Isabela Duarte, uma jovem recém-traída que aceita trabalhar como faxineira na poderosa Constellation Global Enterprises, descobre em si mesma um talento incomum para percepção, empatia e criatividade. Quando salva, num gesto simples, a apresentação do impassível CEO Rafael Moreau e descobre que ele guarda feridas do próprio passado, os olhares trocados entre jaleco e terno iniciam uma lenta transformação na cultura da empresa — e no coração de ambos. Do primeiro bilhete anônimo à fundação de uma ONG independente, passando por boatos internos, crises éticas, desafios de patrocínio e até ameaças pessoais, Isabela escala de faxineira a Analista de Projetos Sociais, conquistando respeito e autonomia. Rafael se abre, revela seus traumas de juventude e, ao seu lado, aprende que controle não constrói legados — confiança, sim. Entre alianças improváveis, rivais convertidos em aliados e uma rede global de voluntárias, o casal resiste a pressões corporativas e éticas, funda uma instituição própria e celebra, no aniversário de cinco anos do projeto, não só a vitória de suas causas mas o amor amadurecido entre duas pessoas que, juntos, provaram que verdadeiros recomeços se erguem tanto na alma quanto na ação.
Ler maisO relógio ainda marcava 5h40 quando Isabela Duarte saltou do ônibus lotado no centro financeiro da cidade. O céu carregava um tom violeta escuro, transição entre a madrugada e o dia, e a brisa fria da manhã batia em seu rosto, acordando-a por completo. Apertou o passo ao descer a avenida larga de paralelepípedos, com os arranha-céus espelhados ao redor começando a refletir a luz do amanhecer.
Parou diante do edifício prateado e colossal da Constellation Global, uma empresa de tecnologia e investimentos que dominava manchetes e discussões em todos os cantos do país. Não era a primeira vez que Isabela via aquela torre de vidro e aço reluzente, mas era a primeira vez que entraria nela. Um arrepio subiu por sua espinha — não de frio, mas de receio. Vestia o uniforme azul-marinho da firma terceirizada de limpeza: calça reta, camisa com o logotipo bordado sobre o peito e um par de tênis discretos. Carregava consigo uma bolsa simples e um crachá provisório preso à gola. Cabelos presos em um coque baixo, maquiagem quase nula, e um brilho nos olhos que misturava nervosismo e determinação. Ao passar pela porta giratória, o saguão da Constellation a engoliu com seu silêncio gelado e requintado. Mármore branco no chão, obras de arte minimalistas nas paredes, e um aroma de café fresco no ar. O porteiro noturno, de terno impecável, apenas assentiu com a cabeça e indicou o elevador de serviço. No 12º andar, foi recebida por Marina, a supervisora da equipe de limpeza. Uma mulher de seus cinquenta e poucos anos, firme e cordial, que a apresentou ao restante do time e explicou a rotina com a precisão de quem fazia aquilo há décadas. — Aqui a gente começa pelos banheiros e copas — disse, mostrando o quadro com os nomes e as tarefas. — Depois os corredores, as salas executivas só depois das oito, quando os diretores começam a chegar. Evita passar aspirador nessa hora. O barulho incomoda. Isabela prestava atenção a tudo. Enquanto caminhava pelo corredor principal, notou as salas de vidro com mesas modernas, cadeiras ergonômicas e monitores enormes. Algumas estavam vazias; outras já começavam a se encher de gente — homens e mulheres de terno, pastas de couro, mochilas de marca e celulares colados ao ouvido. Na primeira copa que entrou para repor o café e organizar as xícaras, ouviu vozes abafadas no corredor. — Você viu a nova faxineira? — murmurou uma jovem loira, usando saltos altos e tailleur. — Parece tão… deslocada. — É nova. O jeito que ela olha tudo… como se estivesse vendo outro mundo — disse outra, rindo baixo. Isabela fingiu não ouvir. Manteve-se em silêncio, respirando fundo. Não era novidade ser julgada à primeira vista. Sua vida inteira, de fato, fora uma sucessão de portas fechadas, olhares enviesados e tentativas de provar que merecia estar onde estava. Mas ali, no ambiente corporativo polido e formal da Constellation, os olhares tinham outro peso. Eram mais disfarçados, mas não menos duros. Um dos executivos passou ao seu lado e, mesmo sem dizer uma palavra, olhou-a de cima a baixo com estranheza. Isabela se abaixou para recolher um papel caído no chão. Quando se levantou, ele ainda estava olhando, como se tentasse entender o que