Ela nasceu em uma prisão dourada. Ele escapou de um inferno em chamas. Isabelle Lins é a filha perfeita do império Lins, uma das famílias mais poderosas do país. Criada com luxo, regras rígidas e segredos abafados, ela tem tudo... menos liberdade. Quando seu avô, um magnata autoritário, a obriga a noivar com um político corrupto, Isabelle tenta fugir de sua própria vida , e é assim que ela encontra Dante. Dante Moreno é um homem misterioso, marcado por cicatrizes do passado e um olhar que parece atravessar qualquer mentira. Ninguém sabe quem ele é. Ninguém deveria saber. Ele é o herdeiro legítimo de uma fortuna que foi roubada. E agora, ele quer vingança. O que ele não esperava era se apaixonar pela única mulher que não pode ter. Ela é o alvo. Ele é o inimigo. Mas juntos, eles são a faísca que pode queimar um império inteiro.
Ler maisO luxo tinha som.
Não era o som do riso, nem da vida. Era um ruído abafado, controlado, como o de portas que se fecham com discrição. Era o ranger sutil dos sapatos caros contra o mármore branco. O tilintar cuidadoso de talheres de prata sobre porcelana francesa. O clique quase imperceptível das câmeras de segurança ocultas nas esquinas de cada cômodo. Era essa sinfonia de contenção que acordava Isabelle Lins todas as manhãs. O quarto dela era maior que muitos apartamentos. O teto era alto, com afrescos pintados à mão por um artista europeu que ninguém lembrava o nome, mas cujo valor constava em uma ficha técnica arquivada por um assessor do avô. As cortinas de linho egípcio filtravam a luz como véus, tingindo a manhã de dourado pálido. Tudo ali exalava opulência, harmonia, perfeição e ausência. Ela se sentou na beira da cama sem dizer nenhuma palavra. Estava ali, como em todas as manhãs, mas o corpo parecia não pertencer ao espaço. Sentia-se como uma peça de decoração bela, bem posicionada, mas imóvel. Os pés tocaram o chão de mármore e, por um segundo, ela desejou que ele estivesse frio, gelado, cortante. Mas era aquecido. Sempre aquecido. Aquilo também a irritava. Antes que pudesse pensar mais, a porta se abriu sem um som. Dora, a governanta, entrou com passos treinados para não perturbar. — Bom dia, senhorita Isabelle. O chá de lavanda já está pronto. Também trouxe as roupas aprovadas para hoje — disse, colocando uma bandeja prateada sobre a mesinha lateral. Isabelle apenas assentiu com a cabeça. Evitava falar de manhã. Era o único momento do dia em que ainda sentia que tinha algum controle, mesmo que fosse apenas sobre o silêncio. Pegou a xícara e levou aos lábios. Estava morna, no ponto exato. Nada naquela casa jamais escapava do controle. Exceto, talvez, ela mesma. Mas mesmo isso era uma ilusão. Levou mais tempo que o necessário para escolher a roupa. Não por indecisão, mas por resistência. As opções estavam dispostas em uma arara discreta no canto do quarto. Nenhuma delas havia sido escolhida por ela. Todos os tecidos, cortes, cores e acessórios passavam por uma curadoria rigorosa feita por uma estilista pessoal, aprovada por seu avô, claro. O estilo era clássico, discreto, atemporal. Como deveria ser uma Lins. Como deveria ser a mulher que ele projetara para o futuro que havia decidido por ela. Ao vestir o conjunto de seda marfim com botões dourados, Isabelle se olhou no espelho. Havia beleza ali, mas era uma beleza impessoal, esculpida como uma estátua de museu. Cabelos presos em um coque baixo, maquiagem natural, postura impecável. Tudo estava certo. Tudo estava errado. Desceu as escadas com leveza, como se pisasse em ovos de cristal. Mesmo com os saltos baixos, não fazia ruído. Fora treinada para isso. Toda a sua infância havia sido um treinamento. Educação bilíngue, etiqueta, piano, história da arte, oratória, direito constitucional. E silêncio. Muito silêncio. Na sala de café, o avô já a esperava. Armando Lins estava sentado à cabeceira da mesa longa, folheando o jornal como quem folheia um relatório de lucros. Vestia um terno cinza escuro, mesmo estando em casa. Não usava óculos, mas tinha uma lupa de leitura em prata ao lado do prato. À sua frente, um bule de prata fumegava, e um prato com fatias de frutas perfeitamente dispostas esperava sem ser tocado. Ele não levantou os olhos quando ela entrou. — Sente-se, Isabelle. Ela obedeceu sem falar. Sabia que as primeiras palavras do dia viriam dele. E viriam como ordens. — Hoje você almoçará com a dona Heloísa Marques. A fundação quer sua imagem no novo projeto social que lançaremos. Se comporte. Não sorria demais. Não fale