Mundo ficciónIniciar sesiónDante segurou a mão da filha e saiu do supermercado. Não fez as compras que tinha ido fazer. Ele não costumava realizar essas tarefas; sua presença naquele lugar fazia parte de uma campanha publicitária imposta por sua advogada. Precisava ser o pai perfeito — ou pelo menos aparentar ser —, precisava fazer o papel do pai que levava a filha para fazer coisas cotidianas, o pai que a conduzia de manhã à escola e à tarde às aulas de balé. Normalmente deixava esses afazeres para motoristas e seguranças particulares; desde que o dia começava até a noite cair, sua rotina era totalmente separada da rotina da filha. Aquilo precisava mudar se ele não quisesse que a sogra recuperasse a tutela.
Acomodou a pequena Luz na cadeirinha infantil no banco traseiro do carro último modelo. Comprar um sedã havia sido uma das mudanças recentes que precisara fazer. Dante costumava dirigir um esportivo de duas portas e, todas as noites, o banco do passageiro era ocupado por uma mulher diferente — cada uma mais bela que a anterior.
— Já estou grande para isso — reclamou Luz, referindo-se à cadeirinha.
— O que é isso aí? — perguntou, arrancando o caderno da mão dela. — Quem te deu isso?
— Caiu da minha amiga, a Alana — respondeu a menina, com os olhos fixos no caderno. Estendeu a mão para tentar pegá-lo de volta. Dante se perguntou quem era aquela tal Alana enquanto folheava o caderno velho e sujo.
Dante abriu o caderno e passou rapidamente pelas páginas. Revirou os olhos assim que percebeu do que se tratava.
— Então era isso! — franziu os lábios, irritado. — Toma, pode usar para brincar, desenhar ou recortar se quiser. — Colocou o caderno nas mãos de Luz e fechou a porta sem sequer ajustar as tiras da cadeirinha.
Dante era dono e diretor-geral da maior editora do país, com pelo menos cinquenta selos editoriais associados. Tinha um tipo de sexto sentido para escolher manuscritos com potencial e possuía conhecimentos, habilidades e recursos para transformá-los nos maiores sucessos de venda.
Não era um negócio extremamente lucrativo, mas Dante havia criado um mercado que lhe gerava grandes rendimentos; seu capital chegava a milhões e milhões de dólares. Não era raro que, de tempos em tempos, algum escritor amador — desesperado para ser publicado pela Bens Editorial — fizesse alguma loucura para lhe entregar um manuscrito. Aquela moça vestida de freira tinha ido longe demais. Sentiu raiva só de pensar no assunto; devia ter chamado a polícia, afinal. Teria ensinado uma lição a ela.
O trânsito estava um caos; chegariam atrasados às aulas de balé.
— Não compramos meus biscoitos — reclamou Luz do banco traseiro.
Era isso que tinham ido comprar: os malditos biscoitos. Era o aniversário de uma das meninas da aula de balé e fariam uma pequena festa de doces; Luz precisava levar biscoitos. Sua filha era um anjo, mas podia ser bastante exigente quando queria. Tinha se recusado a levar qualquer biscoito que não fossem Oreos choco brownie — e esse havia sido o motivo de Dante ter se distraído no supermercado e tirado os olhos dela: estava procurando as malditas Oreos choco brownie.
Olhou o relógio no pulso e não se conteve.
— MERDA! — murmurou, dando um tapa no centro do volante.
Eram três e quarenta. A aula começava às quatro; chegariam atrasados de novo. Era a terceira vez na semana que Luz chegaria tarde. A professora Betsy, uma mulher de nariz pontudo e traços de roedor, já havia reclamado, com seu ridículo sotaque francês e a sobrancelha arqueada sobre aqueles olhos miúdos e negros. Avisara que suas aulas vespertinas eram muito concorridas e que tinha uma fila de meninas esperando uma vaga — “meninas que jamais chegariam atrasadas”, garantira ela. Depois franziu seus lábios quase inexistentes e se afastou puxando Luz pela mão com uma brusquidão que tirou Dante do sério.
Ele olhou à frente: uma longa fila de carros se estendia até onde a vista alcançava. Todos buzinavam. A pista contrária estava livre. Virou à direita, saindo um pouco do fluxo; pensou por alguns segundos e então se lançou na pista contrária em alta velocidade. Achou que conseguiria avançar antes que um carro viesse no sentido oposto. Mas não conseguiu. Uma caminhonete vermelha surgiu do nada e Dante não pôde frear a tempo. Tentou desviar, mas só conseguiu evitar uma colisão frontal.
Em um segundo, o carro tremeu com o impacto. Seus ouvidos começaram a zumbir; estilhaços de vidro atingiram seu rosto, alguns se cravando em seu pescoço. Sua bochecha estava apoiada no airbag, o cinto de segurança parecia sufocá-lo. Tentou, em vão, desabotoá-lo. Girou o tronco para trás. Luz não estava na cadeirinha. Sentiu o coração se encolher e virar nada. Olhou desesperado ao redor e viu o corpo da filha encolhido em posição fetal no chão atrás do banco do passageiro.
— LUZ! LUZ! — gritou desesperado, estendendo as mãos em direção à menina imóvel. Sem conseguir enxergar direito por causa das lágrimas, tentou ver se ela respirava. O cinto o mantinha preso ao assento; não conseguia se soltar.
Aqueles foram os minutos mais desesperadores de sua vida.
As lágrimas queimavam suas bochechas, sentia que se afogava no próprio choro.







