Inicio / Romance / De Freira a Babá / Um Encontro Inesperado
De Freira a Babá
De Freira a Babá
Por: Sasa Roand
Um Encontro Inesperado

Alana ligou o ar-condicionado assim que entrou na van. O veículo prateado e reluzente que irmã Marilda dirigia ainda cheirava a novo, e Alana simplesmente adorava aquele aroma. Vez ou outra imaginava a si mesma dirigindo por alguma estrada deserta, ouvindo música secular no último volume. Naquela fantasia que sempre voltava, ela chegava a alguma praia, tirava o hábito e o lançava ao vento; o tecido leve subia, ondulava no ar e sumia até virar um pontinho no céu. Então, ela se sentia livre como nunca. Deitava-se na areia, tomando sol, e depois que sua pele muito clara ficava dourada, corria até o mar e mergulhava. Conseguia sentir a água fria chocando contra a pele quente, conseguia imaginar o gosto salgado do oceano.

Costumava juntar todas essas sensações e transformá-las em poemas que escrevia em seu diário.

Aquele diário era, na verdade, um caderno velho e gasto, que não parecia ter valor algum — mas guardava seus sentimentos mais profundos e íntimos.

Naquele dia, quando a irmã Marilda a chamou para fazer as compras do mês, Alana estava no meio de um poema. Sentia-se emotiva por estar prestes a completar dezoito anos e também por todo o assunto de seus votos religiosos. Não parava de escrever. Ficou com uma ideia interrompida e não suportava deixá-la para depois, então pegou o diário e o colocou debaixo do braço.

Depois de ligar o ar, voltou a escrever. Embora a irmã Marilda dirigisse na velocidade de uma tartaruga, o movimento da van fazia sua letra tremer, mas ainda assim ela não parou durante boa parte do caminho.

A irmã Marilda não se interessava em saber o que Alana estava fazendo. Não tirava os olhos da pista nem por um segundo; segurava o volante com as duas mãos e só as afastava para ajustar os óculos. Era uma mulher toda em tons de cinza, dos pés à cabeça. Os sapatos eram de couro preto já gasto, a túnica era cinza, e as raízes do cabelo — que mal apareciam sob o véu — também eram grisalhas.

Alana mordeu de leve a borracha do lápis enquanto moldava uma ideia na cabeça. Olhou por um instante o perfil da irmã Marilda: apesar da idade avançada, ainda havia algo de bonito nela, algo que deixava claro como deveria ter sido elegante em sua juventude. Alana imaginou a religiosa cercada de pretendentes e se perguntou por que escolheria uma vida de celibato.

Voltou a olhar o caderno, colocou o lápis dentro dele e o fechou. Os sentimentos tinham se embaralhado de repente, e ela se sentiu incapaz de organizar os pensamentos. Limitou-se a observar as ruas movimentadas. Garotas de minissaia, blusas que deixavam ver o umbigo adornado com piercings; casais de mãos dadas; homens de terno elegante; mulheres com roupas justas e tênis. Tudo aquilo lhe parecia fascinante. Imaginou-se caminhando entre aquelas pessoas, ouvindo trechos de conversas, sentindo os perfumes.

Seu olhar se desviou da multidão ao notar uma enorme placa à beira da avenida. Ela não estava lá na última vez em que tinham ido ao supermercado. Era um grande retângulo roxo, com letras amarelas:

“Você escreve o seu destino.”

Aquelas quatro palavras atravessaram a mente de Alana como uma lâmina fina. Precisava anotá-las. Abriu o diário, mas naquele exato momento a irmã Marilda falou:

— Já estamos chegando, Alana.

Ela lançou um último olhar para a placa.

Conseguiu ler apenas: “Concurso anual de poesia. Editora Marroquim convida…”

“Você escreve o seu destino”, escreveu com a letra trêmula.

— Chegamos — anunciou a irmã Marilda.

Mas Alana não lhe deu atenção.

“Editora Marroquim”, anotou logo abaixo das palavras.

Alguns toques suaves no vidro a fizeram levantar o rosto. Era a irmã Marilda. Alana não soube em que momento aquela senhora de passos lentos tinha descido da van. A religiosa fez um gesto com a mão pedindo que ela se apressasse e começou a se afastar. Alana revirou os olhos, guardou o diário debaixo do braço e saiu do veículo. Olhou rapidamente para cima — talvez desse para ver a placa dali —, mas não deu.