ela fazia ali. Mais tarde, enquanto limpava os vidros de uma das salas de reunião, ouviu um grupo conversando sobre ações, fusões e estratégias de mercado. Um deles, um homem de barba bem feita e gravata azul escura, lançou um olhar breve em sua direção. Não disse nada, mas sua expressão era a mesma: curiosidade, misturada a um leve incômodo. “Como se eu fosse um elemento fora da equação deles”, pensou Isabela. Marina a chamou pouco depois, elogiando o capricho com que deixara a copa. — Gosto de gente que não precisa de vigilância — disse, entregando-lhe um pano limpo. — Os diretores têm olhos em tudo. Até na gente. Mas você vai se acostumar. Eles olham, mas não veem. No almoço, sentou-se sozinha na área reservada aos funcionários da limpeza. A conversa ao redor era sobre filhos, ônibus lotados, boletos e vícios da vida dura. Era seu mundo — um que ela conhecia bem, mas do qual queria, aos poucos, se distanciar. Não por vergonha, mas por sonho. Observava, em silêncio, os executivos almoçando no refeitório espelhado do outro lado da divisória de vidro. Um lugar com comida gourmet, guardanapos de pano e sucos naturais em copos de vidro. Era como assistir a outro universo coexistindo com o seu, separado apenas por uma parede translúcida. À tarde, durante a limpeza de um dos escritórios do andar executivo, encontrou um papel esquecido sobre uma mesa: um esboço de organograma com siglas e nomes. Anotou mentalmente um deles: Gabriel Fontes — Diretor de Inovação. Não sabia por quê, mas algo naquele nome parecia importante. Talvez fosse a maneira como ele aparecia circulado com caneta vermelha. Saiu da sala com cuidado, fechando a porta devagar. A caminho do depósito, cruzou com um homem alto, de cabelos grisalhos, vestindo um terno escuro e sapatos brilhando. Ele olhou para ela com os olhos semicerrados, como se a estivesse medindo. — Boa tarde — disse Isabela, educadamente. O homem a encarou por um instante antes de responder com um aceno de cabeça. Depois continuou seu caminho sem dizer palavra. Ela o observou por mais alguns segundos, até que ele virou o corredor e desapareceu. No final do dia, enquanto trocava de roupa no vestiário, sentiu as pernas doerem, mas o coração batia em um ritmo diferente: como se algo estivesse por começar. Havia entrado como uma simples faxineira. Mas sentia que aquele prédio escondia mais do que gráficos e reuniões — havia algo pulsando por trás da perfeição daquele ambiente, e ela, mesmo que por acaso, agora fazia parte daquilo. Enquanto caminhava rumo ao ponto de ônibus, Isabela olhou para trás. A torre da Constellation refletia o dourado do fim do dia, e por um momento, ela teve a impressão de que o prédio também a observava. Não com julgamento, mas com expectativa. E, sem saber exatamente por quê, ela sussurrou para si mesma: — Estou pronta.A decisão de Rafael em viajar até as filiais internacionais não foi tomada de ânimo leve. Ele sabia que a expansão do projeto para outros países estava em um ponto crítico. Os desafios, as barreiras culturais e a resistência do início da implementação exigiam um olhar atento de sua parte. Havia muito em jogo, e Isabela, mesmo sendo a liderança incontestável da causa, não poderia carregar todo o peso sozinha. Assim, ele organizou a viagem com a mesma precisão com que abordava os negócios internos da Constellation Global. Seus olhos estavam atentos, mas seu coração também, pois sabia que, em um nível mais pessoal, ele também precisava lidar com as questões não resolvidas entre ele e Isabela. O desgaste das últimas semanas, somado ao peso de todos os ataques que ela havia enfrentado, ainda pairava entre eles. Ele não sabia como seria o reencontro, mas sentia que sua presença ali era mais do que profissional. Era uma tentativa de corrigir algo que parecia quebrado entre eles. Quando c
A viagem até a filial internacional foi um dos momentos mais inesperados da jornada de Isabela. Ela sabia que, com a recuperação do ataque cibernético e a crescente pressão sobre a expansão, a equipe precisava de uma presença mais próxima para fortalecer a confiança. No entanto, o que ela não esperava era que Carla, uma das ex-opositoras mais ferozes ao projeto, a acompanhasse. O clima estava tenso na manhã do embarque, e Isabela não conseguia parar de pensar nas últimas semanas. Ela ainda sentia o peso da manipulação interna e da luta constante para proteger o projeto das ameaças. As palavras de Diego, a guerra interna com Henrique, as articulações de certos membros do conselho. Tudo isso pesava em sua mente. Mas havia algo diferente na postura de Carla que a fez sentir uma sutil mudança. Carla, que havia sido transferida para outro departamento como medida disciplinar, estava agora ao lado da equipe de Isabela, pronta para se juntar ao esforço de recuperação. Era difícil acredit
