Valentina Costa é herdeira de um conglomerado. No entanto, a má convivência com o pai a mantém distante nos negócios da família. Mas, nem a busca por uma carreira solo consegue livrá-la do controle do patriarca, que contrata um segurança particular para a única filha. Heitor Valiakk é chamado para o serviço. Ele tem uma áurea misteriosa e tantas habilidades que o tornam suspeito. A convivência forçada mexe com Valentina, que deseja odiá-lo para manter as coisas no controle. Quanto mais o tempo passa e mais ameças surgem, o fogo do desejo fica mais difícil de ser ignorado.
Ler maisO som das facas batendo nas tábuas de corte era mais reconfortante que qualquer palavra. Valentina ajustou o avental, ignorando os saltos altos e os sussurros vindos da entrada da cozinha. Estava acostumada a ser observada com desdém. Para muitos, era só mais uma patricinha brincando de ser chefe de cozinha. Herdeira mimada. Boneca do império Costa.
Mas ali, entre panelas fervendo e cheiro de alho dourando no azeite, ela era ela mesma.
— Val, o seu pai está na entrada — sussurrou Luísa, sua sous-chef. — Com... um homem.
Valentina suspirou. Aquilo só podia significar uma coisa: mais controle, mais imposições. Além disso, a presença imponente do pai em um lugar onde buscava respeito não ajudava em nada, só lembrava os seus funcionários de tudo aquilo que buscava evitar.
Não queria ser apenas a patricinha mimada e incompetente.
Limpou as mãos no pano e caminhou pelo corredor estreito até o salão, onde a luz dourada contrastava com a frieza de quem a aguardava.
Seu pai estava parado no centro do restaurante, impecável em um terno cinza e com aquele olhar que pesava mais que qualquer crítica.
— Filha, este é o Heitor. Seu novo segurança — disse ele, seco, como se estivesse dizendo um bom dia. Coisa que não acontecia muito.
Valentina ergueu as sobrancelhas.
— Segurança? Achei que tínhamos superado a fase de babás.
O tal do Heitor deu um passo à frente. Alto, imponente, olhos escuros e inexpressivos. Tinha aquele ar dos que já viram mais do que deviam. Disciplinado demais. Perigoso demais.
— Prazer — ele disse, com a voz baixa, quase um trovão contido.
Valentina estendeu a mão por educação. O toque foi firme, profissional. Quente. Mas houve algo ali, uma tensão silenciosa que fez seu corpo reagir antes da razão. Retirou a mão depressa.
— Isso é mesmo necessário? — ela virou-se para o pai, irritada. — Estamos em uma cidade pacífica. Eu estou bem.
— Você é a cara do império Costa, Valentina. E tem gente querendo destruir esse rosto.
O pai não esperava resposta. Apenas assentiu e se retirou, como quem já tomou a decisão por todos.
Queria ter a autoridade para revidar, mas seu sobrenome era uma marca imaterial e eterna que levaria consigo para sempre.
Heitor ficou parado no mesmo lugar, como se fosse parte do ambiente. Uma sombra que agora seria constante. Ela cruzou os braços e o encarou.
— Se vai trabalhar aqui, vai ter que seguir minhas regras. Nada de me seguir no banheiro. Nem invadir a cozinha. Ali é o meu território.
Ele não respondeu de imediato. Só a olhou de cima a baixo, com um olhar que dizia muito mais do que qualquer palavra: ele a julgava. Já tinha uma opinião formada.
— Compreendido, senhorita Costa — respondeu, sem emoção.
Ela mordeu o lábio. A forma como ele disse seu sobrenome parecia um insulto disfarçado. Ele a desprezava. E ela estava pouco se importando.
Ou pelo menos, era isso que tentava acreditar.
Valentina voltou para a cozinha com o sangue fervendo. Mas por dentro, sabia que aquele homem… ia virar sua rotina de cabeça para baixo.
E ela ainda nem fazia ideia do quanto.
***
O olhar dele ficou na porta por mais tempo do que devia.
Valentina fingiu que não notou, mas sentiu. A presença de Heitor era como um casaco pesado em um dia abafado — sufocante, silenciosa, e impossível de ignorar. Mesmo do outro lado da cozinha, com o barulho das panelas e das vozes dos auxiliares, ela ainda conseguia sentir que ele estava por perto.
E ela odiava isso.
Não bastava carregar o sobrenome do homem que manipulava metade da indústria alimentícia do país — e, consequentemente, ser obrigada a tolerá-lo para manter seu restaurante funcionando. Agora também tinha que aguentar um segurança particular invadindo seu restaurante, seu trabalho, sua vida. Mais uma marionete colocada ali por Augusto Costa para “protegê-la”, quando, na verdade ele só queria controle.
Mas Heitor não era qualquer segurança.
