O cheiro do café queimado enchia o ar quando Elena entrou na cozinha da mansão na manhã seguinte. Seu corpo ainda doía em lugares que nem sabia existir, a tatuagem na coxa latejando como um lembrete cruel.
Vittorio já estava lá, impecável em seu terno cinza, lendo o jornal como se não tivesse arruinado sua vida — e seu corpo — na noite passada. — Bom dia, piccolina — ele murmurou, sem levantar os olhos. — Dormiu bem? Elena ignorou-o, pegando uma xícara com mãos trêmulas. Foi quando ouviu os passos. Leves. Femininos. E então viu ela. A mulher era um contraste gritante com Elena — loira, delicada, com um vestido rosa claro que destacava sua barriga arredondada. — Ah, então você é a famosa Elena — disse Giulia, com um sorriso doce como veneno. — Luca me contou tanto sobre você. Elena congelou, a xícara quase escorregando de seus dedos. — Você... — Está grávida do meu filho — Vittorio completou, finalmente fechando o jornal. — Sim. Sete meses. O mundo girou. Set meses. Luca a traíra antes mesmo do casamento. Giulia passou uma mão protetora sobre a barriga. — Meu bebê será o verdadeiro herdeiro Moretti — sussurrou, os olhos brilhando com desafio. — Não você. Elena sentiu algo quente e negro subir por sua garganta. — Sai da minha frente — rosnou, avançando. Vittorio interceptou-a com um braço, puxando-a contra seu corpo. — Chega — ordenou, mas Elena já tinha visto — um brilho de aprovação em seus olhos. Ele gostara da sua raiva. O pequeno-almoço foi uma tortura. Giulia sentou-se à direita de Vittorio, falando sobre nomes para o bebê como se fosse uma família perfeita. — Luca quer que se chame Vittorio, claro — ela disse, lambendo os lábios depois de provar o suco. — Em homenagem ao avô. Elena esmagou seu croissant com os dedos. — Luca não tem direito a nada — ela cuspiu. — Fugiu como um rato. Giulia fez um berro dramático. — Ele fugiu por amor! Vittorio finalmente ergueu uma mão. — Giulia. — Sua voz era gelada. — Você vai para o leste hoje. O médico vai examinar você. A loira empalideceu. — Mas eu quero ficar... — Não foi uma sugestão. Quando os guardas a levaram, Giulia lançou um último olhar de ódio a Elena. — Ele nunca vai te amar — sussurrou. — Você é só um troféu. A porta fechou-se com um clique final. Elena esperou até ouvir os passos de Giulia desaparecerem antes de se virar para Vittorio. — Você sabia. Não era uma pergunta. Vittorio encheu lentamente seu copo de whisky às 9 da manhã. — Claro que sabia. — E você deixou que eu me casasse com ele assim mesmo? Ele finalmente a olhou nos olhos. — Eu planejei isso. O ar saiu dos pulmões de Elena. — O... quê? Vittorio levantou-se, aproximando-se como um tubarão em águas escuras. — Você acha que foi coincidência Luca te escolher? — Ele riu, frio. — Eu ordenei que ele se casasse com você. Porque desde o dia que te vi no seu aniversário de 18 anos... — Sua mão agarrou seu queixo. — Eu sabia que você seria minha. Elena tremia de raiva agora. — Então tudo foi... — Um jogo — ele completou, seus lábios a um centímetro dos dela. — E eu sempre ganho. Antes que ela pudesse responder, Vittorio beijou-a com posse, sua língua invadindo sua boca como um conquistador. E o pior? Elena beijou-o de volta. A noite caiu quando a notícia chegou. Um dos guardas entrou correndo na biblioteca onde Elena lia (ou tentava) um livro de poesia italiana. — Signorina... é Luca. Ele voltou. O copo de vinho caiu de sua mão, espatifando-se no chão como seu coração. — Onde? — No portão leste. Ele está armado e... — O guarda hesitou. — Ele diz que veio matar você. Elena sentiu algo estranho — não medo, mas fúria. — Leve-me até ele. Quando ela chegou ao pátio, a cena era surreal: Luca, seu ex-noivo, estava de joelhos com uma aranha na cabeça, sangrando pelo nariz. E Vittorio, de pé atrás dele com uma expressão que prometia morte lenta. — Elena decide— ele anunciou, jogando uma faca aos seus pés. — Ele vive ou morre? Luca ergueu o rosto, seus olhos cheios de lágrimas. — Por favor, Elena... lembra do que tivemos... Elena pegou a faca, sentindo seu peso. Lembrou-se de Giulia. Da barriga dela. Das mentiras. E sorriu. — Eu escolho... ... A faca pesava mais do que Elena esperava. O vento noturno enroscava-se em seu vestido fino enquanto ela estudava Luca ajoelhado – seu lábio sangrando, o olho direito inchado, as mãos