Capítulo 5: Manoela Ferraz

1 mês depois...

O barulho abafado do corredor da faculdade mal chega até mim, escondida naquele pequeno boxe do banheiro feminino. Sento-me no vaso, os joelhos apertados contra o peito, o corpo encolhido tentando conter o turbilhão que explode dentro de mim.

Nas minhas mãos, o teste de gravidez. O objeto que carrega o peso de todas as últimas semanas, de todas as decisões que me escaparam das mãos.

Foi um mês difícil — talvez o mais difícil da minha vida.

Desde que meu pai começou a adoecer, tudo mudou. Aquele homem forte e teimoso que sempre foi meu porto seguro, meu chão, agora mal conseguia sair da cama. As noites viraram longas vigílias, entre remédios que não faziam efeito, consultas marcadas e um vazio crescente que só me consumia.

Eu tentava ser forte, até onde dava. Mas o trabalho no bar, as aulas na faculdade e o cuidado com ele começaram a pesar demais.

Naquela manhã, a bomba: fui demitida do bar. Eles precisavam de alguém que pudesse estar lá o dia todo, e eu não podia, não mais.

Saí da casa do Ravi com o coração apertado e a mente nublada, e horas depois recebi a notícia que derrubou o pouco de chão que me restava.

Sem emprego, sem dinheiro suficiente para a internação do meu pai, e a faculdade que sempre foi meu sonho ficando em segundo plano, mais uma vez.

Agora, ali, sentada no banheiro da faculdade, com o silêncio pesado ao redor, minhas lágrimas começam a escorrer sem controle.

Olho para o teste nas minhas mãos, a respiração falha, o peito apertado, sabendo o que provavelmente vou ver.

A espera é cruel, cada segundo parece um castigo.

O medo, a insegurança, a esperança e a dúvida se misturam em um nó impossível de desfazer.

Sei que a vida não vai ser mais a mesma depois disso.

E enquanto o resultado aparece lentamente, um frio gelado me percorre — pronta para encarar o que vier, mesmo que doa.

O símbolo aparece.

Duas linhas.

Duas.

Mesmo com os olhos marejados, borrando a imagem, não há como negar. Está ali. Claro. Definitivo.

Positivo.

Um soluço escapa da minha garganta, e eu me curvo para frente, escondendo o rosto entre as mãos. O choro vem, abafado contra os joelhos, mas intenso o suficiente para me deixar sem ar. Um lamento mudo, como se eu estivesse desabando por dentro enquanto o mundo lá fora continua girando sem saber que tudo, absolutamente tudo, acabou de mudar.

Estou grávida.

Estou grávida… e sozinha.

O nome dele invade minha mente como uma punhalada: Ravi. A noite em que tudo mudou, em que eu me deixei levar, tentando esquecer a dor. Um momento de fuga, e agora… isso.

A dor no peito aperta. Não sei se é medo, culpa, ou apenas o desespero da realidade me engolindo inteira.

Meu pai está doente. Eu não tenho emprego. Minha faculdade está por um fio. E agora… isso.

Uma vida. Uma responsabilidade que cresce dentro de mim mesmo enquanto tudo ao redor parece desmoronar.

Levo alguns minutos até conseguir respirar de forma menos irregular, até as lágrimas secarem o suficiente para que eu possa me mover. Meus dedos ainda tremem quando limpo o rosto com a manga da blusa, tentando parecer um pouco menos despedaçada do que me sinto.

Guardo o teste na bolsa como quem esconde uma bomba prestes a explodir e destravar tudo.

Saio do banheiro com passos lentos, tentando não chamar atenção, mesmo sabendo que meu rosto vermelho e os olhos inchados denunciam o que as palavras ainda não conseguem explicar.

Cruzo o pátio da faculdade como se estivesse flutuando, distante, desconectada. Cada passo é pesado, arrastado, como se eu carregasse nos ombros o peso do mundo. E talvez esteja.

Chego ao ponto de ônibus e me sento no banco de madeira, abraçando o próprio corpo, enquanto o vento frio de Londres me corta o rosto. O ônibus chega. Entro sem nem perceber o caminho, apenas seguindo o fluxo automático do corpo. Me sento na janela e encosto a cabeça no vidro gelado. As ruas de Londres passam por mim como vultos borrados — prédios, luzes, gente. Todos com suas rotinas, suas dores, suas vidas. Enquanto a minha está em pausa, à beira de um abismo que não sei se vou conseguir cruzar.

