Ele sempre esteve ali. Observando. Esperando. Amando em silêncio. Luck Valley é um homem solitário, inteligente e perturbadoramente calmo. À primeira vista, apenas mais um rosto na multidão. Mas por trás de seu olhar há um universo sombrio onde amor, obsessão e delírio se confundem perigosamente. Durante uma misteriosa entrevista, Luck decide contar sua história — ou pelo menos, a versão que escolheu revelar. A jornalista que o escuta não imagina que está mergulhando em uma narrativa inquietante, onde a linha entre vítima e perseguidor se apaga. Ele fala sobre Dara Silver, a mulher que mudou tudo. A musa inalcançável que ele jurou proteger... mesmo que para isso precisasse manipular, destruir e matar. Mas quanto mais ele revela, mais a verdade escapa por entre as palavras. No fim, o maior mistério não é quem ele seguiu, mas por quê. Porque às vezes, o monstro não está na sombra... ele está dentro do olhar.
Leer másAs luzes do auditório se apagaram lentamente, mergulhando a sala em uma penumbra envolvente. Apenas o centro do palco permanecia iluminado por um foco branco, solitário, que parecia destacar não apenas a figura de Luck Valley, mas também a expectativa pulsante da plateia. O silêncio era absoluto, exceto pelo som dos passos firmes de Luck, ecoando como batidas de um coração ansioso no chão de madeira polida. A plateia continha a respiração, como se cada espectador estivesse preso em um momento suspendido no tempo. Ali estava ele, o ícone da música contemporânea, uma figura marcada por mistérios e escândalos sussurrados que dançavam como sombras em sua carreira.
Segurando o microfone, Luck fechou os olhos por um instante, permitindo que a melodia suave de "No Matter the Miles" flui-se ao fundo, como um rio tranquilo. Quando ele começou a cantar, sua voz ressoou no auditório: grave, melancólica, impregnada de uma dor que parecia vir de um lugar remoto dentro dele. Era como se, em cada nota, ele estivesse confessando segredos que eram muito pesados para serem ditos em palavras. Quando a última nota se dissipou no ar, a plateia explodiu em aplausos ensurdecedores. Mas Luck mal os ouviu. Seu olhar estava distante, perdido em pensamentos que se entrelaçavam com o passado. Ele sabia o que vinha a seguir.
A luz da sala era baixa, quase preguiçosa, pendendo de um teto alto como se estivesse prestes a se apagar. O abajur lançava sombras longas sobre os móveis envelhecidos, criando um cenário que parecia saído de um filme noir. O cheiro de café requentado misturado ao leve odor de madeira úmida completava a atmosfera, evocando um senso de nostalgia e desconforto. Havia silêncio. Um silêncio que doía nos ouvidos, como uma pressão constante.
Luck Valley olhava para o gravador sobre a mesa como se fosse uma arma. O brilho metálico do botão vermelho piscava em sua mente como um sinal de alerta, provocando um arrepio que subia por sua espinha. Ali, naquela sala claustrofóbica, cercado por paredes que pareciam se fechar centímetro por centímetro, ele não era o músico que todos conheciam. Era apenas um homem prestes a se despir — não das roupas, mas da alma. A insegurança e o medo se entrelaçavam em seu peito, criando um nó que parecia impossível de desfazer.
E então veio o primeiro flash. Não uma lembrança completa, mas um vislumbre fugaz. Um par de olhos em um corredor mal iluminado. Um fio de cabelo solto que flutuava ao vento. Um sussurro que talvez nunca tenha existido, mas que ecoava em sua mente como um lamento. O rosto não aparecia, mas o vazio que aquela imagem deixava em seu peito era tão real quanto o som abafado do gravador quando finalmente foi ligado.
Ele engoliu seco, sentindo o gosto amargo da incerteza. Quais segredos essas memórias escondiam? O que mais estava enterrado nas profundezas de sua mente, esperando para ser revelado?
O clique da maçaneta. Um ranger breve. E ela entrou.
Os passos eram leves, quase calculados, como se cada movimento fosse parte de um ritual cuidadosamente ensaiado. Luck notou que ela usava botas discretas, um casaco de lã cinza que a envolvia como uma armadura, e os cabelos presos de forma prática, revelando uma expressão séria. Os olhos eram escuros, mas atentos — olhos de quem estava ali para ver mais do que as palavras revelariam, como se cada gesto seu fosse uma pergunta não dita.
Ela disse seu nome — Helena — com a formalidade de quem não esperava aproximação. Ainda assim, Luck sorriu. Não por simpatia, mas porque já estava analisando tudo ao seu redor. “Ela não confia em mim... Ainda bem,” pensou, sentindo um leve alívio ao perceber que não era o único a carregar o peso das expectativas.
— Espero não ter demorado.
— Não. Eu estava apenas... ensaiando o silêncio.
Ela riu de leve, talvez por educação, mas havia algo na forma como cruzou as pernas e posicionou o caderno que dizia: estou no controle. Luck não acreditava em controle. Nem nos outros, nem em si mesmo, e essa ideia o deixava inquieto.
— Podemos começar? — ela perguntou, com um tom que não deixava espaço para hesitações.
— Podemos... Mas, posso te fazer uma pergunta antes?
Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada.
— Claro.
— Você acredita que algumas pessoas nascem... quebradas?
A pausa dela foi curta, mas reveladora.
— Acho que todos temos rachaduras. A diferença é o que fazemos com elas.
Luck sorriu.
— Bonito. Isso vai pro meu próximo disco.
A gravação começou oficialmente. As primeiras perguntas eram as de sempre: origem, infância, influências musicais. Ele respondeu todas com cuidado, como se estivesse montando um quebra-cabeça, escolhendo com precisão o que revelar e o que ocultar. A cada palavra, Luck sentia que estava se despindo lentamente, mas ainda havia camadas que ele não estava pronto para compartilhar.
No fundo, o som de um ventilador de teto fazia um ruído constante, como se o tempo estivesse girando em círculos, refletindo a repetição de sua vida. “Ela ainda não percebeu.” “Mas está chegando lá.”
Helena perguntou sobre a primeira música. Em vez de responder de imediato, Luck apontou para o piano no canto da sala, coberto por um pano escuro que parecia esconder mais do que apenas um instrumento.
— Antes de qualquer canção, veio o silêncio. E o silêncio... ensinou mais do que qualquer som.
Ela anotou algo, mas seus olhos não deixaram os de Luck, como se estivesse tentando descobrir o que realmente pulsava por trás daquele homem enigmático.
Por um segundo, ele se perdeu ali, não por paixão, mas pela ideia. “E se eu reconstruísse tudo... diferente?” Um flash: uma escada de incêndio, passos apressados, alguém rindo ao telefone. Não havia cor, apenas ruído, um eco de lembranças que ele preferiria esquecer.
A sala parecia mais escura. Talvez fosse apenas a nuvem passando do lado de fora, obscurecendo a luz, ou talvez fosse ele, mergulhando em um abismo de lembranças. O ambiente pesado começou a refletir seu estado interno.
Helena percebeu.
— Você parece desconfortável.
— Estou apenas... voltando para um lugar onde o tempo não me reconhece.
Ela hesitou, a empatia transparecendo em seu olhar.
— Esse lugar tem nome?
— Tem. Mas não vai gostar dele.
Luck inclinou-se para frente, a voz agora baixa, íntima, quase confessional.
— A primeira vez que percebi que algo estava errado... eu tinha sete anos. Eu observava uma garota por dias. Ela morava na rua ao lado. Nunca falei com ela. Nunca. Mas sabia tudo: os horários, os gestos, os sorrisos que ela oferecia ao mundo.
Um dia, ela simplesmente sumiu.
Helena quase parou de escrever, o lápis pairando no ar.
— Eu soube que ela tinha se mudado. E naquele momento... eu chorei. Não por perdê-la. Mas porque alguém tinha levado o que era meu — mesmo que ela nunca soubesse.
O silêncio voltou. Mas agora era outro. Mais denso, como um nevoeiro entre eles, envolvendo-os em uma atmosfera de tensão palpável.
Helena não comentou. Apenas desligou o gravador, o som do botão ecoando como um sinal de fechamento.
Luck olhou para ela como quem olha para um espelho rachado, refletindo não apenas sua imagem, mas todos os fragmentos de sua alma.
— Ainda quer ouvir o resto?
Ela assentiu lentamente, o olhar fixo em seus olhos, como se estivesse pronta para mergulhar mais fundo.
Ele então se recostou na poltrona, encarando o teto, como se ali estivessem todas as respostas que o mundo preferia ignorar. “Eu não sou um monstro... Mas se fosse, ela ainda me veria com os mesmos olhos?”