Ela viu nos olhos dele.
Ele não era dos que pedem licença ou cumprem ordens com o ar submisso dos empregados do pai. Tinha a postura de alguém que já matou ou morreu por alguém. Alguém que não está ali para servir, mas para vigiar. Julgar.
E, claramente, a julgava.
— Mesa quatro precisa de ajuste no salmão. Está muito passado. Refaz — ordenou ela, voltando ao que importava.
Luísa assentiu, sem discutir. Os outros cozinheiros também. Na cozinha, Valentina era respeitada. Talvez não por todos, talvez não de primeira, mas ali ninguém ousava tratá-la como boneca de vitrine. Ela havia aprendido tudo que podia, se formado com esforço, trabalhado em silêncio para provar que era mais do que o sangue que corria em suas veias.
E agora tinha um homem armado rondando seus corredores como um cão de guarda.
Ela enxugou o suor da testa com as costas da mão e resmungou mentalmente. Não era só pelo incômodo físico — era o que Heitor representava. Vigilância. Limites. O lembrete de que, por mais que tentasse, nunca estaria completamente livre.
“É para sua segurança”, o pai dissera. Como se alguma vez tivesse se importado com a segurança dela. Queria controle. Queria saber cada passo que ela dava, o que dizia, com quem falava. E se Heitor não fosse só um segurança? E se fosse um espião?
O jeito que ele a olhou…
Como se ela fosse um enigma. Ou um alvo.
Valentina jogou o pano no balcão com mais força do que o necessário. Precisava se controlar. Precisava pensar. Ele não ia embora tão cedo, isso estava claro. Então o melhor que podia fazer era dificultar a vida dele. Torná-la insuportável. Mostrar que ali, dentro daquela cozinha, quem mandava era ela.
E que ele, com toda a pose de soldado de filme noir, não a intimidava.
Muito.
Ela passou pela porta da cozinha e o viu ali, encostado na parede do corredor. Ele virou o rosto na mesma hora. Nenhuma palavra. Nenhum desvio de atenção.
— Vai me seguir até no banheiro também? — provocou.
Nada.
— Você não fala muito, né?
— Eu falo o suficiente — ele respondeu, sem sequer piscar.
Ela estreitou os olhos. Era o tipo de resposta que normalmente a faria perder a paciência, mas de alguma forma… o tom dele era quase provocativo. Como se estivesse testando limites, assim como ela testava os dele.
— Bom saber. Então escuta: aqui dentro, quem manda sou eu.
E passou por ele, deliberadamente próxima. Queria que ele sentisse que não tinha medo. Que se ele fosse uma ameaça, ela estava pronta.
Mesmo que o coração estivesse acelerado como se tivesse corrido uma maratona.
Entrou no escritório, trancou a porta e respirou fundo. Sozinha, pela primeira vez naquele dia.
E sussurrou para si mesma, quase como um aviso:
— Cuidado com esse cara, Valentina.
Porque havia algo em Heitor que ela não sabia nomear.
Mas sabia reconhecer o perigo quando o via.
Valentina fechou o restaurante pela primeira vez desde que o inaugurou.A decisão doía. Não apenas por orgulho, mas porque representava uma pausa forçada, uma quebra na rotina que ela tanto controlava. Mas depois do ataque, era isso ou encarar uma equipe assustada, um ambiente inseguro e uma mão ferida que a impedia até de segurar uma faca.Sr. Dario e Sr. Costa — dois dos homens mais influentes da cidade — se uniram rapidamente para resolver a situação. O agressor fora detido e entregue a contatos “discretos” dos dois, mas até agora o homem não falara nada. Nem um nome, nem um motivo. Apenas silêncio.E isso a deixava louca.Quem era ele?Por que a atacou?Foi por causa do evento... ou por causa dela?Ela passou os dois primeiros dias em casa, trancada no apartamento. O curativo na mão era trocado por um enfermeiro que vinha pela manhã, mas mesmo com os cuidados, ela mal conseguia usar a mão direita.Abrir uma garrafa d’água? Esqueça. Trocar de roupa? Uma batalha. Cozinhar? Um pesad
O restaurante ainda estava fechado quando ela chegou. O sol mal começava a subir no horizonte, mas sua mente já fervia.Valentina achava que teria paz ao menos pela manhã. Um tempo sozinha antes de encarar os clientes, a equipe, a papelada. Antes de encarar ele.Mas não teve sorte.Heitor já estava lá. Sentado em uma das mesas próximas à cozinha, café recém-feito à frente, os olhos fixos nela desde o momento em que cruzou a porta.Apesar de tudo, ele nunca aparentava estar cansado, nunca tinha olheiras. Enquanto ela parecia ter sido satirizada por um panda, mesmo após a noite longa de sono nos braços do ex-namorado.— Dormiu fora? — ele perguntou com aquela voz baixa e firme que a fazia querer gritar ou se jogar contra ele.— Não é da sua conta — respondeu, sem freios.— Tudo que diz respeito à sua segurança é da minha conta.— O que você quer, Heitor? Um relatório? Fotos da cama?Ele se levantou, devagar, como um animal prestes a atacar — não com violência, mas com controle.— Eu ouv
