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Capítulo 05: Convite para a Prisão

O café da manhã estava posto como um banquete silencioso.

Pães artesanais recém-saídos do forno, frutas cortadas com precisão quase cirúrgica, ovos mexidos cremosos com toques de trufas brancas, geleias francesas servidas em pequenos potes de cristal com etiquetas douradas. A mesa principal da mansão Lins parecia uma pintura estática — não apenas bela, mas meticulosamente coreografada. Um espetáculo de controle.

Cada garfo alinhado. Cada taça em seu exato reflexo sobre o mármore italiano. Cada objeto no lugar como se uma simples migalha fora de posição pudesse desmoronar os alicerces daquela casa de segredos e aparências.

Isabelle estava sentada à mesa, imóvel, como se também fosse parte da decoração. As mãos repousavam no colo, os ombros eretos, o olhar distante. Entre as porcelanas de Limoges e o buquê de flores frescas no centro da mesa, ela parecia uma boneca bem treinada. Mas por dentro, tudo nela gritava.

A noite anterior ainda latejava em sua mente, como uma ferida exposta que se recusava a cicatrizar.

O anúncio. O brinde. Os sorrisos plásticos. O flash das câmeras. O toque invasivo de Alexandre. E, mais do que tudo, o silêncio frio de Armando Lins — não como quem ignora, mas como quem já ganhou e não precisa mais falar.

Ela não havia dormido.

Passara a madrugada em pé na sacada, sentindo o vento bater no rosto como uma bofetada do mundo lá fora. Pensando no que significava ser uma Lins. Em quantas vezes ela fingia ser algo que não era para proteger algo que nunca quis.

Agora, sentada ali, com o aroma do café fresco e do pão de fermentação natural preenchendo o ar, ela sentia náusea.

Ela havia sido vendida.

Não era exagero. Não era drama. Não era metáfora.

Era real.

Negociada como um item valioso entre duas famílias que se consideravam donas do país. Como se seu corpo, seu futuro, sua vida fossem moedas de troca num tabuleiro de poder.

A porta do salão se abriu com um rangido controlado.

Ela não precisou olhar. O som do sapato engraxado tocando o mármore era inconfundível. Ecoava como uma sentença.

Armando Lins entrou como sempre: com a postura de quem não precisa pedir licença, porque já é o dono do lugar. Terno escuro sem um único vinco, gravata vinho alinhada ao centro. Cabelo grisalho penteado para trás. Rosto austero, expressão contida. A aura de um rei moderno — frio, implacável, calculista.

Ele caminhou até a cabeceira e sentou-se. Um dos criados correu para servi-lo antes que fosse necessário pedir. Café preto. Sem açúcar. Exatamente como ele gostava. Isabelle observou a cena com um misto de desprezo e impotência.

A vida naquele lugar era feita de rotinas bem ensaiadas. De regras silenciosas. De obediência disfarçada de tradição.

— Imagino que você já esteja ciente do anúncio — ele disse, sem sequer olhar para ela, como se a notícia não merecesse mais do que isso.

Isabelle não respondeu. Apertou o guardanapo de linho com força entre os dedos. Como se aquele tecido pudesse conter a revolta que latejava em sua garganta.

— Alexandre é um homem respeitado — continuou ele. — Tem boas conexões em Brasília. Um futuro promissor. Governador, talvez. Ou algo maior. Ele vai garantir que o nome Lins permaneça no topo, onde sempre pertenceu.

Ela ergueu os olhos. Seus ombros tremiam discretamente, mas sua voz saiu firme.

— Eu não amo Alexandre.

Foi como atirar uma pedra num lago congelado. A superfície quebrou. Mas o frio permaneceu.

Armando levou a xícara aos lábios e sorveu o café com calma. Apenas então respondeu, sem emoção:

— Amor é um luxo. Um luxo perigoso. Que não sobrevive à realidade. Você não precisa amá-lo. Precisa respeitá-lo. E, acima de tudo, representar bem esta família.

Isabelle sentiu o gosto amargo da indignação subir pela garganta. Uma mistura de café, mágoa e humilhação.

— Ele tem quase o dobro da minha idade. Me trata como um troféu. E você espera que eu aceite isso? Sem nem me consultar?

Pela primeira vez naquela manhã, Armando olhou para ela. Os olhos eram frios. Inescrutáveis. Como pedras enterradas no gelo.

— Eu não perguntei — respondeu ele, com a voz baixa e precisa — porque você não tem o direito de recusar. Você é uma Lins. E isso significa que seus desejos vêm sempre depois dos interesses da família. Sua mãe tentou fugir disso. E veja onde ela foi parar.

A menção à mãe caiu sobre ela como uma lâmina.

Isabelle cerrou os dentes. Sentiu a dor prender na nuca, mas não piscou.

— Não me compare a ela.

— Estou apenas dizendo que você tem dois caminhos. Um é o da obediência. Ele te dá proteção, prestígio e estabilidade. O outro é o da rebeldia. E esse... tem consequências. Já vi isso antes.

Ela se levantou com um movimento brusco. A cadeira rangendo contra o piso impecável soou como um grito na sala silenciosa.

— Eu não sou uma marionete.

Armando a observou como se ela fosse uma equação que ainda precisava ser resolvida.

— Ainda não — respondeu. — Mas com o tempo, talvez se torne uma mulher de valor.

Com a calma cruel de quem sabe que tem o tempo e o poder ao seu favor.

Isabelle saiu do salão sem olhar para trás. Seus passos ecoavam pelos corredores como se cada um dissesse: basta. Mas até ela sabia que não era tão simples.

Como fugir de um castelo sem portas?

Subiu as escadas ignorando os olhares discretos dos empregados. Todos sabiam. Todos fingiam. A casa inteira respirava silêncio e submissão.

Trancou-se no quarto.

A primeira coisa que fez foi arrancar os brincos. Lançou-os contra a parede com fúria. Depois pegou o bilhete de boas-vindas deixado por Alexandre, junto das flores, e rasgou em pedaços. Cada palavra escrita em tinta preta parecia uma corrente.

No espelho, viu a si mesma. O mesmo rosto. Os mesmos traços. Mas os olhos... Havia algo diferente ali. Um cansaço que não era só dela. Era ancestral. Era o cansaço das mulheres que vieram antes. Que foram caladas. Vendidas. Dobras nas paredes de uma dinastia construída sobre ossos femininos.

Pegou o celular com as mãos trêmulas. Digitou uma única mensagem. Um pedido seco. Direto. Mas desesperado:

"Preciso de você. Urgente."

E enviou para Rafaela.

A única pessoa que não a tratava como vitrine.

A única que ainda a enxergava como gente.

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