2. Café derramado.

A segunda manhã de Isabela na Constellation Global começou com menos nervosismo e mais atenção aos detalhes. Ela já conhecia o caminho, os horários e até o som abafado dos elevadores que se abriam nos andares executivos. Tinha limpado a copa do 12º andar com o mesmo cuidado que teria com sua própria casa — talvez até mais. Sabia que ali, pequenos deslizes eram vistos como falhas imperdoáveis.

O aroma de café fresco, que se espalhava pelas salas antes mesmo das sete, era sinal de que tudo estava em funcionamento. Na copa principal, um barista uniformizado preparava cafés especiais para os executivos que, aos poucos, começavam a circular. O rapaz, jovem e falante, atendia os pedidos com maestria, decorando preferências, ajustando sabores, criando pequenos momentos de prazer em meio à tensão de números e negociações.

Isabela estava abaixada, organizando os pacotes de açúcar e mexedores na gaveta inferior, quando ouviu o som abrupto de um copo caindo — seguido do respingo quente de café e um palavrão abafado.

— Merda! — exclamou o barista, olhando para o líquido escuro que escorria pela bancada e ameaçava descer pelo móvel de madeira clara.

Sem pensar duas vezes, Isabela se levantou num impulso. Pegou dois panos da pia, jogou um sobre a parte onde o café escorria e usou o outro para absorver o que já se espalhava pela bancada. Movia-se com agilidade, sem atrapalhar o fluxo da copa nem chamar atenção desnecessária.

— Me desculpa, moça — disse o barista, corado. — Eu tava com pressa. O café do Rafael tem que ficar pronto até 7h10.

— Tudo certo. A gente resolve. Vai fazendo outro que eu cuido disso aqui.

Ela sorriu levemente, mesmo com as mãos sujas de café. Em segundos, o local parecia como novo. Colocou o pano sujo num balde, jogou água sanitária diluída e enxaguou o pano rapidamente. Limpou até o último respingo e organizou novamente os utensílios no lugar.

Foi então que sentiu uma presença silenciosa no ambiente. Virou-se devagar, ainda com o pano na mão, e viu um homem parado à porta da copa.

Alto, imponente, de cabelos castanhos levemente grisalhos nas laterais, vestindo um terno escuro impecável. Tinha as feições firmes de alguém acostumado a tomar decisões que mudavam o rumo de empresas inteiras. Os olhos, frios e inquisitivos, observavam a cena com calma e precisão.

Era Rafael Arantes, o CEO da Constellation Global.

O barista congelou por um segundo, depois ergueu a xícara recém-preparada e caminhou até ele com um sorriso nervoso.

— Bom dia, senhor Rafael. Seu café… extra forte, com uma pitada de canela.

O CEO pegou a xícara sem olhar para ele. Seus olhos ainda estavam voltados para Isabela, que mantinha a postura reta, o pano dobrado nas mãos, sem desviar o olhar, mas sem ousar encará-lo diretamente.

Rafael deu um gole no café. Silêncio. Depois, falou com voz grave, mas sem dureza:

— Limpeza rápida. E eficiente.

O coração de Isabela acelerou. Ela apenas assentiu com a cabeça, mantendo o tom calmo na voz:

— Obrigada, senhor.

— Qual é seu nome? — perguntou ele, surpreendendo os dois presentes.

Houve um instante de hesitação. Isabela olhou para o crachá, depois levantou os olhos para ele.

— Isabela. Isabela Duarte.

Rafael encarou-a por mais um segundo. Depois, acenou brevemente com a cabeça e saiu, sem dizer mais nada.

O barista soltou o ar preso nos pulmões assim que o CEO virou o corredor.

— Você acabou de ser notada pelo homem mais difícil desse lugar — disse, com um sorriso surpreso. — Isso… não acontece. Nunca vi ele perguntar o nome de alguém da limpeza.

Isabela deu de ombros, mas por dentro uma onda estranha de calor subia por sua pele. Não era exatamente orgulho — era mais como um pressentimento de que algo, naquele instante banal, tinha mudado.

Na hora do almoço, sentada sozinha outra vez, ela revisitou a cena várias vezes na cabeça. A maneira como Rafael a olhara — não com desdém, mas com análise. Como se estivesse observando uma peça que não esperava encontrar no tabuleiro.

À tarde, Marina aproximou-se com um papel em mãos.

— O RH mandou isso. Parece que querem seu nome na lista de acesso para o 15º andar. Andar do executivo-chefe.

Isabela arqueou as sobrancelhas, surpresa.

— Mas… isso não é para a equipe de elite?

— É. Mas o pedido veio direto da administração. Parece que alguém quer você lá. Uma vez por semana, para revisar a copa e a sala de reuniões pessoalmente.

O coração dela disparou de novo. Sabia que aquilo não era comum. Ninguém subia ao 15º andar sem permissão explícita — muito menos uma faxineira recém-chegada.

— Aceita, se quiser. Mas lá em cima, cada passo tem que ser calculado — alertou Marina. — E cada silêncio… fala muito.

Naquele mesmo dia, enquanto limpava uma das salas de vidro do 13º andar, viu Rafael novamente. Ele falava ao telefone, andando pelo corredor. Quando passou por ela, seu olhar cruzou com o dela por um breve segundo. Não sorriu, mas fez um leve gesto com a cabeça. Um reconhecimento.

Isabela retribuiu discretamente. E voltou ao trabalho.

Mas em sua mente, uma certeza começou a germinar: por algum motivo, Rafael Arantes havia notado sua presença. E naquele prédio de paredes transparentes, onde tudo era visto mas pouco era dito, isso podia significar o início de algo que nem ela mesma compreendia.

Ainda.

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