atadas com arame farpado. O homem que jurara amá-la agora tremia como um animal acuado. — Por favor — Luca engasgou, o suor misturando-se ao sangue em seu rosto. — Ele está te manipulando! Você não é como eles! Vittorio observava tudo de três metros de distância, um cigarro aceso entre os dedos, o olhar impenetrável. — Cinco minutos— anunciou, soprando fumaça no ar gelado. — Depois, eu assumo. Quando seus passos ecoaram na direção da mansão, deixando-os sozinhos com dois guardas armados, Luca agarrou-se às pernas de Elena. — Foge comigo — sussurrou, desesperado. — Tenho dinheiro escondido. Passaportes falsos. Podemos sumir antes que ele— Elena cortou-o com uma risada amarga. — Você me trocou por ela.Me humilhou na frente de meio mundo. E agora vem com essa? — Inclinou-se, cravando a lâmina sob seu queixo. — Achas que sou tão patética? Luca engoliu em seco, a faca arranhando sua pele. — Eu… eu te amo, Elena. Ela viu o momento exato em que ele mentiu – um tremor no músculo da mandíbula, igual ao do pai. Click. O som do safety da aranha sendo liberado fez ambos se arrepiarem. Vittorio estava de volta, uma Glock prateada apontada para a nuca do filho. — Tempo acabou. Elena estudou os dois homens: - Luca, o traidor, com seu amor de mentira e bebê ilegítimo crescendo na amante. - Vittorio, o monstro que a marcou por dentro e por fora, mas que nunca mentira sobre seu desejo. A decisão veio com uma clareza cortante. — Quero falar com ele sozinha— anunciou, olhando diretamente para Vittorio. — No seu escritório. Os olhos do Don cintilaram com perigoso interesse. — Como quiseres, piccolina. O escritório cheirava a uísque e pólvora. Elena trancou a porta enquanto Vittorio se servia de um drink, indiferente ao sangue secando em suas próprias knuckles. — Eu poupo a vida dele — ela declarou. — Sob três condições. Vittorio ergueu uma sobrancelha, claramente entretido. — Estou ouvindo. — Primeiro: Giulia e a criança são banidas da Itália. Quero documentos assinados. — Aceito. — Segundo: Luca trabalha para mim agora. Como meu guarda-costas pessoal. Desta vez, Vittorio riu, um som profundo que ecoou nas paredes de carvalho. — Ironia cruel. Adoro. E a terceira? Elena aproximou-se, tirando-lhe o copo das mãos e bebendo o restante em um gole só. — Você me conta a verdade sobre sua primeira esposa. O silêncio que se seguiu foi tão denso que ela quase ouviu seu próprio coração batendo. Vittorio estudou-a como se visse através de sua alma, então puxou-a bruscamente para seu colo. — Matilde traiu-me — sussurrou, os dedos enroscando-se em seu cabelo. — Com meu irmão. Descobri-os na nossa cama, no dia do nosso aniversário. Elena sentiu o ódio velado em sua voz, mesmo depois de anos. — E você os matou. Ele encostou a testa na dela, os olhos fechados. — Só a ela.Deixei meu irmão viver… sem rosto, sem identidade, como um fantasma. — Abriu os olhos, a escuridão ali era absoluta. — Moral da história piccolina? Até os santos viram monstros quando empurrados ao limite. Elena compreendeu então – ele estava lhe dando um aviso. — Luca vive — ela decidiu, levantando-se. — Mas quero ele algemado ao meu lado até aprender lealdade. Vittorio sorriu, lentamente, como um tigre diante da presa. — Querido Deus, como te desejo agora. Quando o beijou, Elena sabia – acabara de fazer um pacto com o diabo. E o pior? Não se arrependia. O pátio estava iluminado por tochas quando retornaram. Luca ergueu o rosto, esperando a sentença de morte. — Levanta-te — Elena ordenou. Quando ele hesitou, um guarda chutou suas costas. — Você vai servir a Elena agora — Vittorio anunciou, enrolando um braço possessivo em sua cintura. — Se respirar perto dela sem permissão, corto teus pulmões. Se olhar para ela por mais de três segundos, arranco teus olhos. Luca engoliu em seco, mas acenou. — Sim, Don. Elena observou o ex-noivo ser arrastado para as masmorras, sabendo que sua vingança seria mais doce que uma morte rápida. Foi então que Vittorio a puxou contra seu corpo já excitado. — Agora — rosnou no seu ouvido — vou te foder até não conseguires andar, para lembrares de quem é o teu verdadeiro Don. Elena riu, desafiadora. — Prove. Quando ele a jogou sobre o ombro e marchou rumo aos aposentos, os guardas baixaram os olhos. Todos sabiam – a leoa tinha conquistado seu lugar ao lado do rei.