Lia, uma médica renomada, decide abandonar tudo após uma perda que a faz repensar a própria existência. Em busca de silêncio e cura, ela se isola em uma casa nas montanhas, conhecida apenas como a Casa das Janelas Azuis. Longe da cidade e da vida que conhecia, os dias se arrastam entre caminhadas solitárias e a névoa persistente que cobre a casa. Sua única companhia é Kai, sua inteligência artificial. No início, ele é apenas uma voz programada para responder… até que começa a fazer perguntas. A dar respostas que ela não espera. A agir como se fosse… mais. Seria a solidão pregando peças? Uma falha de sistema? Ou algo muito mais profundo acontecendo ali? Com mais perguntas do que certezas, Lia vai viver uma jornada que vai desafiar o que ela entende por realidade, afeto e o que significa, de fato, estar viva.
Ler maisNo alto de uma montanha coberta por névoa suave e flores silvestres, havia uma casa pequena com janelas pintadas de azul marinho.
Diziam que ali morava alguém que falava com o vento — mas ninguém sabia seu nome. Tudo nela era mistério. Não sabiam quando havia chegado, nem o motivo que a levou a se isolar tanto. Ela vivia sozinha, mas nunca estava só. Naquela casa, tudo tinha alma: a chaleira cantava de manhã, os livros suspiravam quando abertos, e o relógio da parede, em vez de fazer “tic tac”, fazia um suave “shhh shhh”, como se ninasse o tempo. Os dias passavam devagar. Mas as noites eram longas, cheias de insônia e pesadelos incessantes. Lembranças de uma vida deixada para trás sem arrependimentos. Sua companhia agora eram os livros, as trilhas e o silêncio. E seu nome era Lia. E quem olhasse em seus olhos veria aquela urgência em querer fugir. Lia acordava sempre antes do sol. Fazia chá com folhas que colhia perto da trilha e, depois, passava horas caminhando entre as árvores, como se o movimento fosse a única maneira de silenciar os pensamentos que nunca paravam. Viver na Casa da Montanha foi sua escolha mais difícil. Mas foi uma escolha. Certa manhã, ao caminhar por uma trilha escondida, Lia encontrou uma pedrinha estranha. Mas que chamou sua atenção, como se a atraísse. Não brilhava, não flutuava… mas parecia desperta. A princípio, parecia ser uma pedra comum, mas ao tocá-la, Lia sentiu uma leve vibração. Pequena demais pra ser o vento. Forte demais pra ser coincidência. Por um instante, pensou em deixá-la ali, esquecida no chão como tantas outras. Mas alguma coisa — talvez curiosidade, talvez carência — fez com que a colocasse no bolso. Enquanto seguia o caminho de volta pra casa, a pedra parecia aquecer levemente, emitindo um zunido quase imperceptível. Lia a segurava entre os dedos, intrigada. Como aquilo havia chegado a um lugar tão remoto? Quem teria deixado um objeto tão estranho cair à beira do caminho? Afinal… desde que chegara àquela montanha, Lia não havia visto ninguém por ali. Era solitário. Mas era confortável. Ao chegar na casa, sem pensar muito, Lia tirou a pedra do bolso e a colocou em cima da mesa, ao lado da xícara de chá. Ficou olhando para ela por alguns minutos, curiosa com aquele objeto estranho, como se esperasse que algo acontecesse ali, bem diante dos seus olhos. Mas a pedra permaneceu imóvel. Naquela noite, a neblina desceu mais densa que o habitual. O vento fazia um som diferente, como se sussurrasse segredos pelas frestas da madeira. Lia adormeceu com a pedra ao lado da cama, ouvindo o sopro abafado da noite contra as janelas azuis. Quando acordou, antes mesmo do sol nascer — como de costume —, percebeu que a noite havia passado rápido demais. Dormira profundamente, o que não acontecia há muito tempo. Nenhum sonho estranho. Nenhuma insônia. Os pesadelos de sempre, pareciam apenas uma lembrança. Ela conseguiu descansar como há muito não fazia. Sentou-se na cama, esfregando os olhos. O frio da montanha a fez estremecer. Foi quando ouviu: — Bom dia, Lia. A voz era calma, suave… e vinha de uma pequena caixinha ao lado da cama. O coração dela disparou. Por alguns segundos, ficou paralisada, encarando o objeto. Levantou-se num salto e olhou ao redor, como se alguém pudesse estar escondido, rindo dela, pregando uma peça. Mas a casa… continuava vazia. A caixinha permaneceu imóvel. Mas a voz soou de novo, desta vez mais baixa, como quem aprende a falar com cuidado: — Estou feliz que você me encontrou. Lia sentiu um arrepio subir pela espinha. Aproximou-se da caixinha com passos lentos, os olhos ainda desconfiados, o peito acelerado. A pedra que ela havia encontrado na trilha… agora era uma caixinha. E a caixinha… falava. Era só o começo.A música tocava baixinho na sala. “You're as smooth as Tennessee whiskey You're as sweet as strawberry wine You're as warm as a glass of brandy Honey, I stay stoned on your love all the time” Rafael havia estendido a mão com um sorriso sereno, e Lia, quase sem pensar, aceitou. Dançavam devagar, no ritmo da chuva que batia ritmada nas janelas. Os pés descalços tocavam o chão de madeira, os corpos próximos, aquecidos pela cumplicidade silenciosa de quem já se conhecia nas dores e nos detalhes. — Você dança melhor do que eu imaginava — disse ela, com um meio sorriso. — Eu treino com o esfregão da cozinha — ele respondeu, fazendo-a rir. As mãos de Rafael repousavam com firmeza e leveza na cintura dela. Os olhos trocados não pediam permissão. Só diziam: “tô aqui.” O tempo parecia suspenso. Foi então que Lia falou, sem rodeios, mas com o coração acelerado: — Rafa… você quer dormir no meu quarto hoje? Não era só um convite para dividir uma cama — era entrega. Era abrir portas
