A planilha foi entregue sem cerimônia, impressa em preto e branco, com os horários semanais de cada funcionário da limpeza. Isabela a recebeu da supervisora, dona Magda, ainda no início da manhã, enquanto arrumava os materiais no armário do 10º andar.
— Mudança de rota pra você, Isabela — disse Magda, os olhos cansados passando pelas colunas. — Parece que gostaram do seu serviço lá em cima. Isabela pegou o papel com as luvas ainda calçadas. Bastou um olhar rápido para que seus olhos se fixassem na linha mais inesperada: Andar 15 – Copa Executiva / Sala de Reuniões / Corredor B. — O 15º… direto? — perguntou, tentando parecer neutra. — É. E só você e Marina têm autorização para subir lá agora. A nova orientação veio ontem à noite. — Magda baixou a voz, como se pudesse haver ouvidos mesmo dentro do armário de suprimentos. — Eu não faria perguntas se fosse você. Quando a cúpula pede, a gente só cumpre. Isabela assentiu lentamente, mas por dentro, o turbilhão de pensamentos voltava com força. Desde que encontrara o bilhete na lixeira — “Cuidado com quem acredita em você” — não conseguia deixar de ver significados ocultos em cada detalhe. Ser transferida para o 15º, o território de Rafael Arantes, o andar dos segredos, das reuniões de portas fechadas e dos documentos com cabeçalhos misteriosos… não era um simples elogio ao seu trabalho. Era um passo. Uma movimentação. Mas para que lado? Guardou a escala no bolso do jaleco e seguiu para seu primeiro destino do dia. Nos andares comuns, o trabalho parecia mais rápido agora. Seus movimentos eram eficientes, quase automáticos, mas sua mente estava voltada para o que encontraria mais tarde no andar superior. Às 14h, finalmente subiu. O elevador exclusivo a levou direto ao topo, como se escalasse uma montanha onde o ar era mais fino e as palavras mais pesadas. Ao pisar no corredor do 15º, já sentia o clima distinto: tudo era mais silencioso, mais controlado. O som dos saltos nos corredores era abafado, como se até o piso colaborasse com a discrição. Vestida com seu uniforme azul escuro, cabelo preso com firmeza, luvas e máscara, Isabela caminhou pelo corredor B com o carrinho de limpeza, tentando parecer invisível. Parou diante da copa executiva. A porta de vidro estava entreaberta, e o som de vozes abafadas vinha de dentro. — …ainda não temos como conter os vazamentos de informação. Alguém de dentro está passando relatórios… — disse uma voz masculina, profunda. — Os dados do Projeto Stratos não podem vazar. É prioridade absoluta — respondeu outra voz, mais aguda, decidida. Isabela ficou paralisada por um instante. “Projeto Stratos”? Aquilo não soava como algo de limpeza ou operação comum. Teve o impulso de se afastar, mas antes que pudesse decidir, a porta se abriu de vez e uma mulher saiu apressada, falando ao celular. Ao ver Isabela, nem sequer a cumprimentou. Passou direto, como se ela fosse parte da mobília. Respirou fundo e entrou. A copa estava bagunçada, algo incomum para os padrões daquele andar. Xícaras sujas, dois copos derrubados, guardanapos rasgados — sinal de reunião tensa. Começou a limpar com atenção, mas o ouvido continuava alerta a cada som vindo do corredor. Quando terminou ali, seguiu para a sala de reuniões executiva, ainda vazia. Assim que entrou, trancou a porta por dentro discretamente. Tinha quinze minutos antes da próxima equipe subir. O ambiente estava limpo — talvez propositalmente — mas uma pasta esquecida em um dos assentos da mesa chamou sua atenção. Olhou em volta. Nada. Silêncio. Aproximou-se com cuidado. A pasta estava entreaberta. Um rótulo pequeno no canto superior dizia: “Financeiro – Sigilo Interno – Etapa 2A”. Abriu apenas uma fresta. O suficiente para ver gráficos, palavras como “redução”, “reestruturação internacional”, e mais uma vez: Projeto Stratos. Antes que pudesse analisar melhor, ouviu passos do lado de fora. Fechou a pasta rapidamente e se afastou, voltando à limpeza da superfície da mesa com um pano seco e expressão neutra. A porta se abriu. Rafael entrou, sozinho. — Isabela — disse, calmo, com aquele tom que parecia menos formal do que o necessário. — Como estão as coisas aqui em cima? — Tudo limpo, senhor. Quase terminando. Ele assentiu, mas permaneceu ali, observando-a. — Sabia que foi por minha sugestão que você foi realocada para este andar? Ela o encarou por um instante. Apenas o suficiente para manter a compostura. — Não, senhor. Mas agradeço. Ele se aproximou da mesa, apoiando os dedos sobre o tampo de vidro. — Você é discreta. Rápida. Detalhista. Pessoas assim fazem mais falta do que imaginam. O silêncio entre os dois foi breve, mas denso. — A empresa está passando por mudanças — continuou Rafael, com os olhos voltados para a cidade através da janela panorâmica. — Muita coisa será deixada para trás. Mas quem prestar atenção… pode sobreviver à tempestade. Ela apenas assentiu, engolindo a pergunta que queria fazer: “O que exatamente é o Projeto Stratos?” Em vez disso, disse: — Estou aqui para trabalhar, senhor. Faço o que for necessário. Ele virou-se para ela, e por um instante, seus olhos pareceram buscar mais do que resposta. Pareceram procurar intenção. — Continue assim — disse, e saiu da sala. Isabela exalou o ar que nem percebera estar prendendo. Assim que ficou sozinha novamente, passou as mãos nos bolsos — o bilhete ainda estava ali. “Cuidado com quem acredita em você.” Pela primeira vez, ela começou a se perguntar: talvez o aviso não fosse sobre Rafael. Talvez fosse dele. Ou… talvez fosse o contrário. De qualquer forma, estava claro: o 15º andar era mais do que um lugar de trabalho. Era um campo minado. E agora, ela pisava ali todos os dias.