5. Escala de faxina.

A planilha foi entregue sem cerimônia, impressa em preto e branco, com os horários semanais de cada funcionário da limpeza. Isabela a recebeu da supervisora, dona Magda, ainda no início da manhã, enquanto arrumava os materiais no armário do 10º andar.

— Mudança de rota pra você, Isabela — disse Magda, os olhos cansados passando pelas colunas. — Parece que gostaram do seu serviço lá em cima.

Isabela pegou o papel com as luvas ainda calçadas. Bastou um olhar rápido para que seus olhos se fixassem na linha mais inesperada: Andar 15 – Copa Executiva / Sala de Reuniões / Corredor B.

— O 15º… direto? — perguntou, tentando parecer neutra.

— É. E só você e Marina têm autorização para subir lá agora. A nova orientação veio ontem à noite. — Magda baixou a voz, como se pudesse haver ouvidos mesmo dentro do armário de suprimentos. — Eu não faria perguntas se fosse você. Quando a cúpula pede, a gente só cumpre.

Isabela assentiu lentamente, mas por dentro, o turbilhão de pensamentos voltava com força. Desde que encontrara o bilhete na lixeira — “Cuidado com quem acredita em você” — não conseguia deixar de ver significados ocultos em cada detalhe. Ser transferida para o 15º, o território de Rafael Arantes, o andar dos segredos, das reuniões de portas fechadas e dos documentos com cabeçalhos misteriosos… não era um simples elogio ao seu trabalho.

Era um passo. Uma movimentação. Mas para que lado?

Guardou a escala no bolso do jaleco e seguiu para seu primeiro destino do dia. Nos andares comuns, o trabalho parecia mais rápido agora. Seus movimentos eram eficientes, quase automáticos, mas sua mente estava voltada para o que encontraria mais tarde no andar superior.

Às 14h, finalmente subiu.

O elevador exclusivo a levou direto ao topo, como se escalasse uma montanha onde o ar era mais fino e as palavras mais pesadas. Ao pisar no corredor do 15º, já sentia o clima distinto: tudo era mais silencioso, mais controlado. O som dos saltos nos corredores era abafado, como se até o piso colaborasse com a discrição.

Vestida com seu uniforme azul escuro, cabelo preso com firmeza, luvas e máscara, Isabela caminhou pelo corredor B com o carrinho de limpeza, tentando parecer invisível.

Parou diante da copa executiva. A porta de vidro estava entreaberta, e o som de vozes abafadas vinha de dentro.

— …ainda não temos como conter os vazamentos de informação. Alguém de dentro está passando relatórios… — disse uma voz masculina, profunda.

— Os dados do Projeto Stratos não podem vazar. É prioridade absoluta — respondeu outra voz, mais aguda, decidida.

Isabela ficou paralisada por um instante. “Projeto Stratos”? Aquilo não soava como algo de limpeza ou operação comum. Teve o impulso de se afastar, mas antes que pudesse decidir, a porta se abriu de vez e uma mulher saiu apressada, falando ao celular. Ao ver Isabela, nem sequer a cumprimentou. Passou direto, como se ela fosse parte da mobília.

Respirou fundo e entrou.

A copa estava bagunçada, algo incomum para os padrões daquele andar. Xícaras sujas, dois copos derrubados, guardanapos rasgados — sinal de reunião tensa. Começou a limpar com atenção, mas o ouvido continuava alerta a cada som vindo do corredor.

Quando terminou ali, seguiu para a sala de reuniões executiva, ainda vazia. Assim que entrou, trancou a porta por dentro discretamente. Tinha quinze minutos antes da próxima equipe subir. O ambiente estava limpo — talvez propositalmente — mas uma pasta esquecida em um dos assentos da mesa chamou sua atenção.

Olhou em volta.

Nada. Silêncio.

Aproximou-se com cuidado. A pasta estava entreaberta. Um rótulo pequeno no canto superior dizia: “Financeiro – Sigilo Interno – Etapa 2A”.

Abriu apenas uma fresta. O suficiente para ver gráficos, palavras como “redução”, “reestruturação internacional”, e mais uma vez: Projeto Stratos.

Antes que pudesse analisar melhor, ouviu passos do lado de fora. Fechou a pasta rapidamente e se afastou, voltando à limpeza da superfície da mesa com um pano seco e expressão neutra.

A porta se abriu. Rafael entrou, sozinho.

— Isabela — disse, calmo, com aquele tom que parecia menos formal do que o necessário. — Como estão as coisas aqui em cima?

— Tudo limpo, senhor. Quase terminando.

Ele assentiu, mas permaneceu ali, observando-a.

— Sabia que foi por minha sugestão que você foi realocada para este andar?

Ela o encarou por um instante. Apenas o suficiente para manter a compostura.

— Não, senhor. Mas agradeço.

Ele se aproximou da mesa, apoiando os dedos sobre o tampo de vidro.

— Você é discreta. Rápida. Detalhista. Pessoas assim fazem mais falta do que imaginam.

O silêncio entre os dois foi breve, mas denso.

— A empresa está passando por mudanças — continuou Rafael, com os olhos voltados para a cidade através da janela panorâmica. — Muita coisa será deixada para trás. Mas quem prestar atenção… pode sobreviver à tempestade.

Ela apenas assentiu, engolindo a pergunta que queria fazer: “O que exatamente é o Projeto Stratos?”

Em vez disso, disse:

— Estou aqui para trabalhar, senhor. Faço o que for necessário.

Ele virou-se para ela, e por um instante, seus olhos pareceram buscar mais do que resposta. Pareceram procurar intenção.

— Continue assim — disse, e saiu da sala.

Isabela exalou o ar que nem percebera estar prendendo. Assim que ficou sozinha novamente, passou as mãos nos bolsos — o bilhete ainda estava ali. “Cuidado com quem acredita em você.”

Pela primeira vez, ela começou a se perguntar: talvez o aviso não fosse sobre Rafael. Talvez fosse dele.

Ou… talvez fosse o contrário.

De qualquer forma, estava claro: o 15º andar era mais do que um lugar de trabalho. Era um campo minado. E agora, ela pisava ali todos os dias.

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