Marie se vê encurralada quando, depois de anos servindo em um mesmo quartel e já tenente em seu regimento, foi obrigada a ser remanejada para outro quartel general sob os comandos de um novo capitão. E para a sua sorte, ele não havia ido nada com a cara dela.
Leer másMarie POV
Durante toda a minha vida eu fui acostumada com as mudanças obrigatórias que eu precisava fazer. Estava sempre mudando de um estado para o outro, de um país para o outro, de uma casa para a outra. Nunca tinha tempo o suficiente para me apegar a nada e nem a ninguém. Isso com toda certeza era bem mais doloroso na infância, onde os amiguinhos da escola eram quase que minha segunda família. Principalmente por se tratar sempre de colégios militares. Mas não havia tempo para hesitação e nem sentimentos. "Mudanças são necessárias, Marie." Ouvia a voz de meu pai ecoar em minha cabeça enquanto eu fazia minhas malas roboticamente, nem mesmo prestando mais atenção no que fazia. Parecia que eu estava tendo um dejavú onde todas as minhas memórias do passado, dos tempos de escola, estavam voltando para me assombrar. Todas as despedidas, os amigos que ficaram para trás, os amores que nunca tive. Tudo vindo como um turbilhão em minha mente cansada. Como sempre eu estava vivendo como uma lata vazia, sendo chutada de um lado para o outro sem lugar certo. Ergui os meus olhos da minha mala recém feita e olhei em volta vendo minhas colegas de dormitório me encarando e murmurando coisas sobre mim como se me invejassem e eu não as culpo, talvez elas estivessem certas, afinal eu estava sendo promovida a um batalhão das forças especiais, mas esse nunca foi o meu plano. Nunca foi sobre a minha vida. Na verdade eu só obedeci meu pai me alistando ao completar a maioridade sem nenhuma pretensão a mais além de agradar a ele. Nunca almejei grandes conquistas e nem coisas que pessoas normais fazem, como faculdade, família e coisas assim. O grande problema era que eu havia sido criada para ser perfeita em tudo principalmente em meu trabalho, e isso sempre me destacava das demais, mesmo eu não querendo. Meu desejo sempre foi me manter anônima, na sombra de outros, assim talvez meus pais me esquecessem de vez e me deixassem respirar um pouco. Mas não existia mais escapatória, meu pai estava radiante com a ideia de que eu serviria no mesmo batalhão que ele quando jovem, até mesmo torcendo para que o Major amigo dele me reconhecesse pelo sobrenome. E bem - não me orgulho do que vou dizer - eu só cumpria tudo o que meus pais queriam. Mesmo estando cansada disso. Eu vivo assim a mais tempo do que posso contar nos dedos e isso já estava começando a me deixar frustrada. Porém eu não estava disposta a mudar, pelo menos não hoje, não agora. Não tenho motivos para mudar, tudo o que tenho hoje era graças a minha obediência cega. – Bom dia, tenente Kappel! Um soldado raso me cumprimentou devidamente assim que eu sai do dormitório feminino e eu acenei com a cabeça não me importando muito com as boas maneiras, estava cansada e estressada com a mudança. Olhei para a pasta que foi entregue a mim na semana anterior onde estavam as informações do vôo que eu pegaria agora pela manhã. E bem, além de ser forçada a mudar de quartel-general eu ainda seria realocada para outro país. Ao menos eles pagariam tudo, então eu não precisava me preocupar com isso. Na verdade, com o quê eu deveria me preocupar? Sempre me mantive sem laços emocionais em todos os lugares que eu fiquei, então com o que exatamente eu deveria me preocupar? Não tinha ninguém para me despedir, ninguém para sentir saudade de mim, ninguém para se importar comigo a ponto de me levar ao aeroporto e nem me ligar quando eu chegasse de viagem. Era apenas eu e eu. Já no aeroporto, recebi uma ligação e já sabia que era o meu pai. Tão cedo assim só poderia ser ele. Suspirei vendo o sol nascer lentamente pelas janelas