Após a noite angustiante enfrentando o ataque cibernético, Isabela ainda não conseguia relaxar completamente. O sol já estava alto quando ela finalmente deixou o escritório, tentando processar tudo o que havia acontecido. A plataforma estava quase 100% restaurada, e a equipe de TI tinha recuperado a maioria dos dados perdidos. No entanto, o impacto emocional do ataque ainda ecoava dentro dela. Ela estava se preparando para um breve intervalo quando o celular vibrou novamente. Era uma mensagem de Lara. Lara: “Urgente. Recebi relatos diretos de algumas mulheres em filiais. Elas estão dependendo do projeto para sobreviver. Vou encaminhar um caso específico para você.” Isabela franziu a testa, preocupada. Não era uma surpresa que muitas das mulheres que participavam do projeto tivessem histórias difíceis. O que a preocupava era que as mensagens pareciam ser ainda mais graves do que o usual. Agarrou o telefone e começou a ler os relatos que Lara havia encaminhado. Cada mensagem que
Era uma tarde tranquila, com o sol filtrando-se pelas grandes janelas do escritório de Isabela, quando, de repente, o som alarmante de uma notificação rompeu o silêncio. Ela estava revisando os relatórios de expansão para os próximos meses, seus pensamentos concentrados nas metas de crescimento, quando o celular vibrou, alertando-a para uma falha técnica. A tela exibia uma mensagem simples, mas aterradora: Erro na plataforma de doações — acessos bloqueados. Isabela sentiu um calafrio. Não era um simples erro de sistema. Algo estava errado, muito errado. Rapidamente, ela clicou na notificação, tentando acessar os dados em tempo real. As informações estavam corrompidas. As doações que entravam na plataforma estavam sendo redirecionadas para contas desconhecidas. A seção de feedback dos voluntários estava fora do ar, e os relatórios em tempo real das filiais internacionais estavam com erros, impossíveis de corrigir. Isabela imediatamente abriu o canal de emergência com a sede brasileir
A sala de conferências estava em silêncio, exceto pelos sons suaves das teclas sendo pressionadas enquanto os membros da equipe de tecnologia testavam a conexão para a videoconferência. Isabela sentou-se à cabeceira da mesa, o olhar atento, mas relaxado. Ela estava acostumada a esses encontros agora, mas algo nesse específico lhe dava um calor diferente — a visão de mulheres de diversas partes do mundo, todas conectadas por uma causa comum. Na tela, um mosaico de rostos iluminados pelo brilho das câmeras. De Medellín a Lagos, de Mumbai a São Paulo. A conexão internacional era mais do que um link tecnológico; era uma rede que, aos poucos, estava criando raízes no coração das mulheres que, juntas, levavam o projeto social de Isabela a novos patamares. Era um movimento, uma revolução silenciosa, mas intensa, que ela agora via claramente diante de si. Do outro lado da tela, em uma janela menor com vista para o Rio de Janeiro ao fundo, Lara sorria discretamente enquanto ajustava os óculo
O celular vibrou sobre a mesa de madeira do escritório improvisado na sede da Constellation Global em Medellín. Era uma notificação do setor de comunicação: “Solicitação de entrevista – Revista Econômica Internacional – Urgente.” Isabela fixou os olhos por um instante na tela antes de tocar para abrir. Um convite. Formal, detalhado, quase cerimonial. O editor-chefe de uma renomada revista econômica latino-americana queria entrevistá-la. A pauta: liderança jovem, inovação social e os resultados da expansão internacional do projeto-piloto. O primeiro instinto foi o silêncio. Ela sabia o peso de uma entrevista. Sabia o quanto uma vírgula mal colocada poderia virar manchete, o quanto um olhar tenso podia ser interpretado como arrogância ou incerteza. Não era apenas uma fala — era um símbolo. E ela, apesar dos avanços, ainda não se via totalmente confortável como símbolo. Minutos depois, Lara escreveu: “Isa, acho que seria uma boa. Com sua voz clara, esse projeto ganha o tom certo.”
Último capítulo