Mundo ficciónIniciar sesiónLorena é uma pianista brilhante, dona de um talento capaz de emocionar qualquer plateia — e de esconder as dores que carrega desde a infância. Criada por um pai autoritário e violento, ela aprendeu cedo que a música seria seu único refúgio. Entre partituras e cicatrizes, tenta sobreviver a uma rotina marcada pelo medo, sem jamais perder a esperança de ser livre. Felipe é um empresário bem-sucedido do ramo de logística, conhecido pela frieza nos negócios e pela dificuldade de se envolver emocionalmente. Quando conhece Lorena, algo muda. A sensibilidade dela o desarma, e pela primeira vez ele se permite sentir algo real. Mas um mal-entendido — uma conversa ouvida pela metade entre Lorena e o pai — destrói o início do que poderia ser uma linda história. Convencido de que foi enganado, Felipe se afasta sem olhar para trás. A ausência dele tem um preço alto: sozinha e vulnerável, Lorena se torna novamente alvo da fúria do pai. O tempo passou. Ela se reconstrói em silêncio, tentando apagar o passado, enquanto Felipe segue sua vida sem conseguir esquecê-la completamente. Até que o destino, implacável, os coloca frente a frente mais uma vez. Entre o arrependimento dele e o medo dela, surgem as verdades que ficaram presas entre notas de piano e palavras não ditas. Agora, Felipe precisa decidir se tem coragem de ouvir o que o coração dele sempre soube — e Lorena, se consegue perdoar quem partiu quando ela mais precisava. Uma história sobre amor, culpa e a força de recomeçar, mesmo quando a vida insiste em desafinar o coração.
Leer másLorena
O reflexo no espelho me encarava com uma frieza que me dava arrepios.
Ali estava eu, prestes a subir ao palco para mais uma apresentação. Os cabelos perfeitamente alinhados, o batom vermelho desenhando um sorriso que não existia, o rímel disfarçando o cansaço nos olhos — e o vestido preto, longo, impecável, como uma armadura.Por fora, eu era a imagem da perfeição. Por dentro, só havia silêncio.Desde criança, fui moldada para isso — para ser a menina exemplar, a filha dócil, a pianista impecável.
Meu pai dizia que perfeição era o mínimo aceitável. Um erro de nota, um passo em falso, e o castigo vinha. Dois dias de cama, o corpo latejando e a alma se escondendo onde a dor não alcançava. A música era o meu esconderijo. O som das teclas, o único lugar onde eu podia respirar sem medo.Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos.
Não há quase nenhuma foto dela pela casa — como se nunca tivesse existido.Meu pai nunca fala sobre ela, e com o tempo, aprendi a não perguntar.Fui criada sob regras, não sob abraços.As ordens vinham como rajadas: “faça isso”, “endireite-se”, “não chore”.Eu cresci sem saber o que era colo, sem saber o que era amor.Hoje, adulta, continuo vivendo a vida que ele planejou.
Trabalho, mas o dinheiro não é meu. Tenho talento, mas ele pertence a ele.Não tenho liberdade, nem coragem o bastante para buscá-la.Há dias em que penso que talvez seja fraqueza. Outros, que é medo.Mas, no fundo, acho que é cansaço.Cansaço de apanhar, de ouvir gritos, de me olhar no espelho e não me reconhecer.Respirei fundo.
A pianista Lorena Almeida precisava estar perfeita.A mulher por trás dela podia continuar despedaçada, desde que ninguém percebesse.Ouvi os passos dele se aproximando atrás de mim.
— Você está linda, filha — disse meu pai, a voz grave e calculada.— Obrigada — respondi, sem desviar o olhar do espelho.— Já sabe o que precisa fazer, não é? Plena atenção, sorriso no rosto e o mais importante: Felipe Andrade precisa se interessar por você. — As palavras dele saíram como uma sentença.
— Pai… ele é um empresário ocupado, vive cercado de gente. É só uma apresentação, talvez nem repare em mim.— Não interessa. Faça sua parte. E faça bem feito. — A mão dele apertou meu braço com força, como se quisesse me lembrar quem mandava.Pegou minha bolsa e me puxou pelo corredor.