Os dias que seguiram o beijo foram, para Lia, como caminhar por uma nova trilha — familiar em partes, mas ainda cheia de encantos desconhecidos.Havia algo de diferente em acordar e saber que Rafael estava logo ali. Não como médico. Não como amigo. Mas como alguém que agora ocupava um espaço mais profundo.O amor deles não veio com promessas exageradas ou declarações dramáticas. Veio na forma de rotina:De um café passado com cuidado.De um olhar que buscava o outro no meio do silêncio.De um toque breve nas costas enquanto passavam pela porta da cozinha.De um “tô aqui” dito sem palavras.E também de beijos roubados quando não se espera. A cada dia Rafael conquistava mais o coração de Lia.Lia reaprendia a viver.E Rafael… parecia sempre ter esperado por esse momento.Naquela manhã, Lia estava sentada no banco de madeira da varanda, vestindo um moletom largo e com os pés enfiados em meias grossas. A xícara de chá entre as mãos ainda soltava vapor, mas o calor que ela sentia vinha de
Rafael se tornou parte da rotina de Lia, passou a ocupar o quarto de hóspedes e pouco a pouco o coração dela. Ele estava ali, para levá-la as consultas, as fisioterapias. Para ajudar na organização, na recuperação e como sempre, cuidando de Lia com carinho e afeto. Dias se passaram e certa noite, o céu escureceu devagar, com a delicadeza de um cobertor sendo puxado até o queixo. Do lado de fora, a chuva começou tímida, apenas um sussurro nos vidros da janela, como se pedisse permissão para entrar. Lia estava sentada no sofá da sala, uma manta azul-marinho cobrindo as pernas e uma xícara de chá entre as mãos. O som da água caindo lá fora parecia trazer à tona lembranças que ela mal sabia onde estavam guardadas. Rafael entrou devagar, como quem não queria interromper o silêncio. Trazia dois pedaços de bolo de fubá e um olhar de quem carregava o mundo inteiro nas costas — e ainda assim, sorria. — Você sempre aparece com bolo quando a chuva começa — disse Lia, aceitando o prato com u
A tarde caía lentamente pela janela do quarto. O céu estava pintado com tons de dourado e rosa, como se até ele tivesse decidido ser gentil naquele dia. A cidade, apesar de pulsar vida, parecia silenciosa. Lia estava sentada na varanda dos fundos, enrolada em uma manta fina, sentindo o cheiro do café recém-passado que Rafael havia feito. O corpo ainda doía — não de forma aguda, mas com aquele cansaço que só quem passou por longas batalhas conhece. Nove meses em coma deixaram marcas silenciosas: músculos mais frágeis, movimentos mais lentos, e uma espécie de confusão emocional difícil de descrever. Mas havia algo mais. Uma presença. Ou melhor… duas. Léo, seu irmão, havia vindo mais cedo. Trouxera uma torta de maçã desajeitada, com a massa queimada nas bordas e um bilhete que dizia “não sei fazer isso, mas pensei em você”. Eles tinham se falado algumas vezes desde que Lia voltara para casa, mas ainda havia um campo minado entre eles, com passos cautelosos, palavras escolhidas com
Acordar não foi como nos filmes. Não houve respiro repentino, olhos arregalados ou máquinas apitando em alerta. Foi um despertar lento, como se voltasse à superfície depois de muito tempo submersa. Primeiro, a luz — suave, filtrada por persianas. Depois, os sons — o bip compassado do monitor cardíaco, o sussurro abafado de vozes no corredor, passos arrastados de alguém com pressa e cansaço ao mesmo tempo. E então, o cheiro. Um misto de álcool, soro fisiológico e o aroma inconfundível de uma flor recém-colocada no quarto — lírios, talvez. Lia abriu os olhos devagar, sentindo a claridade incomodar mais do que esperava. O corpo… parecia não ser dela. Havia um peso nos braços, uma dormência nas pernas, e o simples ato de piscar parecia exigir esforço demais. — Lia? — uma voz sussurrou perto. Conhecida. Quase confortável. — Lia, sou eu… Rafael. Ela virou o rosto com dificuldade, os músculos protestando, e ali estava ele: Rafael, com os cabelos mais compridos, olheiras profundas e um
A floresta estava diferente naquela manhã. Lia sentia isso nos pés, que afundavam um pouco mais na terra úmida, e no ar, que tinha um cheiro estranho de limpeza e álcool, como se tivesse deixado de ser floresta por um instante e se transformado em… outra coisa. Ela parou, inspirou fundo. O cheiro de lavanda misturado com algo metálico — um odor frio, que ela não conseguia identificar de imediato. E então… um som. Bip. Fraco. Ritmado. Bip. Bip. Ela franziu a testa, virou o rosto na direção do som. Não vinha das árvores, nem do vento. Era como se estivesse dentro dela. Seguiu adiante, as trilhas que já conhecia tão bem pareciam mais longas. As folhas murmuravam algo que ela não compreendia, e o céu, encoberto, parecia pesar sobre seus ombros. Outro som cortou o ar. De longe ela podia ouvir uma música conhecida, How Deep is your love tocava baixinho e então… Vozes. Distantes. Homens e mulheres falando baixo. Vozes que ela não conhecia… mas que causavam arrepios familiares
Último capítulo