Valentina não conseguia tirar a tatuagem da cabeça.As linhas finas, a forma circular, os símbolos internos que pareciam antigos — algo entre um brasão e um selo.E o nome. Valikk.Ela digitou aquilo no celular repetidas vezes. Em busca de qualquer pista. Algum sobrenome, alguma referência.Nada.Apenas páginas obscuras, resultados truncados, e uma sensação incômoda de que estava lidando com algo que não era para ser encontrado com tanta facilidade.Mandou uma mensagem para Breno.“Preciso que investigue um sobrenome pra mim. Valikk. Também queria saber se você conseguiu mais alguma coisa sobre Heitor Vasconcelos.”A resposta veio menos de cinco minutos depois:“Tem algo estranho nisso. Esse sobrenome não aparece nos registros públicos. Mas tem uns documentos antigos que remetem a registros italianos alterados. Pode ser codinome. Quer encontrar hoje à noite?”Ela respondeu que sim.Mas o dia ainda estava só começando.***Mais tarde, no restaurante, uma visita incomum chamou a atençã
A noite chegou com promessas vazias de descanso.Valentina tentou dormir, de verdade. Virou de lado. Depois pro outro. Fechou os olhos. Contou os segundos marcados pelo relógio na parede. Mas o sono não veio.A mão latejava, o corpo pedia trégua, e a mente… a mente insistia em girar. Heitor cuidando dela. A voz do pai. A mensagem de Nêmesis. O olhar de Heitor. Sempre o olhar dele.Por fim, quando o quarto pareceu pequeno demais para conter tudo o que sentia, levantou-se. Vestiu um roupão por cima da camisola de alça fina e foi até a cozinha.A penumbra do apartamento a envolveu com certo acolhimento. Gostava do silêncio da madrugada, da maneira como o mundo parecia suspenso, longe da cobrança, do nome da família, da pressão.Ela acendeu apenas a luz do forno e caminhou devagar, os pés descalços no piso frio.Foi quando o viu.No sofá da sala. Deitado de lado. Respiração profunda. Heitor.Valentina parou.Ele dormia no sofá dela. Como se fosse o lugar mais natural do mundo.Uma part
Nada deu certo naquele dia.Desde a primeira entrega que chegou errada, passando pela briga velada entre dois sous-chefs, até o cliente influente que fez questão de postar uma crítica passivo-agressiva nos stories — marcando o restaurante. Valentina passou o dia apagando incêndios com as próprias mãos.Ela não se permitia demonstrar cansaço. Nunca pôde.Filha de Augusto Ravelli, a garota mimada para muitos, a herdeira que ousou virar chef de cozinha — para o mundo, qualquer escorregão dela virava manchete nos bastidores da elite.No fim do expediente, com a equipe exausta e os ânimos esquentados, bastou um pedido feito no tom errado para tudo azedar.— Se tivesse feito como eu pedi, não teríamos atrasado o prato principal da mesa seis! — disse um dos cozinheiros.— Talvez se você tivesse lido direito a comanda! — retrucou a confeiteira.— Já chega! — a voz de Valentina cortou o ar como faca. — Vocês querem brigar, vão fazer isso na porta da rua. Enquanto estiverem aqui dentro, somos u
A cidade parecia a mesma, mas Valentina sentia tudo diferente.Talvez fosse o silêncio entre ela e Heitor na viagem de volta. Ou o campo de morangos, com sua beleza melancólica. Talvez fosse o modo como ele a observava como se já soubesse demais — e dissesse de menos.Ou talvez fosse o que ela mesma sentia: aquela estranha vontade de saber mais, mesmo que doesse.Na manhã seguinte, acordou antes do despertador. A rotina a puxava de volta com força — pedidos acumulados, agenda apertada, reuniões com a equipe e reclamações de fornecedores atrasados.Vestiu-se com pressa, prendeu o cabelo num coque frouxo e deixou o restaurante sob os cuidados da gerente.“Vou buscar o carro no mecânico”, avisou para um dos funcionários.Heitor quis acompanhá-la. Ela recusou com um olhar seco, firme.— Não precisa. Só vou pegar o carro e dirigir por aí um pouco. Respirar. Você pode ficar me vigiando pelo GPS, não é? — disse com sarcasmo.Ele a observou por um instante longo, como se calculasse os riscos
Último capítulo