do aeroporto e atendi sem muita vontade. Nunca fui uma grande fã de conversar com meu pai, pois na maioria das vezes a conversa consistia em apenas ele falando e falando em meus ouvidos. – Minha filha! Já chegou no aeroporto? Ele soava animado, mas completamente interessado no que eu ia fazer e não em mim exatamente. Olhei para os lados vendo algumas pessoas se moverem preguiçosamente de um lado para o outro. Realmente era um horário difícil de fazer qualquer coisa para cidadãos comuns. Fechei meus olhos por um momento e massageei uma de minhas têmporas com minha mão livre. – Sim, pai. Meu vôo sai em meia hora. Olhei para o meu relógio que marcava 4:30AM pontualmente. – Ótimo, pontualidade é...- Antes que ele pudesse completar sua mesma frase de sempre eu o fiz. – Pontualidade é a melhor virtude de alguém. Já sei. Disse entediada e pude ouvir a risada rouca dele do outro lado da linha. – E a mamãe? Já acordou? Perguntei olhando para os coturnos em meus pés e ele pigarreou. – Ela está passando nossas fardas e mandou um beijo para você. Mentiroso. Pensei. Ela definitivamente devia estar passando as fardas, mas com toda certeza não dava a mínima para o que eu fazia ou deixava de fazer. Essa era a dinâmica feliz da minha família. Um pai exigente e uma mãe presente ausente. Minha mãe não era a pessoa mais amorosa do mundo, na verdade não passava nem perto disso. Talvez seja porque ela queria ter um filho homem, ou porque eu era parecida demais com meu pai, mas ela não aparentava gostar muito de mim. Ao mesmo tempo, ela cuidava de mim como qualquer outra mãe. Quando pequena, eu sempre achava que a frieza dela tinha a ver comigo, mas com o passar dos anos percebi que pouco tinha a ver comigo, ela que era o problema. – Okay, pai, tenho que desligar, vou despachar minha mala. Menti em retribuição, já que já havia despachado minha mala assim que cheguei. – Tudo bem, se comporte, obedeça seus superiores e não envergonhe nossa família. E aí estava o velho Kappel rabugento. Eu não esperava nada mais do que isso vindo dele, e nem mesmo saberia o que responder caso ele dissesse algo mais emotivo do que isso. Suspirei e me despedi novamente, dizendo que faria o meu máximo, como sempre. Eu já não via meus pais fazia mais ou menos o tempo de militar que eu tinha, já que eles precisaram se mudar logo após o meu alistamento, mas eu não me importava. Eles eram distantes de qualquer forma. Agora, eles moravam em Dublin enquanto eu havia permanecido na Itália onde eu já havia me acostumado com o regime, a comida, o idioma e tudo mais. Mas é claro que eles tinham que me realocar para a Inglaterra. Além de uma cultura totalmente diferente, uma comida ruim e um clima pior ainda, eu havia escutado alguns rumores de que eu ficaria em uma força tarefa onde os integrantes eram todos estrangeiros. Ou seja, várias pessoas com várias culturas e personalidades. Muitas maneiras de muita coisa dar errado. Será que tinha como piorar? [...] Não tive muita dificuldade para chegar ao QG onde seria minha nova casa por tempo indeterminado, mas definitivamente o local me surpreendeu. Já estávamos no inverno, então as cercas altas com arame enfarpado estavam cobertas de neve e o campo na frente do imenso quartel-general estava com uma camada fina daquele tapete branco que a neve fazia. Existiam alguns edifícios de poucos andares mas ainda sim enormes em tamanho e proporção. Eles eram todos cinzas complementando toda a paisagem morta daquele lugar. Ah, vou sentir falta da Itália. Pensei saudosa. – Identificação, senhora. O provável cabo na guarita pediu ao me ver chegar de táxi então eu suspirei e, com dificuldade por causa das malas puxei minha identidade militar de dentro da minha bolsa. – Segunda tenente Marie Kappel. Ditei meu nome e patente e ele rapidamente bateu continência para mim como se tivesse se assustado. E olhando