Mundo ficciónIniciar sesiónAlana Monteiro está prestes a fazer seus votos finais, mas um acontecimento inesperado muda seu caminho: ela passa a trabalhar como babá para Dante Marroquim, um empresário marcado pela morte da esposa e emocionalmente distante da própria filha. Precisando de uma imagem familiar para fechar negócios importantes, Dante propõe que Alana se torne sua esposa de fachada, e ela aceita — com uma única condição. Entre responsabilidades, segredos e uma convivência que transforma ambos, nasce uma ligação capaz de desafiar promessas, medos e até o coração.
Leer másAlana ligou o ar-condicionado assim que entrou na van. O veículo prateado e reluzente que irmã Marilda dirigia ainda cheirava a novo, e Alana simplesmente adorava aquele aroma. Vez ou outra imaginava a si mesma dirigindo por alguma estrada deserta, ouvindo música secular no último volume. Naquela fantasia que sempre voltava, ela chegava a alguma praia, tirava o hábito e o lançava ao vento; o tecido leve subia, ondulava no ar e sumia até virar um pontinho no céu. Então, ela se sentia livre como nunca. Deitava-se na areia, tomando sol, e depois que sua pele muito clara ficava dourada, corria até o mar e mergulhava. Conseguia sentir a água fria chocando contra a pele quente, conseguia imaginar o gosto salgado do oceano.
Costumava juntar todas essas sensações e transformá-las em poemas que escrevia em seu diário.
Aquele diário era, na verdade, um caderno velho e gasto, que não parecia ter valor algum — mas guardava seus sentimentos mais profundos e íntimos.
Naquele dia, quando a irmã Marilda a chamou para fazer as compras do mês, Alana estava no meio de um poema. Sentia-se emotiva por estar prestes a completar dezoito anos e também por todo o assunto de seus votos religiosos. Não parava de escrever. Ficou com uma ideia interrompida e não suportava deixá-la para depois, então pegou o diário e o colocou debaixo do braço.
Depois de ligar o ar, voltou a escrever. Embora a irmã Marilda dirigisse na velocidade de uma tartaruga, o movimento da van fazia sua letra tremer, mas ainda assim ela não parou durante boa parte do caminho.
A irmã Marilda não se interessava em saber o que Alana estava fazendo. Não tirava os olhos da pista nem por um segundo; segurava o volante com as duas mãos e só as afastava para ajustar os óculos. Era uma mulher toda em tons de cinza, dos pés à cabeça. Os sapatos eram de couro preto já gasto, a túnica era cinza, e as raízes do cabelo — que mal apareciam sob o véu — também eram grisalhas.
Alana mordeu de leve a borracha do lápis enquanto moldava uma ideia na cabeça. Olhou por um instante o perfil da irmã Marilda: apesar da idade avançada, ainda havia algo de bonito nela, algo que deixava claro como deveria ter sido elegante em sua juventude. Alana imaginou a religiosa cercada de pretendentes e se perguntou por que escolheria uma vida de celibato.
Voltou a olhar o caderno, colocou o lápis dentro dele e o fechou. Os sentimentos tinham se embaralhado de repente, e ela se sentiu incapaz de organizar os pensamentos. Limitou-se a observar as ruas movimentadas. Garotas de minissaia, blusas que deixavam ver o umbigo adornado com piercings; casais de mãos dadas; homens de terno elegante; mulheres com roupas justas e tênis. Tudo aquilo lhe parecia fascinante. Imaginou-se caminhando entre aquelas pessoas, ouvindo trechos de conversas, sentindo os perfumes.
Seu olhar se desviou da multidão ao notar uma enorme placa à beira da avenida. Ela não estava lá na última vez em que tinham ido ao supermercado. Era um grande retângulo roxo, com letras amarelas:
“Você escreve o seu destino.”
Aquelas quatro palavras atravessaram a mente de Alana como uma lâmina fina. Precisava anotá-las. Abriu o diário, mas naquele exato momento a irmã Marilda falou:
— Já estamos chegando, Alana.
Ela lançou um último olhar para a placa.
“Você escreve o seu destino”, escreveu com a letra trêmula.
— Chegamos — anunciou a irmã Marilda.
Mas Alana não lhe deu atenção.
“Editora Marroquim”, anotou logo abaixo das palavras.
Alguns toques suaves no vidro a fizeram levantar o rosto. Era a irmã Marilda. Alana não soube em que momento aquela senhora de passos lentos tinha descido da van. A religiosa fez um gesto com a mão pedindo que ela se apressasse e começou a se afastar. Alana revirou os olhos, guardou o diário debaixo do braço e saiu do veículo. Olhou rapidamente para cima — talvez desse para ver a placa dali —, mas não deu.
Apressou o passo até alcançar a idosa.
Enquanto atravessavam o estacionamento, Alana notou um grupinho de rapazes que pareciam ter mais ou menos sua idade. Vestiam uniformes esportivos, talvez de futebol ou basquete — ela não sabia dizer. Estavam reunidos perto da entrada, lá no fundo do estacionamento. Alana os observou discretamente e sentiu o rosto esquentar à medida que se aproximavam. Quando passou por eles, lançou um olhar disfarçado. Um dos garotos olhou diretamente para ela, e Alana sentiu um calor subir pelo corpo inteiro sob o hábito. O rapaz sorriu. Ela observou seus braços fortes, então desviou o olhar e acelerou o passo. Ouviu risadinhas atrás de si enquanto se afastava.
