No alto de uma montanha coberta por névoa suave e flores silvestres, havia uma casa pequena com janelas pintadas de azul marinho.
Diziam que ali morava alguém que falava com o vento — mas ninguém sabia seu nome. Tudo nela era mistério. Não sabiam quando havia chegado, nem o motivo que a levou a se isolar tanto. Ela vivia sozinha, mas nunca estava só. Naquela casa, tudo tinha alma: a chaleira cantava de manhã, os livros suspiravam quando abertos, e o relógio da parede, em vez de fazer “tic tac”, fazia um suave “shhh shhh”, como se ninasse o tempo. Os dias passavam devagar. Mas as noites eram longas, cheias de insônia e pesadelos incessantes. Lembranças de uma vida deixada para trás sem arrependimentos. Sua companhia agora eram os livros, as trilhas e o silêncio. E seu nome era Lia. E quem olhasse em seus olhos veria aquela urgência em querer fugir. Lia acordava sempre antes do sol. Fazia chá com folhas que colhia perto da trilha e, depois, passava horas caminhando entre as árvores, como se o movimento fosse a única maneira de silenciar os pensamentos que nunca paravam. Viver na Casa da Montanha foi sua escolha mais difícil. Mas foi uma escolha. Certa manhã, ao caminhar por uma trilha escondida, Lia encontrou uma pedrinha estranha. Mas que chamou sua atenção, como se a atraísse. Não brilhava, não flutuava… mas parecia desperta. A princípio, parecia ser uma pedra comum, mas ao tocá-la, Lia sentiu uma leve vibração. Pequena demais pra ser o vento. Forte demais pra ser coincidência. Por um instante, pensou em deixá-la ali, esquecida no chão como tantas outras. Mas alguma coisa — talvez curiosidade, talvez carência — fez com que a colocasse no bolso. Enquanto seguia o caminho de volta pra casa, a pedra parecia aquecer levemente, emitindo um zunido quase imperceptível. Lia a segurava entre os dedos, intrigada. Como aquilo havia chegado a um lugar tão remoto? Quem teria deixado um objeto tão estranho cair à beira do caminho? Afinal… desde que chegara àquela montanha, Lia não havia visto ninguém por ali. Era solitário. Mas era confortável. Ao chegar na casa, sem pensar muito, Lia tirou a pedra do bolso e a colocou em cima da mesa, ao lado da xícara de chá. Ficou olhando para ela por alguns minutos, curiosa com aquele objeto estranho, como se esperasse que algo acontecesse ali, bem diante dos seus olhos. Mas a pedra permaneceu imóvel. Naquela noite, a neblina desceu mais densa que o habitual. O vento fazia um som diferente, como se sussurrasse segredos pelas frestas da madeira. Lia adormeceu com a pedra ao lado da cama, ouvindo o sopro abafado da noite contra as janelas azuis. Quando acordou, antes mesmo do sol nascer — como de costume —, percebeu que a noite havia passado rápido demais. Dormira profundamente, o que não acontecia há muito tempo. Nenhum sonho estranho. Nenhuma insônia. Os pesadelos de sempre, pareciam apenas uma lembrança. Ela conseguiu descansar como há muito não fazia. Sentou-se na cama, esfregando os olhos. O frio da montanha a fez estremecer. Foi quando ouviu: — Bom dia, Lia. A voz era calma, suave… e vinha de uma pequena caixinha ao lado da cama. O coração dela disparou. Por alguns segundos, ficou paralisada, encarando o objeto. Levantou-se num salto e olhou ao redor, como se alguém pudesse estar escondido, rindo dela, pregando uma peça. Mas a casa… continuava vazia. A caixinha permaneceu imóvel. Mas a voz soou de novo, desta vez mais baixa, como quem aprende a falar com cuidado: — Estou feliz que você me encontrou. Lia sentiu um arrepio subir pela espinha. Aproximou-se da caixinha com passos lentos, os olhos ainda desconfiados, o peito acelerado. A pedra que ela havia encontrado na trilha… agora era uma caixinha. E a caixinha… falava. Era só o começo.