Meu pai tinha dinheiro, mas nunca foi o bastante.Ambição era o alimento que o mantinha vivo — e, dessa vez, o nome desse alimento era Felipe Andrade.Eu sabia quem era ele.
O jovem empresário que herdou o império da família e multiplicou os lucros em poucos anos.Trinta anos, discreto, raramente visto com alguém.A mídia o descrevia como frio, brilhante, inalcançável.Meu pai o descrevia como a oportunidade perfeita.Não sei como conseguiu, mas deu um jeito de me colocar naquela noite no evento da empresa dele.
Uma apresentação de uma hora, com intervalos.A missão era simples: tocar lindamente, impressionar e chamar a atenção de Felipe Andrade.Segundo meu pai, eu tinha as qualidades certas — beleza, talento e uma aparência que vendia confiança.
Mas por dentro, eu só sentia medo.Medo de errar.
Medo de decepcionar.Medo de que, mais uma vez, a dor voltasse a ser minha única companhia.E talvez o que mais doesse fosse saber que, mesmo tentando me convencer de que aquilo era apenas mais um trabalho, eu estava prestes a subir ao palco e vender, mais uma vez, a única coisa que ainda me restava: minha própria paz.
Enquanto o carro percorria a cidade, eu observava as luzes passando pela janela como faíscas de um sonho distante.
Os prédios refletiam o brilho frio da noite e, entre um semáforo e outro, eu me perguntava o que aconteceria se aquele homem — Felipe Andrade — simplesmente não olhasse para mim.No fundo, eu desejava exatamente isso.Que ele não me notasse.Que tudo acabasse rápido, sem que eu precisasse ser usada como moeda de troca.Mas desejar alguma coisa nunca teve peso na casa onde cresci.
Quando chegamos ao evento, ajeitei o vestido e caminhei ao lado do meu pai, passos curtos, controlados, medidos.
Postura ereta, sorriso gentil, olhar firme.A pianista perfeita precisava entrar em cena — e a mulher por trás dela não podia existir.Algumas pessoas me cumprimentaram, e respondi com a polidez automática de quem aprendeu a fingir desde cedo.
Fui direto ao piano, o único lugar onde me sentia segura.As teclas eram a minha fronteira, o espaço onde eu podia existir sem ser punida.E então, eu o vi.
Felipe.Ele entrou acompanhado de outros homens, a postura impecável, o olhar confiante.
Era ainda mais bonito do que nas manchetes.Tinha algo sereno e ao mesmo tempo autoritário na forma como se movia, como se o mundo se ajustasse à presença dele.Por um segundo, senti o ar escapar dos meus pulmões.O evento começou, e eu me sentei.
O silêncio da plateia me envolveu — aquele silêncio antes da primeira nota, o único que eu realmente conhecia.Meus dedos tocaram o piano com a precisão que o medo ensinou.Não podia errar.Nada podia sair do lugar.Toquei duas músicas em sequência, depois improvisei melodias suaves enquanto observava o movimento ao redor.
Entre um acorde e outro, meus olhos voltavam a Felipe.Ele conversava, sorria discretamente, e jamais olhou em minha direção.Talvez fosse melhor assim.Talvez aquele fosse o destino mais gentil que eu poderia ter.Quando me dei conta, o tempo tinha passado.
Toquei a última música com o coração acelerado, e ao ouvir os aplausos, curvei-me em agradecimento.Aquele som — o som das palmas — era o mais próximo que eu já chegara de aprovação.Levantei-me para respirar um pouco, caminhei até uma das laterais da sala, e então senti meu braço ser puxado.
O toque familiar, firme, que fazia meu estômago se revirar.— Não esqueça o que combinamos em casa — disse meu pai, baixo e ríspido.
— Nós não combinamos nada, papai. — Tentei manter a voz firme. — E além disso, ele nem chegou perto do piano a noite toda. Não tem como eu me aproximar. Por que o senhor quer tanto isso?— Não interessa. Apenas faça. — Os olhos dele me atravessaram como lâminas.Quando ele se afastou, soltei o ar preso no peito.