Ela não via homens com frequência — muito menos rapazes de sua idade. A pessoa do sexo oposto mais próxima dela era o padre Azevedo, um octogenário que mal conseguia andar e cheirava a naftalina. Chegava a ver os coroinhas nas missas, mas nunca se aproximava deles. Aos quase dezoito anos, ir ao supermercado era a experiência mais emocionante de sua vida.
A irmã Marilda destampava frascos de desinfetante para escolher o cheiro mais agradável. Alana aproveitou para abrir o diário e escrever. De repente, sentiu alguém puxar seu hábito por baixo, e uma vozinha aguda a arrancou de sua concentração.
— Você pode me ajudar a achar meu papai? — Ao olhar para baixo, Alana se deparou com um rostinho redondo, rosado e cheio de lágrimas. Um par de olhos dourados a encarava com súplica. — Eu não encontro meu papai… você pode me ajudar?
— É que… eu… — Alana olhou para os lados e viu a irmã Marilda se afastando com o carrinho. — Estou ocupada… — murmurou, com medo de se perder junto com a menina.
— Mas você é uma mulher de Deus! — reclamou a pequena, franzindo o cenho enquanto secava as lágrimas. — As mulheres de Deus ajudam os outros… igual ao bom samaritano!
Pelo amor de Deus… A menina tinha razão. Alana ficou olhando para ela por alguns segundos. A garotinha usava roupas bonitas, novas e caras, mas o cabelo estava um desastre: duas maria-chiquinhas, uma mais alta que a outra.
— Está bem — disse Alana, fechando o diário e colocando-o debaixo do braço. — Eu vou te ajudar.
Suspirou fundo, pegou a menina pela mão e caminhou com ela na direção oposta à irmã Marilda.
— Qual é o seu nome? — perguntou após alguns passos em silêncio. A pequena apertava sua mão com força, e Alana sentiu uma espécie de satisfação por conseguir transmitir segurança a alguém.
— Luz Verônica Marroquim Vilhena — recitou a menina, como se estivesse dizendo uma oração.
Alana sorriu; achou aquilo encantador.
— Eu tenho uma amiga chamada Luz — disse, apenas para puxar assunto — mas ela não tem papai… nem mamãe.
A menina fez um biquinho triste.
— Ela é órfã — explicou Alana, e Luz assentiu. Alana lembrou da visita recente ao orfanato. Não lembrava o nome de nenhuma das crianças, mas pensou nelas enquanto falava da suposta amiga da menina.
— Eu não tenho mamãe… — disse Luz, com uma voz calma, resignada. — Ela morreu faz um ano.
Alana sentiu o estômago afundar.
Depois de caminharem por alguns corredores, ela decidiu que iria até um dos caixas pedir que anunciassem que havia uma criança perdida. Assim encontrariam o pai irresponsável que deixara a menina sozinha. O caixa a mandou falar com o segurança perto da saída.
— Ei! Polícia! — Uma voz grave e desesperada ecoou atrás delas. Alana se virou. — Peguem aquela mulher! A de roupa de freira! — gritou o homem, apontando diretamente para ela enquanto avançava a passos largos. — ELA ESTÁ ROUBANDO A MINHA FILHA!
Os murmúrios ao redor viraram exclamações, até gritos. O segurança — justamente o homem que Alana procurava para pedir ajuda — agarrou seu braço com força. Uma funcionária pegou Luz pela mão, desta vez com cuidado. O homem que a acusava chegou até elas.