para frente com medo de me encarar ele diz: – Estão a sua espera, tenente. Afirmei ainda entediada e passei pela guarita vendo um outro soldado parado um pouco ao longe tremendo de frio. Ele era bem moreno, estatura mediana e cabelos lisos, certamente descendente de alguém indiano ou tailandês, algo do tipo, estava vestindo um traje militar comum, mas preto o que me chamou atenção. – Você é a Tenente Kappel? Assim que eu entrei em seu campo de visão ele perguntou e eu afirmei sem pensar muito, então ele também prestou continência mesmo quase congelando de frio e eu, pela primeira vez naquele dia, sorri um pouco. Aquele cara parecia ser gente boa. – Segundo sargento Vishal aos seus comandos, senhora! Com bastante veemência ele se apresentou e eu deixei meu sorriso ir aos poucos apenas balançando minha cabeça. – Okay, descansar, sargento. Só preciso que me informe onde fica o dormitório feminino e onde posso achar o capitão da equipe... droga, qual é o nome mesmo...? Tentei me lembrar do nome da força tarefa em que fui atribuída e vi os olhos dele brilharem. – Equipe Omni, senhora. E nosso grupamento não tem alojamentos separados. Comentou o sujeito de sotaque indiano enquanto me guiava para dentro do prédio principal do quartel-general e eu o olhei certamente com choque estampado em minhas feições. – Como assim? Eu vou ficar junto com os homens?! Um pouco chocada ainda com aquela notícia, eu perguntei parando no meio do caminho e o sargento olhou para trás rindo um pouco e estendendo a mão para me ajudar com a mala. – Nosso capitão queria que fôssemos unidos para manter a harmonia no campo de batalha. Ele explicou e mesmo assim eu permaneci chocada. Aquilo estava muito além de um pesadelo. Era o próprio inferno. Se conviver com mulheres no mesmo ambiente já era hostil, imagine homens! Eu teria que dormir com uma arma sob meu travesseiro. Preferia dormir com um urso...Narradora POVFinalmente ao chegarem no local da missão, os militares desceram do carro na formação que haviam sido designados por seu capitão.- Boa sorte, galera. Comentou Carlo baixinho seguindo Damon para o lado leste e Marie apenas acenou com a cabeça liderando o caminho oposto junto de Ravi, enquanto Dimitri apenas observava seus subordinados obedecerem suas ordens.Com escutas em seus ouvidos, eles continuavam a ouvir a voz do Capitão mesmo em uma distância considerável, então Marie bufou.Era mais do que irritante ter que ouvir aquele homem falando o tempo inteiro em seu ouvido, por mais que a voz grave e rouca dele fosse quase um ópio de tão viciante.Mas teria mais efeito sobre ela se ele simplesmente parasse de ser tão cretino.Ao longe, depois de passar por alguns containers, Ravi sinalizou silenciosamente para Marie mostrando que haviam dois homens de costas para eles. Eles estavam armados e eram consideravelmen
– A missão hoje é simples, vamos combater alguns traficantes arruaceiros nas docas.Totalmente concentrado e sério, o capitão Dimitri explicava do que se tratava a missão que eles teriam que cumprir e o papel de cada um nela.– Nosso trabalho é apenas um: Extermínio. O governo foi bem claro quando disse que não queria nenhum preso.Marie, um pouco surpresa, apenas balançou a cabeça em afirmação enquanto prestava atenção nas palavras daquele homem que, até então, ainda não havia conquistado seu respeito como capitão. Mas cá estava ela, tendo que se submeter a alguém que nem mesmo considerava como seu superior.Mesmo que a figura dele fosse ameaçadora, isso não significava nada para a garota que se via prestando atenção no movimento da cicatriz dele em seus lábios.Se não me engano isso parece ter sido feito por uma faca quente.Ela pensou enquanto analisava a cicatriz que transpassava seus lábios.Entretanto, de