de política. Não cruze as pernas na frente dela — disse, virando a página do jornal. Isabelle apenas assentiu. Heloísa Marques era uma socialite conhecida, fundadora de uma organização de caridade que ajudava meninas pobres e que servia, na prática, como vitrine filantrópica para políticos e empresários em busca de capital social. Isabelle sabia disso. Sabia de quase tudo. Inclusive da porcentagem de dinheiro que nunca chegava às meninas. Mas não dizia nada. Aprendera a engolir verdades como pílulas amargas. — E esta noite — continuou o avô, servindo-se de café — jantaremos com os Barreto. O Alexandre estará lá. Você vai sentar ao lado dele. Houve uma pausa. Isabelle encarou o avô, mas ele não retribuiu o olhar. — Então é real — disse ela, enfim. — Claro que é real. Sempre foi. Vocês estão sendo preparados para isso desde que tinham quinze anos. A aliança entre os Lins e os Barreto será a união de duas fortalezas. Ele já está despontando como favorito nas próximas eleições. Com você ao lado dele, a imagem será perfeita. Isabelle sentiu um gosto metálico na boca. — Eu não amo Alexandre. Armando soltou um breve riso, seco. — E desde quando amor tem algo a ver com isso? Ela olhou para o prato de frutas. As fatias de manga, morango e kiwi formavam uma composição estética perfeita. Mas tudo ali parecia plástico. — Você não me perguntou o que eu quero — disse ela, mais para si mesma do que para ele. O jornal parou. Os olhos dele, enfim, encontraram os dela. Olhos frios. Azuis e gelados como o céu de inverno em Brasília. — Isabelle. Você é uma Lins. E os Lins não querem. Os Lins executam. Ela sentiu algo trincar dentro do peito. Um som interno, quase físico. Como se um pequeno osso tivesse se quebrado, mas ninguém pudesse ver. — Está dispensada — disse o avô, voltando ao jornal. — Vista-se com algo apropriado. Discreto, mas memorável. E sorria. Só quando for necessário. Isabelle se levantou com calma. Passou pela porta sem olhar para trás. O sol do jardim estava forte, refletindo nos espelhos d’água que ladeavam o caminho de pedras portuguesas. As flores estavam abertas, o vento era morno. Mas nada disso importava. Não havia vida ali. Apenas fachada. Enquanto caminhava até o ateliê de sua mãe — um espaço preservado, mas trancado à chave, onde só ela tinha permissão para entrar — Isabelle sentia as paredes da mansão a observarem. Como se a própria casa fosse cúmplice do avô. Como se tudo ali, desde os corredores silenciosos até os talheres brilhantes, estivesse a serviço de um único propósito: manter as correntes douradas bem polidas. Ela entrou no ateliê, fechou a porta e trancou. O único lugar onde se permitia respirar. Ali, entre quadros inacabados, diários antigos e telas cobertas de poeira, ela era só Isabelle. Não Lins. Não prometida. Não controlada. Ela sentou diante da janela. E pela primeira vez em dias, deixou uma lágrima cair. Não pela tristeza. Mas pelo que viria depois dela. A vontade. O desejo. A faísca.O almoço foi organizado com toda a pompa de uma recepção diplomática.Toalhas brancas esticadas com perfeição, taças de cristal reluzindo ao sol como se estivessem em cena, garçons de luvas impecáveis deslizavam silenciosos entre as mesas com a precisão de um balé ensaiado. No jardim dos fundos, cortinas de linho balançavam ao vento leve, enquanto arranjos florais em tons pastel davam o toque de falsa delicadeza ao teatro montado. Tudo ali exalava uma sofisticação ensurdecedora — e artificial.Isabelle observava tudo com olhos vazios, como quem assiste a um espetáculo do qual não se lembra de ter aceitado o papel principal. A maquiagem perfeita escondia as olheiras mal dormidas. O vestido apertava sua cintura com a mesma rigidez com que o controle sobre sua vida estava sendo imposto. Nada naquele cenário parecia real. Nem os sorrisos, nem os aplausos, nem os brindes. Nada, exceto o aperto que se formava em seu estômago, ácido e persistente, como se seu próprio corpo a alertasse de que
Rafaela chegou duas horas depois, entrando pela porta lateral da mansão como fazia desde a adolescência, quando aprendeu que, naquela casa, cada olhar carregava julgamento, cada corredor tinha ouvidos. Era seu ritual silencioso de rebeldia: evitar a entrada principal, os olhares dos empregados, os comentários dos parentes.Ela nunca pertencerá àquele mundo ou, pelo menos, fingia muito bem que não. Era uma Lins por sangue, mas fazia questão de jamais ser uma por comportamento.Vestia jeans, uma camisa de linho amassada, o cabelo preso em um coque bagunçado. Livre. Real. Um contraste quase violento com os corredores perfeitos daquela mansão asséptica.— Que cara é essa? — disse assim que entrou no quarto, largando a bolsa de couro gasto sobre a poltrona. — Parece que alguém morreu.Isabelle ainda estava sentada à beira da cama, com os joelhos dobrados e as mãos entrelaçadas no colo. Seus olhos fixaram um ponto indistinto do chão, como se ali houvesse um abismo apenas ela pudesse ver.—