O coração de Alana disparou, as lágrimas se acumularam atrás dos olhos
Alana abriu os olhos devagar. Seu subconsciente esperava despertar em seu quarto no convento, mas, em vez disso, estava em um lugar que, no início, não reconheceu. Afastou a manta que a cobria e se sentou, ainda desnorteada. A cabeça doía. Levou alguns segundos até perceber onde estava: na casa de Samara.— Bom dia, dorminhoca — ouviu a voz de Samara atrás dela.— Oi — respondeu, segurando a cabeça, com a sensação de que ela ia se desprender do pescoço e sair rolando — bom dia.Samara estava sentada à mesa de jantar, logo atrás do sofá onde Alana havia dormido. A sala, a sala de jantar e a cozinha formavam um único ambiente, sem divisões.— Você me abandonou ontem à noite — reclamou Samara. — Dormiu profundamente, me deu um susto. Achei que tinha um cadáver no meu sofá.Alana olhou ao redor, procurando por Leo.— Levei o Leo para a escola — disse Samara, como se tivesse lido seus pensamentos. Deu a última mordida na torrada, pegou o prato e se levantou. — Estou indo trabalhar agora. Q
Eram exatamente seis horas da manhã quando Dante Marroquim estava no hospital, acompanhado do irmão Rafael. As duas horas de espera haviam sido as mais longas de sua vida. Cada minuto parecia se estender de forma cruel, esmagando seus nervos pouco a pouco. Ele começava a perder a paciência quando reconheceu, ao longe, o mesmo médico que falara com ele no dia anterior caminhando em sua direção. Dante levantou-se de imediato; segundos depois, Rafael fez o mesmo.— Bom dia, senhores — cumprimentou o médico, alternando o olhar entre os dois.O rosto sulcado por rugas parecia diferente daquele do dia anterior. Havia algo mais leve em sua expressão; seus olhos até brilhavam por trás das lentes. Dante quis acreditar que aquilo era um bom sinal, mas ainda assim um arrepio percorreu seu corpo, da nuca até a sola dos pés.— Tenho excelentes notícias.Aquela palavra soou como música. Era exatamente o que Dante precisava ouvir.— Luz acordou e respondeu muito bem aos testes de motricidade. Os mem
— Gostosuras ou travessuras — dizia o menino sempre que alguém abria a porta de casa.Ele estendia as mãos, segurando uma pequena cumbuca em forma de abóbora, onde as pessoas depositavam os doces.— Quer um doce? — perguntou o garoto, puxando para trás o capuz que completava a fantasia. Seu rosto era redondo como o da mãe; a pele clara, salpicada por algumas sardas, e os olhos de um bonito tom de amêndoa, mais claros do que os de Samara.Alana assentiu com a cabeça. O menino enfiou a mão dentro da cumbuca e depois a estendeu em sua direção, cheia de balas e caramelos de todos os tipos.Alana passou o resto das visitas comendo doces. Quando criança, a mãe lhe dava, de vez em quando, um caramelo ou um pedacinho de chocolate. Já adulta, no convento, sobremesa só aos domingos. A alimentação era saudável, equilibrada… e extremamente entediante.Os sabores — alguns totalmente desconhecidos — vinham em diferentes texturas, explodiam sobre sua língua e seu paladar, provocando um prazer inexpl
Ele ouviu sirenes se aproximando e abriu os olhos novamente. Não sabia quanto tempo havia passado lamentando sua situação sem tentar fazer nada a respeito, mas tinha sido tempo suficiente para que alguém chamasse o resgate.Os paramédicos abriram o carro e, depois de avaliá-lo, o retiraram. Dante observou enquanto tiravam Luz e a levavam em uma maca.— Vou com minha filha — disse ele, afastando a mão do paramédico que tentava limpar seu rosto.— Senhor, precisamos retirar os cacos de vidro do seu rosto e desinfetar os cortes.— Que se dane o vidro e o corte — gritou, furioso. — Eu disse que vou com a minha filha, e é isso que vou fazer.O paramédico revirou os olhos discretamente e deu de ombros. Dante caminhou com dificuldade até a ambulância, fez sinal antes que fechassem a porta traseira e o deixaram subir.Lá dentro estava Luz. Seu pequeno corpinho jazia sobre a maca; ela usava um colar cervical e, ao lado, um paramédico colocava uma linha intravenosa.O espaço era apertado, e o h
Era trinta e um de outubro; o dia do aniversário de dezoito anos de Alana. Finalmente teria a maioridade e, na verdade, nem sabia por que desejava tanto aquilo; afinal, não importava se tinha dezoito ou noventa e oito anos — tudo continuaria igual para ela. Nunca sairia do convento, exceto para fazer as compras do mês, realizar algum trabalho de caridade ou participar de um almoço social entediante.Ela esfregava o chão no escritório da madre Heloísa. Ouviu vozes que se aproximavam, soando preocupadas. A curiosidade lhe picou como um mosquito. Pegou o balde e o empurrou para debaixo da escrivaninha, colocou o esfregão em um canto e correu para se esconder ao lado do balde de água. A porta se abriu.— Acho que você está exagerando, Marilda — sussurrou a madre Heloísa.— Não estou exagerando! — gritou a irmã Marilda aos quatro ventos.— Feche a porta, por favor, e abaixe a voz, por Deus! Quer que todo o convento nos ouça? — explique-me direito o que foi que você viu.— Já te disse, Helo
Dante segurou a mão da filha e saiu do supermercado. Não fez as compras que tinha ido fazer. Ele não costumava realizar essas tarefas; sua presença naquele lugar fazia parte de uma campanha publicitária imposta por sua advogada. Precisava ser o pai perfeito — ou pelo menos aparentar ser —, precisava fazer o papel do pai que levava a filha para fazer coisas cotidianas, o pai que a conduzia de manhã à escola e à tarde às aulas de balé. Normalmente deixava esses afazeres para motoristas e seguranças particulares; desde que o dia começava até a noite cair, sua rotina era totalmente separada da rotina da filha. Aquilo precisava mudar se ele não quisesse que a sogra recuperasse a tutela.Acomodou a pequena Luz na cadeirinha infantil no banco traseiro do carro último modelo. Comprar um sedã havia sido uma das mudanças recentes que precisara fazer. Dante costumava dirigir um esportivo de duas portas e, todas as noites, o banco do passageiro era ocupado por uma mulher diferente — cada uma mais





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