Respirar parecia um luxo.Foi quando ouvi uma voz atrás de mim:
— Parabéns pela apresentação.Virei-me e lá estava ele — Felipe Andrade.
Por um instante, achei que fosse imaginação.
O som da voz dele era diferente do que eu esperava: suave, segura, quase cálida.Meu coração disparou, e antes que eu pudesse reagir, percebi o olhar do meu pai em algum canto da sala, observando tudo.— Obrigada — respondi, tentando disfarçar o nervosismo.
Ele perguntou se eu tocava apenas em eventos corporativos ou se fazia apresentações em outros eventos também.
Minha resposta saiu automática:— Trabalho principalmente com empresas e casamentos.Mentira pela metade.
Eu tocava onde meu pai mandava, e não tinha o direito de escolher.Mas Felipe sorriu.
E naquele sorriso, algo dentro de mim se partiu — e ao mesmo tempo se acendeu.Era o primeiro sorriso verdadeiro que eu via em muito tempo, e, sem perceber, sorri de volta.Um sorriso de verdade, desses que não precisam de permissão.Ele falou sobre música, sobre o quanto admirava quem conseguia transformar sentimentos em sons.
Conversamos por alguns minutos, e cada palavra dele parecia afastar o peso do mundo — só um pouco, mas o bastante para que eu me lembrasse do que era respirar sem medo.— Bom, espero ter a oportunidade de ver mais apresentações suas — disse ele, antes de se afastar.
Fiquei parada, observando-o ir embora, com o coração descompassado e as mãos ainda trêmulas.
Naquela noite, pela primeira vez em muitos anos, o som que ecoava dentro de mim não era o do medo.Voltei para o quarto apenas para pegar meus óculos escuros. Foi rápido, automático. Mas, quando retornei ao hall, vi Felipe conversando com uma mulher.Ela era alta, linda, daquelas belezas que chamam atenção sem esforço. Elegante, segura, com um sorriso fácil. Não tive como não notar — e não tive como não me comparar.Tentei ignorar no primeiro momento. Disse a mim mesma que era só uma conversa, alguém conhecida, nada demais. Mas à noite, no restaurante, percebi o olhar dela outra vez. Ela o encarava sem o menor pudor. E o pior: ele percebia.Quando descobri que eles já tinham tido algo, senti meu humor despencar, mesmo me esforçando para disfarçar. Eu não queria estragar o clima, não queria ser a mulher insegura, mas o ciúme era inevitável. Ela era bonita, tinha presença, confiança… e claramente estava interessada, mesmo vendo que ele estava acompanhado.Felipe percebeu meu silêncio diferente e, com delicadeza, me levou até a praia. Era óbvio que ele tentava afastar meus pensamentos
FelipeA semana inteira parecia me perseguir com uma ansiedade constante. Eu queria saber para onde Lorena planejava me levar, mas ela se manteve firme no mistério. Não disse nada. E, embora eu achasse aquilo até divertido, havia algo que me incomodava mais fundo.Quando ela falou que queria um tempo só para nós, aquilo ficou ecoando na minha cabeça. Eu conhecia a nossa rotina, sabia das responsabilidades, do trabalho que me consumia, dos horários apertados… mas não queria, de forma alguma, que ela se sentisse em segundo plano. Muito menos que pensasse que nossa relação não era prioridade para mim.Foi então que decidi chamá-la para jantar na sexta-feira à noite. Mas não em qualquer lugar. Eu queria levá-la a um ambiente diferente de tudo o que já tínhamos vivido juntos. Algo mais descontraído, leve, onde ela pudesse me ver fora do papel sério de sempre — e, quem sabe, se surpreender um pouco.E junto com essa decisão, veio outra. Mais importante.Nós já estávamos juntos de verdade. M