Narrador POVO clima na sala piorou imediatamente quando todos ouviram as palavras ousadas da tenente que tinha mais coragem do que tamanho para enfrentar aquele homem.– O que... você enlouqueceu?!Dimitri ficou simplesmente chocado, não havia outra palavra para descrever o que ele estava sentindo além de choque, pois nem mesmo seus melhores soldados o haviam enfrentado daquele jeito.– Você pode ser nosso capitão, mas quem te dá o direito de se intrometer em nossas vidas, hein?!O rosto da garota estava vermelho de raiva, aquele cara havia ultrapassado os limites em sua visão, e mesmo que ela tivesse que ser expulsa do quartel ela o enfrentaria.Usando uma de suas mãos calejadas, Dimitri afastou o cabelo que cobria seus olhos escuros e observou a cena que considerava patética se desenrolar diante dele.Três homens, oficiais do exército, não faziam nada, como ratos encurralados, atrás de Marie, que o enfrentava corajosa.– Você vê isso? É por isso que odeio mulheres no meu local de t
– Então você morou na Itália? Damon perguntou com interesse genuíno e eu sorri enquanto estávamos almoçando todos juntos, exceto pelo capitão que não havia dado as caras desde o último exercício. – Sim, por sete anos.Respondi dando uma garfada em minha comida e Carlo suspendeu as sobrancelhas animado com aquela informação. – Então você parla italiano!Ele disse de boca cheia e eu afirmei fazendo um gesto de "pouco" com as mãos.– Non molto."Não muito" respondi. Vi ele parecer mais animado ainda.Era entendível, já que conhecer alguém que fala nosso idioma em um lugar como esses é uma garantia de que teria pelo menos um pouco de sua terra natal consigo.– E que outras línguas você fala, tenente?Ravi perguntou curioso e eu dei de ombros.– Podem me chamar só de Marie quando não estivermos em campo. Disse com um sorriso amigável e suspirei emendando:– E eu falo inglês, italiano e alemão.Pontuei vendo eles parecerem bem interessados. Me senti um pouco bem, como uma criança que es
Eu não sabia ao certo como me sentir com relação ao que eu havia acabado de ouvir, mas vi meus companheiros de quarto suspirarem em uníssono ao que o capitão deixou o dormitório. Parecia que eles estavam acostumados com aquele tipo de coisa, já que ninguém se deu ao trabalho de falar algo para aquele homem.– E isso são modos de falar com uma dama?Carlo comentou com o irmão do, até então, capitão do nosso grupo que por sua vez me olhou com um pouco de pena.– Eu sinto muito por isso, tenente. Meu irmão não acredita muito em... como eu posso dizer?Percebendo que Damon estava escolhendo muito as palavras que diria a seguir, eu dei um sorriso polido disfarçando o que eu verdadeiramente estava sentindo.Eu não sei porque eu ainda não me acostumei com essas coisas. Era tão recorrente e mesmo assim eu não conseguia achar aquilo normal.– É porque eu sou mulher, não é?Mesmo sabendo da resposta eu questionei e vi o quarto cair mais uma vez em um silêncio absoluto.Tanto Carlo quanto Ravi
– Vamos, precisamos nos apressar ou vamos perder o treinamento de campo!Ainda com um sorriso ele me guiou puxando minha mala edifício a dentro enquanto eu pensava em mil e uma maneiras de investir em outra carreira que não fosse no militarismo sem meus pais quererem me deserdar da família. Chegando em um prédio anexo ao principal, o sargento de sotaque indiano me apontou uma porta dupla no fim do corredor.– Esse é o nosso dormitório. Comentou e eu pisquei confusa.– Você também é dessa força tarefa?Perguntei surpresa e ele afirmou, confirmando os rumores de que realmente haviam estrangeiros naquele time que eles haviam formado.Assim que o Sargento Vishal abriu as portas eu pude ver duas beliches de aço e uma cama separada embaixo da janela, todas as camas tinham plaquinhas de identificação penduradas.[Subtenente D.Zervas]Dizia a primeira cama onde um homem aparentemente alto e de cabelos escuros lia algum livro motivacional tampando seu rosto.[2° Sargento R.Vishal]Aquela cam
Último capítulo