto na ação.
Ler maisA noite caiu com lentidão sobre o Rio de Janeiro, tingindo o céu de tons alaranjados e depois de um azul profundo. As luzes dos prédios da zona corporativa começavam a brilhar como constelações urbanas, e a Constellation Global permanecia viva, mesmo depois do expediente, com faxineiros circulando pelos andares e máquinas zumbindo em ritmo constante. Isabela estava em um dos vestiários, sentada no banco de madeira entre os armários metálicos, com as mãos ainda ligeiramente sujas de produto de limpeza. Tinha tirado o jaleco, deixado os cabelos soltos, e segurava entre os dedos a pequena folha de papel de caderno dobrada em três partes. Era uma carta. Escrever à mão era um gesto raro, quase nostálgico, mas naquele dia ela sentira necessidade de algo mais íntimo, mais real. Mariana merecia mais do que uma mensagem apressada pelo celular. Merecia suas palavras completas, com o tempo que ela não tinha, mas fazia questão de oferecer. Com a caneta simples em punho, ela começou: ⸻ “Quer
Era uma manhã de quarta-feira quando Isabela recebeu o aviso informal por mensagem no telefone da equipe de apoio: “Comparecer à sala 12-B, às 10h. Henrique Viana.” Sem maiores explicações. Nenhum contexto. Só o nome do diretor de Recursos Humanos da Constellation Global, o homem que raramente falava com pessoas fora da diretoria — e que, mesmo dentro dela, mantinha uma presença fria, quase mecânica. Isabela travou por alguns segundos. Sentiu o corpo gelar mesmo sob o calor abafado do dia. Seu primeiro impulso foi imaginar o pior: teria cometido algum erro? Teria ultrapassado algum limite invisível? Ajeitou o jaleco com precisão. Conferiu o cabelo rapidamente no reflexo do espelho da copa. Respirou fundo. Depois, subiu. Ao chegar à sala 12-B — uma das menores da torre, reservada para encontros administrativos — Henrique já a esperava, sentado com os braços cruzados, os olhos semicerrados. Um tablet à frente e uma pasta com folhas impressas. — Sente-se, por favor — disse ele, sem
A chuva da madrugada havia deixado o pátio frontal da Constellation Global com poças d’água refletindo o céu acinzentado. A cidade ainda bocejava quando Isabela chegou, meia hora antes do seu turno habitual. Gostava daquele tempo silencioso, onde as paredes pareciam mais sinceras e os corredores não estavam cheios de vozes e disfarces. Depois de guardar a bolsa no armário do subsolo e vestir o jaleco azul, dirigiu-se ao 8º andar, sua primeira escala do dia. O andar era mais administrativo, repleto de baias que só ganhavam vida a partir das nove. Passou pela sala de descanso dos funcionários e fez uma rápida inspeção. Estava tudo limpo. Mas algo chamou sua atenção no quadro de avisos logo ao lado da porta. Presa com um ímã vermelho, uma folha dobrada ao meio trazia letras grandes e em negrito: “Você é insuficiente.” Isabela franziu o cenho. Leu a frase duas vezes, sentindo um desconforto crescente. O papel estava dobrado de forma precisa, como se alguém tivesse planejado colocá-lo
O refeitório da Constellation Global era um espaço amplo, com janelas envidraçadas que davam vista para um pátio arborizado. Àquela hora do dia — perto das 14h — a movimentação era menor. A maioria dos funcionários já havia almoçado, e os que ainda permaneciam no ambiente falavam em tons mais baixos, com a preguiça pós-refeição pairando no ar. Isabela sentou-se num canto discreto com sua bandeja: arroz integral, legumes salteados e frango grelhado. Havia aprendido a fazer escolhas leves para não perder o ritmo no restante do expediente. Apesar do barulho dos talheres e da televisão ligada num noticiário sem som, o ambiente permitia uma pausa. Uma trégua do mundo corporativo. Ou, pelo menos, deveria. Enquanto misturava a salada com calma, o som de vozes abafadas chamou sua atenção. Três funcionários da área de TI, todos de crachá azul, conversavam duas mesas à frente. Um deles, Lucas — um rapaz conhecido por ser eloquente demais e sutil de menos — curvava-se em direção aos colegas,
