3 - Uma corda

CAMILA NOGUEIRA

Eu não sabia para onde estava indo, apenas que precisava continuar em movimento, como se parar significasse permitir que a dor me alcançasse e me engolisse por inteira. Cada farol vermelho era uma pausa forçada na minha fuga, um momento em que a imagem deles, na cama, voltava com força.

As palavras cruéis que eles atiraram em mim se repetiam na minha cabeça, um loop infernal de humilhação. “Melhor de cama que você.” “Vida sexual frustrante.” “Agora que a Lúcia me contou sobre a situação dos Nogueira…”.

Fui descartada quando meu valor de mercado despencou.

Depois de rodar por horas, o tanque de gasolina quase vazio e meus olhos ardendo de tanto chorar, a exaustão finalmente venceu. Avistei a placa de um hotel de beira de estrada, com um letreiro onde a letra “H” piscava em um ritmo doentio. Parei o carro no estacionamento mal iluminado.

O recepcionista mal me olhou, pegou meu dinheiro e me entregou um cartão-chave de plástico. O corredor cheirava a cigarro velho e desinfetante barato. Cada passo no carpete puído parecia sugar o resto das minhas forças. Encontrei meu quarto, o número 27, e lutei com a fechadura até a porta abrir.

O quarto era pequeno e triste. Uma cama com uma colcha fina de estampa duvidosa, uma TV antiga aparafusada na parede e uma janela que dava para um muro de tijolos. Fechei a porta e girei a trava. Minhas costas deslizaram pela madeira da porta até eu estar sentada no chão, e então o dique se rompeu. O choro veio com a força de um animal ferido, um som feio, gutural, que rasgava minha garganta.

Chorei pela traição do homem que eu amava, pela facada nas costas da minha tia, pela minha própria estupidez cega. Chorei pela família que eu tinha acabado de abandonar por uma mentira.

Minha mente me forçou a reviver tudo. As peças do quebra-cabeça, antes invisíveis, agora se encaixavam com uma clareza torturante. Lembrei-me de meses atrás, quando desabafei com minha tia, dizendo que às vezes sentia Felipe um pouco distante. Lembro-me do conselho dela, dado com um sorriso cúmplice. “Homens são assim mesmo, querida. Você precisa apimentar as coisas, surpreendê-lo. Não pode deixar a rotina tomar conta.”. Na época, pareceu um conselho de uma mulher experiente. Agora, eu via a verdade: ela estava me ensinando a competir com ela, sabendo que eu perderia.

Lembrei de todas as vezes que Felipe criticou meus pais, chamando-os de controladores, dizendo que eles não queriam me ver feliz. “Eles não confiam em mim porque eu não sou do mundo deles, meu amor. Mas a gente vai provar que o nosso amor é mais forte que o dinheiro.”. Que piada.

Ele não queria me libertar dos meus pais, queria me isolar da única proteção que eu tinha. As críticas dele sobre nossa intimidade, que eu sempre interpretei como brincadeiras ou falta de jeito, agora soavam como a mais pura verdade.

“Enfadonho te ter na cama.”. A humilhação era tão profunda que me dava ânsia de vômito.

Minha mãe viu. Meu pai viu. E eu, cega de um amor que só existia na minha cabeça, fui contra eles.

Quando as lágrimas finalmente secaram, restou apenas um vazio gelado. Levantei-me, com o corpo todo doendo, e me olhei no espelho manchado sobre a cômoda. A garota que me encarava de volta era uma estranha, com os olhos inchados e vermelhos, o rosto marcado pela dor e a expressão de quem tinha chegado ao fundo do poço.

O que eu ia fazer agora?

Sentei na cama, peguei meu celular e abri o aplicativo do banco. O número na tela era uma piada. Eu tinha um pouco de dinheiro, o suficiente para talvez mais um mês naquele hotel miserável e minha alimentação.

Comecei a contemplar minhas opções, uma por uma, e cada uma delas era um beco sem saída.

Voltar para casa seria enfrentar a humilhação de admitir que eles estavam certos, que o homem pelo qual eu abandonei tudo era um lixo e que eu fui uma idiota completa... não, eu não conseguiria suportar. Meu orgulho, mesmo ferido, não me permitiria.

Foi nesse momento de desespero total que meu telefone vibrou sobre a colcha, interrompendo o silêncio do quarto. A tela se acendeu mostrando a foto do meu pai. Meu coração deu um salto. Uma parte de mim queria ignorar, se afundar na autopiedade. Mas outra parte, a garotinha em mim, esperando ser salva por ele, me fez deslizar o dedo e atender.

— Alô?

— Camila? Graças a Deus. — A voz do meu pai do outro lado não era de raiva, nem de acusação. Era a voz de um homem derrotado, cheia de um cansaço que espelhava o meu. — Você está bem? Está com Felipe?

— Eu... eu estou bem — menti.

— Vamos, querido. Peça com gentileza! — Ouvir minha mãe ordenar ao longe.

Houve uma pausa, e eu pude ouvi-lo respirar fundo, como se tomasse coragem.

— Filha, eu... Só me escute. — Ele hesitou. — A proposta da família Vasconcelos ainda está de pé. Arthur quer uma resposta até amanhã. — Sua voz falhou por um instante. — Por favor, pense na sua família. Pense em nós. Pense na vida que você poderia ter, que futuro espera ao casar com esse rapaz que não pode te dar a vida que deseja?

— Vou pensar papai. — Falei sem pensar. Meu pai ficou em silêncio como se estivesse em choque.

— O quê? O que ela disse? — Ouvi minha mãe novamente.

— Ela disse que vai pensar.

— Eu disse que estava certa, ela nunca nega nada quando você pede com carinho. Nossa princesa é inteligente. — Não sou não, mãe.

— Tá bom, fica quieta um pouco. Filha, você acha que pode tomar uma decisão até amanhã? — Perguntou se voltando para mim.

— Sim, papai. Amanhã eu respondo. Boa noite.

Desliguei o telefone sem esperar resposta.

Horas atrás, aquela ideia era a coisa mais revoltante do mundo, um atentado contra o meu amor e a minha liberdade. Agora, sentada naquele quarto de hotel fétido, com o coração em frangalhos e o futuro em cinzas, a proposta soava diferente.

Não era mais um insulto. Era uma corda.

Uma corda lançada no buraco profundo e escuro onde eu tinha caído. Arthur Vasconcelos. Um contrato. Contratos não mentem. Contratos não traem na sua cama com a sua tia. Contratos têm regras e consequências claras. Depois da escolha emocional que destruiu minha vida, a lógica fria de um acordo parecia... segura.

Olhei ao meu redor. Para a mancha de umidade no teto e para a solidão esmagadora. Este era o futuro que o amor me deu. O que o dinheiro poderia me dar? Tudo.

Falei para o meu pai que ia pensar. E eu pensei.

Não preciso do amor do meu marido, até porque não acredito mais nesse sentimento. Era hora de tentar acreditar em algo diferente.

Peguei meu telefone e disquei novamente. Meu pai atendeu rápido.

— Oi pai, eu vou me casar com Arthur Vasconcelos.

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