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Capítulo 5 – A Primeira Noite Sob o Mesmo Teto

O relógio da galeria marca nove da noite quando tia Helen anuncia que os quartos foram “preparados conforme o testamento”.

Quartos, plural.

Pelo menos é o que eu quero acreditar.

Mas quando subo a escada, cada degrau parece um prenúncio, e cada batida do meu coração confirma o que eu temo desde a leitura do documento:

Há uma única suíte principal em Valenhart Manor.

E, segundo o advogado, “coabitação harmônica” significa exatamente isso.

A porta se abre com um estalo lento.

O quarto é o mesmo de dez anos atrás, o mesmo teto alto, o mesmo tapete persa, a mesma cama de dossel que foi palco de beijos, brigas e promessas que ninguém cumpriu.

A diferença é o homem encostado na moldura da janela, as mãos nos bolsos e a postura de quem ainda acredita que o controle é uma armadura.

Adrien.

— Não se preocupe — ele diz, antes que eu respire. — Mandei preparar o sofá.

— Que cavalheiro — a ironia me escapa. — Acha mesmo que eu aceitaria dividir essa cama com você?

— Não. — ele responde, e o olhar que lança sobre mim é quase um toque. — Acho que você ainda se lembra demais dela.

O ar fica denso.

Acho que o tapete se move de leve, ou é só meu corpo vacilando.

— Eu me lembro de tudo. — digo, firme. — E é justamente por isso que não quero repetir nada.

Ele dá um passo. E depois outro.

O perfume dele me alcança.

— Engraçado. Você sempre disse que queria respostas. Agora que estamos cara a cara, não quer ouvir nenhuma.

— Quando eu quis conversar, você me abandonou vestida de noiva.

Silêncio.

Não o vazio. Um tipo de silêncio que tem temperatura e cheiro, o de algo prestes a acontecer.

Adrien me observa como quem tenta lembrar um idioma que já dominou e esqueceu.

Eu desvio o olhar, mas ele continua parado, perto o suficiente para que meu pulso me denuncie.

— Não é tão simples quanto você faz parecer, Lívia. — a voz dele baixa, rouca. — Nenhum de nós saiu inteiro daquela história.

— Não tente me comover. Você me quebrou e depois me enterrou viva junto com o seu orgulho.

Ele se aproxima mais um passo, e o tom muda, menos arrogância, mais provocação.

— E você voltou mesmo assim.

— Pelo testamento.

— Claro. — ele sorri de lado. — Só por isso.

— Não imagine outra coisa.

— Não preciso imaginar. — ele passa os dedos pela manga da minha blusa quando cruza por mim, a caminho da cama. — Está tudo aqui.

Meu corpo reage antes da minha mente.

Um arrepio sobe como fogo sob a pele.

Viro o rosto, forçando o ar a sair pelos pulmões.

— Está sonhando se acha que ainda tem esse poder.

— Sonhando, não. — ele diz, encostando a jaqueta no encosto da poltrona. — Lembrando.

O olhar dele para mim é o mesmo de antes. Intenso, insolente e absurdo.

Aquele olhar que dizia tudo o que as palavras nunca deram conta.

E eu odeio o fato de que meu corpo ainda entende a língua que ele fala sem som.

— Vá dormir no sofá, Adrien. — tento encerrar.

— O sofá tem molas quebradas. — ele tira o relógio do pulso. — Não seria uma boa noite para ninguém.

— Então ache outro lugar. Há dezenas de quartos nessa casa.

Ele se aproxima, encurtando a distância que eu tento manter.

— Mas só um testamento. — diz, a voz mais baixa. — E ele exige convivência.

— Conviver não é deitar na mesma cama.

— Depende da definição de harmonia.

O jeito que ele diz isso me deixa sem resposta.

A respiração dele toca meu rosto, e por um instante o quarto gira de um modo que não tem nada de sobrenatural. Tem a ver com o que ele desperta, com o que nunca morreu, com o que o orgulho tenta enterrar e o desejo insiste em ressuscitar.

— Você não vai conseguir me provocar. — minto.

— Eu nem comecei.

As palavras dele são uma faísca.

E tudo em mim é combustível.

Dou um passo para o lado, mas ele me acompanha.

— Não me olhe assim. — aviso.

— Como?

— Como se ainda me conhecesse.

Ele sorri, mas o sorriso não é bonito. É perigoso.

— E não conheço?

— Você não faz ideia da mulher que sou.

— Você fala como se isso devesse me assustar.

— Deveria.

Ele para diante da cama e passa a mão pelo lençol.

— Um de nós vai dormir aqui.

— Não vai ser eu.

— Então quer dizer que eu devo?

— Faz o que quiser.

Ele dá um meio riso, cansado.

— Essa sempre foi a nossa ruína, não é? Nenhum de nós aceita perder.

— Errado. — retruco. — Eu perdi faz tempo.

Ele ergue o olhar.

— Então por que ainda luta?

“Porque eu quero te destruir” é o que eu gostaria de dizer.

Mas antes que qualquer resposta saia, ele se aproxima o suficiente para que nossas respirações se misturem.

O tempo parece prender o ar entre nós.

Nenhum se move. Nenhum recua.

O olhar dele desce para minha boca.

O meu, por reflexo, o segue.

Um milímetro, talvez dois, nos separam do erro que nunca deixamos de cometer.

Mas ele recua primeiro.

Como sempre faz quando percebe que está prestes a se perder.

— Boa noite, Lívia. — diz, e a voz dele é um insulto e uma súplica ao mesmo tempo.

— Vá dormir. — respondo, com o coração em chamas.

Ele pega o travesseiro e o leva até o sofá.

Deita sem me olhar, e eu finjo não perceber que a respiração dele se altera cada vez que me movo na cama.

Fecho os olhos.

A distância entre nós é um campo de batalha.

E o que nos separa não é o passado, nem o orgulho, é o fato de que, se um de nós ceder, o outro vai queimar junto.

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