Levo a mão ao ventre, ainda sem saber se aquele toque é de carinho, negação ou desespero. O hospital aparece à frente. Desço do ônibus com o coração apertado. Cada passo pelo corredor branco ecoa nos meus ouvidos como se chamasse atenção demais para mim, como se todos soubessem, de alguma forma, do caos que carrego no peito. Aperto a alça da bolsa contra o ombro, tentando manter a compostura. Tento respirar fundo, mas o ar parece preso em algum lugar entre a garganta e o coração.

Chego à ala em que meu pai está internado. Os mesmos corredores de sempre, as mesmas luzes frias, o mesmo aperto no peito.

Empurro a porta devagar, como quem teme o que vai encontrar.

Ele está ali, deitado como sempre, tão diferente do homem forte que me ensinou a andar de bicicleta, que brigava comigo por não colocar casaco no frio e que chorou calado no aeroporto quando me despedi para vir a Londres.

Agora, sua pele está mais pálida, os olhos mais fundos. Os aparelhos ao redor emitem bipes lentos e constantes, quase como uma canção triste, dessas que a gente ouve quando já sabe o final.

A tuberculose não avançou mais, graças ao tratamento… mas também não regrediu. Ele segue ali, estável, suspenso, como se vivesse entre a vida e algo que insiste em puxá-lo para longe de mim.

Me aproximo e me sento na beira da cama, com cuidado para não mexer nos fios. Meus dedos buscam os dele, magros e frágeis agora, e os envolvem com delicadeza.

— Oi, pai… — minha voz sai baixa, rouca de tudo o que segurei até agora.

Seus olhos se abrem devagar. Um pequeno sorriso tenta surgir em seus lábios ressecados. Ele me olha como sempre olhou: como se eu fosse sua maior conquista.

— Oi, minha pequena… — a voz sai fina, um sussurro quase irreconhecível, engolida pela tosse que vem em seguida e que ele tenta conter com dificuldade.

Pego o copo com água ao lado da cama e o ajudo a beber um gole, apoiando a cabeça dele com a outra mão. Ele bebe pouco, e mesmo esse pouco parece exigir esforço demais.

— Você foi na aula hoje? — ele pergunta, tentando manter a conversa como se tudo estivesse bem.

— Fui… — minto. Ou talvez não completamente. Eu estive na faculdade. Só não consegui ficar.

Ele assente devagar, cansado. Seus olhos me observam com atenção. Talvez ele perceba meu rosto abatido, ou os olhos inchados. Talvez saiba que tem algo errado.

Mas ele não pergunta. Porque é assim que sempre foi entre nós. Ele espera que eu fale quando estiver pronta. E talvez, por agora, isso seja tudo o que eu preciso.

Ficamos em silêncio por alguns minutos. Apenas o som dos aparelhos preenchendo o quarto. Eu, com os dedos entrelaçados aos dele. Ele, olhando para mim como se isso já bastasse.

Então, sua mão aperta a minha, fraca, mas firme o suficiente para fazer meus olhos marejarem outra vez.

— Manu… — ele diz, com esforço — eu sei que às vezes parece que o mundo está contra a gente… mas você é mais forte do que pensa.

Eu mordo o lábio, lutando contra a onda de emoção.

— Eu não sei, pai. Às vezes parece que eu tô afundando.

Ele sorri, aquele sorriso pequeno e torto, mas cheio de verdade.

— Você sempre flutua, filha. Desde pequena. Sempre encontra um jeito de nadar… mesmo no mar mais bravo.

As lágrimas finalmente escorrem.

— Eu tenho medo.

— Eu também — ele responde com honestidade. — Mas uma coisa nunca vai mudar.

Eu o encaro, os olhos marejados se encontrando.

— O quê?

Ele sorri mais uma vez, fechando os olhos por um instante.

— Eu te amo, minha pequena.

Me inclino sobre ele, encostando minha testa na dele, o coração apertado, partido, inteiro.

— Também te amo, pai. Muito.

E ali, naquele quarto de hospital, com o peso do mundo nas costas e uma vida nova crescendo em silêncio dentro de mim, tudo o que consigo fazer… é continuar segurando sua mão.

Só por mais um pouco.

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