Apres­sou o passo até alcançar a idosa.

Enquanto atravessavam o estacionamento, Alana notou um grupinho de rapazes que pareciam ter mais ou menos sua idade. Vestiam uniformes esportivos, talvez de futebol ou basquete — ela não sabia dizer. Estavam reunidos perto da entrada, lá no fundo do estacionamento. Alana os observou discretamente e sentiu o rosto esquentar à medida que se aproximavam. Quando passou por eles, lançou um olhar disfarçado. Um dos garotos olhou diretamente para ela, e Alana sentiu um calor subir pelo corpo inteiro sob o hábito. O rapaz sorriu. Ela observou seus braços fortes, então desviou o olhar e acelerou o passo. Ouviu risadinhas atrás de si enquanto se afastava.

Ela não via homens com frequência — muito menos rapazes de sua idade. A pessoa do sexo oposto mais próxima dela era o padre Azevedo, um octogenário que mal conseguia andar e cheirava a naftalina. Chegava a ver os coroinhas nas missas, mas nunca se aproximava deles. Aos quase dezoito anos, ir ao supermercado era a experiência mais emocionante de sua vida.

A irmã Marilda destampava frascos de desinfetante para escolher o cheiro mais agradável. Alana aproveitou para abrir o diário e escrever. De repente, sentiu alguém puxar seu hábito por baixo, e uma vozinha aguda a arrancou de sua concentração.

— Você pode me ajudar a achar meu papai? — Ao olhar para baixo, Alana se deparou com um rostinho redondo, rosado e cheio de lágrimas. Um par de olhos dourados a encarava com súplica. — Eu não encontro meu papai… você pode me ajudar?

— É que… eu… — Alana olhou para os lados e viu a irmã Marilda se afastando com o carrinho. — Estou ocupada… — murmurou, com medo de se perder junto com a menina.

— Mas você é uma mulher de Deus! — reclamou a pequena, franzindo o cenho enquanto secava as lágrimas. — As mulheres de Deus ajudam os outros… igual ao bom samaritano!

Pelo amor de Deus… A menina tinha razão. Alana ficou olhando para ela por alguns segundos. A garotinha usava roupas bonitas, novas e caras, mas o cabelo estava um desastre: duas maria-chiquinhas, uma mais alta que a outra.

— Está bem — disse Alana, fechando o diário e colocando-o debaixo do braço. — Eu vou te ajudar.

Suspirou fundo, pegou a menina pela mão e caminhou com ela na direção oposta à irmã Marilda.

— Qual é o seu nome? — perguntou após alguns passos em silêncio. A pequena apertava sua mão com força, e Alana sentiu uma espécie de satisfação por conseguir transmitir segurança a alguém.

— Luz Verônica Marroquim Vilhena — recitou a menina, como se estivesse dizendo uma oração.

Alana sorriu; achou aquilo encantador.

— Eu tenho uma amiga chamada Luz — disse, apenas para puxar assunto — mas ela não tem papai… nem mamãe.

A menina fez um biquinho triste.

— Ela é órfã — explicou Alana, e Luz assentiu. Alana lembrou da visita recente ao orfanato. Não lembrava o nome de nenhuma das crianças, mas pensou nelas enquanto falava da suposta amiga da menina.

— Eu não tenho mamãe… — disse Luz, com uma voz calma, resignada. — Ela morreu faz um ano.

Alana sentiu o estômago afundar.

Depois de caminharem por alguns corredores, ela decidiu que iria até um dos caixas pedir que anunciassem que havia uma criança perdida. Assim encontrariam o pai irresponsável que deixara a menina sozinha. O caixa a mandou falar com o segurança perto da saída.

— Ei! Polícia! — Uma voz grave e desesperada ecoou atrás delas. Alana se virou. — Peguem aquela mulher! A de roupa de freira! — gritou o homem, apontando diretamente para ela enquanto avançava a passos largos. — ELA ESTÁ ROUBANDO A MINHA FILHA!

Os murmúrios ao redor viraram exclamações, até gritos. O segurança — justamente o homem que Alana procurava para pedir ajuda — agarrou seu braço com força. Uma funcionária pegou Luz pela mão, desta vez com cuidado. O homem que a acusava chegou até elas.

O coração de Alana disparou, as lágrimas se acumularam atrás dos olhos

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
capítulo anteriorcapítulo siguiente
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP