Após perder a esposa e a filha em um trágico acidente, Ravi jurou nunca mais se envolver com ninguém. Frio, solitário e obcecado pelo trabalho, o poderoso CEO de uma empresa de investimentos encontra uma brecha em sua armadura emocional numa noite inesperada. Em meio à bebedeira com os amigos, é amparado por uma misteriosa garçonete, Manoela — uma mulher doce e marcada por cicatrizes invisíveis. Eles compartilham uma noite intensa e inesquecível... até que ela desaparece, deixando para trás apenas uma pulseira e lembranças que ele não consegue apagar. Cinco meses depois, Manoela reaparece, agora grávida e presa a um casamento abusivo com um policial controlador. Sozinha, assustada e determinada a fugir, ela trabalha incansavelmente em uma cafeteria, tentando proteger a si mesma e ao bebê que carrega. Mas o destino tem outros planos. Quando Ravi entra naquele café, os olhares se cruzam — e tudo volta com força devastadora. Ele quer respostas. Ela teme as consequências. Entre verdades ocultas, traumas e uma paixão que insiste em renascer, Ravi precisará decidir se está pronto para amar de novo. E Manoela terá que encontrar coragem para fugir — não apenas do passado, mas de tudo o que a impede de ser feliz.
Ler maisO sol atravessa o vidro da janela panorâmica e me cega por um instante. As nuvens carregadas de Londres se abriram num milagre temporário e agora tudo lá fora parece mais claro, mais vivo — o que contrasta drasticamente com o que se passa dentro de mim.
Meus olhos seguem os prédios ao longe, mas minha mente está quilômetros daqui.
— Ravi? — a voz de Pedro me arranca do transe. — Você quer opinar sobre isso?
Levo meio segundo para processar a pergunta. Estou em uma reunião. Sala de conferência da sede. Meu terno está impecável, a mesa cheia de gráficos projetados e os sócios da empresa me encaram esperando algo brilhante sair da minha boca.
Faço o que sei fazer: finjo controle.
— O que foi que o Jackson sugeriu mesmo? — pergunto, encarando o CFO.
— Que repensemos os ativos no portfólio de Dubai. Há riscos de instabilidade política e... — ele começa a repetir, mas já sei o que dizer. Nem preciso ouvir até o fim.
— Mantenham os ativos. A instabilidade também gera oportunidades. — solto firme, e todos assentem. — E se algo fugir do esperado, temos como absorver a perda. O risco vale o ganho.
Pedro me encara com aquele sorrisinho de quem sabe que eu estava viajando, mas também sabe que ninguém mais percebeu.
A reunião continua, e eu volto a fingir que me importo com os detalhes, embora parte de mim só esteja querendo silêncio. O tipo de silêncio que só existe quando se perde algo que não pode ser substituído.
Quando tudo finalmente acaba e os outros saem da sala, Pedro se aproxima, arrastando a cadeira ao meu lado como faz há anos.
— Tá na sua bolha de novo, não é? — diz ele, apoiando os cotovelos na mesa.
— Estou concentrado — minto, recostando na cadeira.
— Concentrado, meu c..., você estava em Nárnia. — Ele ri de leve, mas depois me olha com um certo cuidado. — Vai fazer um ano, né?
Fecho os olhos por um segundo. Um ano.
Um ano desde o acidente. Desde que perdi meu mundo inteiro em uma colisão idiota numa estrada escorregadia no interior. Perdi minha esposa... e a filha que ela carregava.
A gente ainda discutia nomes. Ela queria algo clássico, como Helena. Eu implicava, dizendo que parecia nome de rainha grega — e ela dizia que era justamente por isso que amava tanto.
Mas não tive nem isso.
Acordei no hospital com a notícia e um buraco onde antes havia planos, futuro, alegria.
Desde então, tenho vivido no automático. Mergulhei no trabalho, cresci a empresa, tripliquei os investimentos, virei uma máquina. E no fundo, todo mundo acha isso admirável. Só Pedro sabe que é uma forma bonita de fugir.
— É sexta — ele diz, rompendo o silêncio. — E eu já reservei mesa no nosso pub de sempre. Todo mundo vai. E antes que diga que não vai, já avisei à equipe que você vai aparecer. Então se vira.
— Pedro...
— Sem desculpas, Ravi. Você precisa sair. Nem que seja pra tomar uma cerveja amarga e reclamar da vida.
— Não — ele diz, se levantando — porque você anda evitando viver.
Ele pega o paletó e j**a sobre o ombro. — Te encontro lá às sete. Não me faz ir te buscar.
Pedro sai antes que eu possa recusar de verdade. E talvez, no fundo, ele esteja certo.
Londres tem um charme estranho nas noites de sexta. As pessoas se aglomeram nos pubs como se aquele copo fosse salvar a semana — e às vezes, salva mesmo. Quando chego ao nosso favorito, o The Hollow Oak, já há um grupo de conhecidos rindo numa mesa de canto.
Pedro me avista primeiro e ergue o copo, como se fosse um convite silencioso para baixar a guarda. Me aproximo e ele já abre espaço, puxando outra cadeira.
— Achei que ia fugir — diz.
— Ainda estou pensando nisso — respondo, sentando.
A conversa na mesa é leve. Falam sobre investimentos, futebol, a nova assistente da firma que virou motivo de apostas sobre quanto tempo vai aguentar o estresse. Eu sorrio de vez em quando, finjo participar, mas minha atenção está dispersa.
Pelo menos até meus olhos pousarem no balcão.
Ela está de costas, mas sua presença me prende de imediato. A garçonete.
Cabelos castanhos presos num coque malfeito, uma camiseta preta colada ao corpo e movimentos precisos, quase automáticos.
Ela limpa o balcão com foco, como se cada centímetro limpado fosse uma batalha vencida. Mas há algo nos ombros — um peso, uma tensão. Não é só cansaço. É mais do que isso.
Algo dentro de mim reconhece aquela dor.
Como se ela também estivesse tentando se manter inteira por fora enquanto tudo dentro dela ruía.
Ela se vira rapidamente para pegar uma bebida e nossos olhos se cruzam por um breve segundo. E ali, por um momento ridiculamente pequeno, eu esqueço como respirar.
Ela desvia o olhar e volta ao trabalho.
Mas eu continuo olhando.
Me levanto sem pensar. Nem digo nada aos caras. Sigo em direção ao balcão com os olhos nela, como se algo além de mim me empurrasse. Não é sede. Não é curiosidade. É aquele tipo de impulso que você não explica.
Ela termina de entregar um drinque a uma mulher no canto e se vira para mim. Os olhos castanhos me encaram, atentos, mas não hostis.
— O que vai ser? — pergunta com um sotaque leve, talvez brasileiro.
— Uma cerveja, por favor. Qualquer uma amarga o suficiente pra me fazer esquecer a semana.
Ela dá um sorrisinho discreto, e pela primeira vez em meses, eu sinto o ar nos pulmões de um jeito diferente.
— Temos uma IPA que faz isso bem. — Ela se vira para pegar a garrafa e a coloca à minha frente com agilidade.
— Você parece saber do que está falando — comento, tentando não soar idiota.
— Trabalhar aqui há dois anos me deu um diploma informal em ressacas — responde, rindo baixo.
O som me atinge com força. Leve, sincero, bonito. Faz tempo que não escuto alguém rir assim, sem filtro, sem esforço.
— Parece que eu vim ao lugar certo — digo.
— Às vezes parece que todos vêm. Sexta-feira costuma ter esse efeito nas pessoas.
Ela está sendo simpática, como se fosse natural, mas algo no jeito como ela fala... me prende. Há cansaço na voz, um fundo de exaustão que não combina com o sorriso.
— O clima hoje estava estranho, né? Abriu sol em Londres. Isso sempre me deixa desconfiado — comento, sem graça, só pra prolongar a conversa.
Ela sorri de novo.
— Também fico desconfiada quando o céu decide ser gentil. É quase como se estivesse pedindo desculpas por alguma tempestade futura.
O comentário me surpreende. Inteligente. Poético. Real.
Penso em dizer mais alguma coisa, puxar outro assunto qualquer, perguntar seu nome — mas não dá tempo.
— Raaavi! — Pedro grita do outro lado do pub. — Vai se declarar pra bartender ou vai beber com os amigos?
Ela ri de novo, dessa vez tapando a boca com os dedos.
— Seus amigos parecem animados.
— Eles falam demais. — Pego a garrafa e a encaro por mais um segundo. — Obrigado.
— Disponha.
Volto pra mesa com a sensação esquisita de que algo pequeno — quase imperceptível — acabou de mudar.
Não sei o nome dela.
E pela primeira vez em muito tempo...