O convite de Laila era para dali a um mês, tempo suficiente para eu me preparar com calma. E, eu estava decidida de verdade. Decidida a voltar, a me expor, a encarar o que eu amava sem medo. Talvez fosse coincidência, talvez não, mas parecia que tudo começava a conspirar a meu favor.No meio da tarde, meu celular tocou. O nome de Luciana apareceu na tela e aquilo me causou um certo estranhamento. Ela nunca me ligava.— Oi, Luciana, aconteceu alguma coisa? — perguntei, um pouco apreensiva.— Oi, Lorena. Não, está tudo bem — respondeu ela com a voz tranquila. — Eu só queria te perguntar uma coisa. A escola de balé da Olivia, aquela onde você trabalhava, vai fazer uma apresentação. Eu sugeri você como pianista e eles pediram seu número. Por isso estou ligando.Meu coração acelerou imediatamente.— Claro, pode passar meu número novo para eles — respondi sem pensar duas vezes. — Vai ser um prazer tocar lá… e ver as crianças também.— Fico muito feliz — disse ela. — Tenho certeza de que vai
LorenaEu precisava tocar perfeitamente.Nada podia soar fora do lugar, nenhuma nota podia escapar, nenhum movimento podia ser impreciso. Eu sabia que era boa, sempre soube. As pessoas diziam, os professores diziam, Felipe dizia. Mas, dentro de mim, nunca parecia suficiente.Na minha cabeça, sempre havia algo a mais para corrigir, ajustar, melhorar. Como se errar não fosse uma opção. Como se falhar significasse algo muito maior do que apenas uma nota fora do tempo.Talvez fosse porque, para o meu pai, nada nunca foi suficiente. Nem quando eu acertava tudo.Enquanto tocava, eu sentia o peso disso nos ombros. A exigência, a cobrança silenciosa, a voz que não era mais dele, mas que continuava viva dentro de mim, repetindo que eu podia fazer melhor… que eu tinha que fazer melhor.Quando Felipe me chamou para jantar, eu ainda estava presa àquela música, àquela sensação de que algo estava errado, mesmo sem saber exatamente o quê. Respirei fundo, fechei a partitura, guardei tudo com cuidado
Felipe A ideia de me casar… não parecia absurda.Principalmente não com ela.Eu ainda estava com aquele pensamento martelando na cabeça quando ouvi a voz de Pedro:— Finalmente apareceu — disse ele entrando na sala.— Eu não via a hora de voltar — respondi, soltando um suspiro. Não só para o Brasil, mas para a minha casa.Pedro arqueou uma sobrancelha, já preparando a piada idiota.— Eu tenho certeza que você não estava ansioso pelo trabalho.— Como se eu não tivesse trabalhando lá — retruquei. — Mas não, não era pelo trabalho.Ele deu aquela risada sínica que só ele sabia dar.— Sabe que quando você estava viajando, encontrei a Lorena e a amiga dela numa balada? Cara… as duas estavam maravilhosas.Revirei os olhos.— Você é um idiota, sabia?— Ei, não precisa ter ciúmes — disse ele, erguendo as mãos como quem se defendia. Mas o sorriso continuava ali, estampado na cara. — Meu interesse é em outra pessoa.— Bom, ótimo pra você. Mas vamos trabalhar, né? — falei, já puxando alguns rela
LorenaA volta de Felipe para casa tinha sido intensa desde o primeiro momento. Depois que fizemos amor pela segunda vez, pedimos comida, almoçamos juntos no sofá, assistimos um filme agarrados e, quando o sol começou a se pôr, a atmosfera entre nós mudou de novo — como se o dia estivesse preparando o terreno para algo ainda mais nosso.Primeiro, sentei-me ao piano para mostrar o quanto eu havia ensaiado enquanto ele esteve fora. Toquei uma peça que eu vinha praticando todos os dias e estava orgulhosa de mim mesma. Enquanto meus dedos deslizavam pelas teclas, senti Felipe se aproximar por trás, tocando minhas costas devagar, fazendo uma massagem lenta e carinhosa.— Meu amor… você é linda — ele disse baixinho, bem perto do meu ouvido. — E extremamente talentosa. Nunca deveria ter parado de tocar.Sorri, sentindo o peito aquecer. Ouvir isso dele mexia comigo de um jeito diferente. Felipe sempre soube exatamente como me incentivar sem pressionar, como me elogiar sem exageros, como me fa










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