A tarde estava quente, abafada, e o ar-condicionado do 15º andar da Constellation Global parecia mais uma cortesia simbólica do que um alívio real. Mesmo assim, Isabela tentava manter o foco. Havia acabado de organizar a bancada da copa executiva, deixando o ambiente limpo, aromatizado e com as garrafinhas de água mineral perfeitamente alinhadas, como gostavam os diretores. Guardava os panos e checava a lista de tarefas quando ouviu uma voz conhecida. — Isabela, poderia vir até a sala de reuniões, por favor? Ela se virou. Rafael. Estava sem paletó, com as mangas da camisa social dobradas até os cotovelos e um olhar cordial, mas atento. O tom era leve, diferente do que ela estava acostumada a ouvir dos superiores. Ela limpou as mãos na barra do jaleco, um reflexo de nervosismo. — Claro, senhor Rafael. — respondeu, tentando manter a postura. — Só Rafael, por favor. — disse ele, abrindo caminho para que ela o seguisse. Ao entrar na sala de reuniões, Isabela se surpreendeu com o cen
O relógio marcava 22h15 quando Isabela chegou em casa. Após um dia exaustivo na Constellation Global, suas mãos ainda carregavam o cheiro de desinfetante, e seus ombros, o peso de mais uma jornada. Mas naquela noite, algo era diferente. Sobre a mesa da pequena sala, o notebook antigo piscava, aguardando ser despertado. Ao lado, um caderno novo, presente de Mariana, e uma caneta azul. Isabela respirou fundo, lavou o rosto e se sentou. Mariana, sua irmã, havia lhe enviado um link dias antes: um curso online de introdução à gestão administrativa, oferecido por uma ONG que ela conhecera durante seu intercâmbio. Com a ajuda de Mariana, Isabela conseguiu uma bolsa parcial. A tela inicial do curso exibia: “Bem-vinda, Isabela! Sua jornada começa agora.” Ela clicou em “Iniciar Módulo 1”. ⸻ As primeiras aulas abordavam conceitos básicos de administração: planejamento, organização, liderança e controle. Isabela ouvia atentamente, fazendo anotações detalhadas. Cada termo novo era uma descob
Era segunda-feira, e o clima no 7º andar estava mais tenso do que o habitual. Um burburinho discreto havia começado logo após as 10h da manhã, se espalhando pelos corredores como uma corrente elétrica silenciosa: um auditor externo estava no prédio. A palavra “auditoria” sempre causava reações distintas — ansiedade nos gestores, inquietação nos assistentes, nervosismo nos terceirizados. Mas, para Isabela, aquele tipo de movimento significava uma coisa: observação em dobro. E ela sabia como isso podia afetar quem trabalhava nos bastidores. A copa corporativa, onde executivos buscavam cafés e reuniões improvisadas aconteciam entre um gole e outro, era um dos pontos críticos da avaliação. Isabela estava ali por escala naquela manhã, reorganizando o estoque de utensílios e limpando a área de preparo, quando o silêncio se rompeu com a entrada de um homem alto, de óculos retangulares, blazer claro e expressão meticulosa. — Bom dia. Sou Flávio Moreira, auditor interno da QualityFirst Cons
A sexta-feira amanheceu encoberta, com nuvens pesadas se aglomerando sobre o espelho de vidro da Constellation Global. O prédio parecia se esconder atrás da neblina, como se quisesse proteger — ou ocultar — tudo que se passava em seu interior. Isabela chegou cedo. Mais cedo do que o necessário. Havia algo inquieto dentro dela desde a noite anterior. O toque no elevador, o silêncio carregado, a lembrança vívida da tensão entre ela e Rafael — tudo martelava em sua mente com uma insistência cruel. Tentava manter-se concentrada nas tarefas simples: repor o papel-toalha, revisar as lixeiras, limpar as maçanetas com atenção quase exagerada. Mas a alma estava em outro lugar. Ela desceu até o almoxarifado no subsolo para buscar o carrinho de materiais. O ambiente, pouco frequentado, tinha cheiro de desinfetante e metal. A luz de néon zumbia alto demais para aquela hora. Ao empurrar o carrinho para fora, notou algo diferente. No compartimento superior, entre os panos dobrados e as luvas r
O dia tinha sido longo. E estranho. O tipo de dia em que tudo parece correr mais devagar — menos os pensamentos. Isabela estava exausta, mas mantinha a compostura. Já passava das dezenove horas, e a Constellation Global estava praticamente vazia, exceto por algumas luzes acesas nos andares superiores, como pequenas vigílias corporativas. Ela acabava de recolher o material de limpeza do 15º andar, empurrando o carrinho silencioso pelo piso de mármore. Naquele horário, ninguém mais circularia por ali — ou assim pensava. Ao apertar o botão do elevador, ouviu passos firmes vindo do corredor. Não precisou olhar para saber quem era. Aquela presença já era quase um campo magnético. Rafael surgiu ao seu lado, sem gravata, o paletó dobrado no braço. O rosto estava sério, mas cansado — os olhos, mais escuros do que o usual. — Boa noite — disse ele, após um segundo de hesitação. — Boa noite — respondeu Isabela, recuando discretamente o carrinho para abrir espaço. O elevador chegou. Ambos