Daniel já havia ido embora fazia alguns minutos, mas o silêncio ainda pairava no apartamento como se estivesse impregnado nas paredes. Eu estava sentada na bancada da cozinha, balançando as pernas devagar no meu vestido florido, enquanto Ravi guardava a louça com uma calma que parecia ensaiada. Ele não falava nada, mas percebia-se pela rigidez dos ombros que ainda estava processando tudo o que ouvira.— Ele é bom — falei, quebrando o silêncio. Minha voz soou baixa, mas convicta. — Eu gostei dele. Confiaria em Daniel.Ravi me olhou por cima da pilha de pratos antes de guardá-los no armário. O brilho escuro em seus olhos sempre me desconcertava.— Ele é excelente. Um dos melhores. — Secou as mãos em um pano e apoiou-se na bancada ao meu lado. — Se há alguém capaz de nos ajudar a derrubar Roger, é ele.Assenti, deixando que minhas pernas balançassem mais rápido. O coração parecia um pássaro preso dentro do peito, batendo contra as grades. Respirei fundo, tentando colocar em palavras algo
Quando abri a porta do apartamento, o cheiro de flores frescas misturado com comida caseira me recebeu de imediato. Encontrei Manu sentada à mesa, ajudando Rosa a ajeitar um arranjo no vaso de vidro.— Eu disse para ela não se esforçar, Ravi — Rosa reclamou assim que me viu entrar, os olhos semicerrados em fingida bronca. — Mas essa menina não fica quieta.Manu ergueu o rosto na minha direção, com um sorriso pequeno e desafiador.— Estou só mexendo os braços. Não conta como esforço.Não consegui segurar a risada.O simples fato de vê-la com cor no rosto, trocando provocações com Rosa, já era uma vitória. Toquei de leve o ombro de Daniel, que me acompanhava.— Manu, este é Daniel.Ela se levantou um pouco da cadeira, tímida, e estendeu a mão. Ele apertou com a polidez natural de quem passa a vida em escritórios e tribunais.— Prazer em conhecê-la, Manu. O Ravi já me falou bastante sobre você.Os olhos dela buscaram os meus como se perguntassem quanto eu havia falado. Respondi com um ol
Rosa colocou o prato à minha frente com aquele olhar sério e maternal que já me fazia sorrir.— Vamos, menina, coma tudo. — Ela cruzou os braços, como se esperasse que eu obedecesse. — Precisa se alimentar direito, não é só por você, mas por essa criaturinha aí.Olhei para o prato cheio e suspirei. Não estava acostumada a tanta fartura, muito menos a alguém me vigiando para ter certeza de que eu comeria. Mesmo assim, peguei o garfo e provei a salada fresca. O sabor me surpreendeu.— Rosa… posso perguntar uma coisa? — falei, entre uma garfada e outra.Ela se sentou diante de mim, os olhos atentos. — Claro, querida.— Você sempre trabalhou aqui com o Ravi? — minha voz carregava curiosidade genuína.O sorriso dela se abriu, cheio de lembranças. — Não exatamente aqui. Eu trabalhava para os pais dele, quando ainda moravam na fazenda. Cuidava da casa, ajudava na cozinha, às vezes até olhava o pequeno Ravi quando a mãe dele precisava de um tempo. — Ela deu uma risadinha baixa. — Já o vi corr
O relógio de parede marcava nove horas da manhã quando Daniel entrou no meu escritório. Fechei a pasta que tinha à minha frente e gesticulei para que ele se sentasse. Não era uma reunião qualquer. Não era sobre contratos ou fusões. Era sobre Manu — e sobre o homem que se dizia marido dela.— Trouxe o que pediu — disse ele, tirando alguns papéis da pasta de couro. — Mas adianto que não vai gostar.Estiquei a mão e puxei os documentos. Fotocópias de registros, relatórios internos, até uma ficha de lotação. O nome estava ali em letras nítidas: Roger Martins. Investigador da Polícia Metropolitana de Londres.Senti a mandíbula travar. Passei os olhos pelas páginas duas vezes, como se precisasse de certeza.— Investigador… — repeti, baixo, mais para mim do que para ele.Daniel assentiu, cruzando as pernas.— E não é qualquer um. Tem reputação de bom policial, ficha limpa. Nenhum processo administrativo. Para todos os efeitos, um profissional exemplar.— Exemplar… — deixei escapar uma risada
Três dias.Três malditos dias desde que ela sumiu sem deixar um rastro.Entro na casa e o silêncio me engole. O relógio da parede marca cada segundo como um martelo batendo na minha cabeça. O sofá ainda tem a marca da última vez que ela sentou ali, a almofada afundada, e eu me pego olhando para aquilo como um idiota, tentando entender como Manu teve coragem. Coragem de sair, de desaparecer… de quebrar o pacto sagrado que firmamos diante de Deus.Respiro fundo e caminho pela sala, os passos ecoando no vazio. O cheiro dela ainda está impregnado nas paredes, no lençol da cama que agora parece fria demais. Abro o guarda-roupa só para ver se minhas suspeitas são reais: algumas roupas faltando, mas não todas. Esperta. Ela levou só o bastante para que eu acreditasse que está perto, que ainda vai voltar. Porque ela vai voltar.Hoje de manhã fui até os vizinhos. Toquei campainhas, sorri como se nada tivesse acontecido. Perguntei se alguém tinha visto Manu nos últimos dias. Usei a desculpa perfe
O apartamento estava silencioso quando entrei. A chave girou na fechadura com o som metálico de sempre, mas meu coração acelerava mais rápido que o normal. Carregava o buquê com cuidado, como se fosse algo sagrado. E, de certa forma, era.Caminhei pela sala com passos suaves, e foi então que a vi.Manu estava deitada no sofá, a televisão ligada em algum programa qualquer, mas o som baixo não escondia o ritmo tranquilo da respiração dela. Dormia profundamente, como se o corpo tivesse finalmente encontrado um abrigo. As pernas estavam dobradas, cobertas por uma manta leve que, com certeza, Rose havia colocado ali. Os cabelos caíam em ondas pelo rosto e pelos ombros, espalhando-se pelo estofado.Parei.Senti como se meu corpo tivesse sido ancorado naquele instante. Tudo em mim gritava para me aproximar, mas não queria romper aquela paz rara que ela parecia carregar.Deixei o buquê sobre a mesa de centro e me ajoelhei diante do sofá. Apoiei os braços no estofado, observando-a em silêncio.
Último capítulo