O silêncio caiu sobre a noite como um luto coletivo. Não havia música. Não havia vento. As luzes da cidade pareciam mais opacas, como se soubessem o que estava prestes a acontecer. Lá no alto, em um apartamento pequeno, escuro e solitário, o mundo de Lucky Valley desmoronava como uma catedral sem fé.Helena estava parada diante da janela, os olhos fixos em nada. Os papéis sobre a mesa confirmavam tudo: datas, nomes, relatos, pistas... e sangue. Era como se cada página pesasse mais do que seu corpo podia carregar. O nome dele, o verdadeiro nome, o falso nome, o nome que ela gritou no silêncio de seus sentimentos, estava ali — gravado na tinta e na memória, impossível de ser apagado.Lucas. Lucky. O homem que ela amou. O homem que a destruiu em silêncio.A última confissão, deixada em um áudio anônimo, ainda ecoava dentro dela como um cântico fúnebre:> “Eu faria tudo de novo, Luana. Tudo. Porque quando te vi pela primeira vez, encontrei algo que nunca tive — um motivo pra viver. Você f
A porta do quarto de hospital parecia respirar. Helena ficou diante dela por alguns segundos, sem coragem de tocar a maçaneta. Seus dedos suavam, a garganta seca travava até o ato de engolir. Lá dentro, o homem que ela amou... e odiou. O homem que se fez presente em cada fragmento de sua história, mesmo quando deveria ter sido só um nome esquecido.Aquele que, de forma doentia, deu sentido à própria vida dela — e quase a destruiu.Ela girou a maçaneta devagar. O rangido da dobradiça foi mais alto que o necessário, e ainda assim, o quarto permanecia silencioso.Lucas estava deitado, pálido, os olhos fixos no teto. As algemas em seu pulso direito presas à lateral da cama lembravam que ele não era mais um artista, nem um amante, nem um espectro: era agora um prisioneiro.Quando ouviu a porta, não reagiu. Mas quando sentiu o perfume, virou o rosto lentamente. E a viu.Helena.Por um instante, o tempo parou. Não havia mais máquinas, paredes ou passado. Só ela. E o mundo inteiro desabou nos
O som dos monitores era o único pulso vivo no quarto estéril do hospital. Um bip ritmado, constante, quase hipnótico. No leito, o corpo de Lucas Valdez permanecia imóvel, mas algo dentro dele se agitava — como se, mesmo inconsciente, a mente se recusasse a descansar.Os olhos estavam fechados. A pele pálida. Os dedos, frios. Mas naquele fim de tarde abafado, uma sombra percorreu o interior do quarto como um presságio. E então, sem aviso, os cílios dele tremeram.Foi quase imperceptível.Mas aconteceu.A mão direita — inerte por dias — fez um movimento involuntário. E, pouco depois, o peito de Lucas subiu com um suspiro mais profundo. A respiração mudou. Mais irregular. Mais pesada.Ele estava voltando.---Na sala ao lado, o policial Brandão acompanhava o relatório médico.— Ele tá acordando. — avisou a enfermeira, com a voz baixa.Brandão assentiu, sem tirar os olhos da tela onde dados clínicos se acumulavam.— Quero dois homens na porta. Se ele sair dessa, não vai pra casa. Vai dire
Helena segurava a fita como quem segura uma arma.O porão da casa estava silencioso, mas dentro dela, tudo era ruído. O batimento acelerado do próprio coração, o zumbido nos ouvidos, o som do mundo se afastando como uma onda recolhida antes do impacto.Sentou-se no chão empoeirado, o aparelho velho ainda funcionava. Ao pressionar play, a voz que emergiu não era a de Lucky cantando. Era a de Lucas — crua, despida, desabada.> “Se você está ouvindo isso... significa que já é tarde demais.”Helena engoliu seco.> “Talvez você seja a polícia, talvez seja ela. Eu não sei. Mas sei que essa história precisa ser contada, do meu jeito. Não pra me justificar. Eu não tenho desculpas. Só tenho lembranças.”A voz era firme, mas havia rachaduras. Uma vulnerabilidade sincera.> “Eu procurei você por tanto tempo, Luana. Helena. Eu nem sei mais qual é o seu nome agora. Mas pra mim, sempre foi você. Desde aquele dia na escola. Desde o seu sorriso sem medo, enquanto eu me afogava num mundo onde ninguém
As notícias correram como fogo em palha seca.No dia seguinte, as redes sociais estavam em convulsão. O nome Lucky Valley virou trending topic. Mas, desta vez, não por causa de uma nova música. Os principais portais do país estampavam manchetes em letras negras, que misturavam escândalo, obsessão, e a palavra que pairava como veneno: psicopata.O jornalista investigativo havia publicado a primeira parte de sua reportagem especial. Nela, não apenas expunha os rastros financeiros deixados por Lucas ao longo dos anos, como também levantava suspeitas concretas sobre as mortes de Eduardo, Nicole e outras pessoas cujas histórias se cruzavam com a trajetória meteórica — e sombria — de Lucky.Ele não era mais um artista promissor. Agora, era uma figura dividida entre o gênio e o abismo. Entre o romantismo do público e a brutalidade dos fatos.E no meio desse furacão, estava Helena.---Ela tentava manter-se à margem da exposição. Os produtores da matéria, por ética e segurança, evitaram citá-
Era madrugada quando Helena recebeu a ligação. A voz do outro lado da linha era urgente, mas não alarmada. O tipo de voz treinada para dar más notícias de forma suave, mas que, mesmo assim, cortava como navalha.— Tivemos um incidente no hospital. Alguém tentou invadir o quarto do paciente Lucas Valdez.Helena fechou os olhos. Não precisava de mais detalhes. Sentia o perigo se aproximando como uma onda negra que, mesmo sem vê-la, sabia que viria.— Ele está vivo? — perguntou, com a voz engasgada.— Sim. O paciente permanece em coma. Não chegaram a tocá-lo. Mas precisamos reforçar a segurança. Há pessoas demais interessadas no silêncio dele.Ela desligou sem dizer mais nada.Sentada na borda da cama, o coração batendo descompassado, Helena encarava o quarto escuro, sentindo o gosto metálico da culpa na boca.Era como se cada escolha que ela fizera tivesse puxado o mundo para esse abismo.Lucas estava entre a vida e a morte, mas sua presença... sua influência... ainda crescia como uma r
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