O café da manhã estava posto como um banquete silencioso.Pães artesanais recém-saídos do forno, frutas cortadas com precisão quase cirúrgica, ovos mexidos cremosos com toques de trufas brancas, geleias francesas servidas em pequenos potes de cristal com etiquetas douradas. A mesa principal da mansão Lins parecia uma pintura estática — não apenas bela, mas meticulosamente coreografada. Um espetáculo de controle.Cada garfo alinhado. Cada taça em seu exato reflexo sobre o mármore italiano. Cada objeto no lugar como se uma simples migalha fora de posição pudesse desmoronar os alicerces daquela casa de segredos e aparências.Isabelle estava sentada à mesa, imóvel, como se também fosse parte da decoração. As mãos repousavam no colo, os ombros eretos, o olhar distante. Entre as porcelanas de Limoges e o buquê de flores frescas no centro da mesa, ela parecia uma boneca bem treinada. Mas por dentro, tudo nela gritava.A noite anterior ainda latejava em sua mente, como uma ferida exposta que
O clube diplomático era um templo de mármore e pretensão.As colunas gigantescas pareciam erguidas para impressionar mais do que sustentar. Os lustres de cristal pendiam do teto como coroas invertidas, projetando reflexos dourados que dançavam nas paredes como ilusões. Tapetes importados abafavam os passos, e os corredores exalavam o cheiro sutil de riqueza antiga, preservada com zelo.Homens engravatados e mulheres em vestidos impecáveis se cumprimentavam como peças de xadrez, movendo-se com a precisão de um balé político. Cada gesto era ensaiado. Cada frase, uma moeda. O perfume era caro. Os sorrisos, falsos. As intenções, afiadas como punhais escondidos sob camadas de seda.Isabelle entrou no salão com o avô ao seu lado, como sempre. A mão dele repousava em suas costas com uma firmeza discreta, quase paternal, mas ela sabia o que aquilo significava. Era um lembrete silencioso e constante: você é uma extensão da minha vontade.Ela usava o vestido azul escolhido horas antes com nojo
O carro deslizava pelas avenidas arborizadas da zona nobre como um cisne solitário em um lago de porcelana: silencioso, elegante, alheio à realidade pulsante ao redor. As janelas escuras filtravam o mundo, transformando tudo em uma pintura suave e inatingível.Isabelle observava a cidade do outro lado do vidro, como quem assiste à própria vida acontecer com um atraso de décadas. Do lado de fora, tudo parecia cheio de cor, som e verdade: ambulantes discutiam preços com clientes apressados, crianças corriam entre os carros rindo alto, casais jovens se abraçavam em bares que cheiravam a fritura e liberdade. Aquela era a cidade real. Mas para ela, era só um cenário. Apenas um pano de fundo distante de um filme no qual ela jamais foi convidada a participar, embora sua imagem, ironicamente, estampasse os cartazes.O motorista parou em frente a um restaurante francês no Lago Sul. Discreto e requintado, era conhecido por abrigar reuniões silenciosas entre políticos e empresários que já não pr
O ateliê ainda guardava o cheiro da mãe, mesmo após anos de portas fechadas.Era um aroma indefinido, feito de tinta seca, madeira antiga e um perfume floral que ninguém mais usava. Isabelle respirava fundo toda vez que entrava ali, como quem tenta puxar do ar o vestígio de uma presença. A sala era ampla, com janelas que davam para o jardim interno. A luz entrava em feixes largos, atravessando partículas de poeira que dançavam no ar. As cortinas eram pesadas, mas estavam sempre entreabertas, como se ainda obedecessem o gosto da mulher que as escolhera.Luísa Lins. Filha legítima de Armando. Mãe de Isabelle. A única pessoa que já ousou desafiar o império por dentro e que pagará o preço por isso.Isabelle se aproximou da grande mesa central. Os pincéis ainda estavam lá, dispostos em potes de cerâmica. As tintas, em tubos fechados e outros ressecados. Algumas telas encostadas na parede mostravam traços firmes e cores vivas. Eram retratos fragmentados. Olhos sem rosto. Mãos que seguravam
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