4

O cheiro do café queimado enchia o ar quando Elena entrou na cozinha da mansão na manhã seguinte. Seu corpo ainda doía em lugares que nem sabia existir, a tatuagem na coxa latejando como um lembrete cruel.

Vittorio já estava lá, impecável em seu terno cinza, lendo o jornal como se não tivesse arruinado sua vida — e seu corpo — na noite passada.

— Bom dia, piccolina — ele murmurou, sem levantar os olhos. — Dormiu bem?

Elena ignorou-o, pegando uma xícara com mãos trêmulas. Foi quando ouviu os passos.

Leves. Femininos.

E então viu ela.

A mulher era um contraste gritante com Elena — loira, delicada, com um vestido rosa claro que destacava sua barriga arredondada.

— Ah, então você é a famosa Elena — disse Giulia, com um sorriso doce como veneno. — Luca me contou tanto sobre você.

Elena congelou, a xícara quase escorregando de seus dedos.

— Você...

— Está grávida do meu filho — Vittorio completou, finalmente fechando o jornal. — Sim. Sete meses.

O mundo girou. Set meses. Luca a traíra antes mesmo do casamento.

Giulia passou uma mão protetora sobre a barriga.

— Meu bebê será o verdadeiro herdeiro Moretti — sussurrou, os olhos brilhando com desafio. — Não você.

Elena sentiu algo quente e negro subir por sua garganta.

— Sai da minha frente — rosnou, avançando.

Vittorio interceptou-a com um braço, puxando-a contra seu corpo.

— Chega — ordenou, mas Elena já tinha visto — um brilho de aprovação em seus olhos.

Ele gostara da sua raiva.

O pequeno-almoço foi uma tortura. Giulia sentou-se à direita de Vittorio, falando sobre nomes para o bebê como se fosse uma família perfeita.

— Luca quer que se chame Vittorio, claro — ela disse, lambendo os lábios depois de provar o suco. — Em homenagem ao avô.

Elena esmagou seu croissant com os dedos.

— Luca não tem direito a nada — ela cuspiu. — Fugiu como um rato.

Giulia fez um berro dramático.

— Ele fugiu por amor!

Vittorio finalmente ergueu uma mão.

— Giulia. — Sua voz era gelada. — Você vai para o leste hoje. O médico vai examinar você.

A loira empalideceu.

— Mas eu quero ficar...

— Não foi uma sugestão.

Quando os guardas a levaram, Giulia lançou um último olhar de ódio a Elena.

— Ele nunca vai te amar — sussurrou. — Você é só um troféu.

A porta fechou-se com um clique final.

Elena esperou até ouvir os passos de Giulia desaparecerem antes de se virar para Vittorio.

— Você sabia.

Não era uma pergunta.

Vittorio encheu lentamente seu copo de whisky às 9 da manhã.

— Claro que sabia.

— E você deixou que eu me casasse com ele assim mesmo?

Ele finalmente a olhou nos olhos.

— Eu planejei isso.

O ar saiu dos pulmões de Elena.

— O... quê?

Vittorio levantou-se, aproximando-se como um tubarão em águas escuras.

— Você acha que foi coincidência Luca te escolher? — Ele riu, frio. — Eu ordenei que ele se casasse com você. Porque desde o dia que te vi no seu aniversário de 18 anos... — Sua mão agarrou seu queixo. — Eu sabia que você seria minha.

Elena tremia de raiva agora.

— Então tudo foi...

— Um jogo — ele completou, seus lábios a um centímetro dos dela. — E eu sempre ganho.

Antes que ela pudesse responder, Vittorio beijou-a com posse, sua língua invadindo sua boca como um conquistador.

E o pior?

Elena beijou-o de volta.

A noite caiu quando a notícia chegou.

Um dos guardas entrou correndo na biblioteca onde Elena lia (ou tentava) um livro de poesia italiana.

— Signorina... é Luca. Ele voltou.

O copo de vinho caiu de sua mão, espatifando-se no chão como seu coração.

— Onde?

— No portão leste. Ele está armado e... — O guarda hesitou. — Ele diz que veio matar você.

Elena sentiu algo estranho — não medo, mas fúria.

— Leve-me até ele.

Quando ela chegou ao pátio, a cena era surreal: Luca, seu ex-noivo, estava de joelhos com uma aranha na cabeça, sangrando pelo nariz.

E Vittorio, de pé atrás dele com uma expressão que prometia morte lenta.

— Elena decide— ele anunciou, jogando uma faca aos seus pés. — Ele vive ou morre?

Luca ergueu o rosto, seus olhos cheios de lágrimas.

— Por favor, Elena... lembra do que tivemos...

Elena pegou a faca, sentindo seu peso.

Lembrou-se de Giulia. Da barriga dela. Das mentiras.

E sorriu.

— Eu escolho...

...

A faca pesava mais do que Elena esperava.

O vento noturno enroscava-se em seu vestido fino enquanto ela estudava Luca ajoelhado – seu lábio sangrando, o olho direito inchado, as mãos atadas com arame farpado. O homem que jurara amá-la agora tremia como um animal acuado.

— Por favor — Luca engasgou, o suor misturando-se ao sangue em seu rosto. — Ele está te manipulando! Você não é como eles!

Vittorio observava tudo de três metros de distância, um cigarro aceso entre os dedos, o olhar impenetrável.

— Cinco minutos— anunciou, soprando fumaça no ar gelado. — Depois, eu assumo.

Quando seus passos ecoaram na direção da mansão, deixando-os sozinhos com dois guardas armados, Luca agarrou-se às pernas de Elena.

— Foge comigo — sussurrou, desesperado. — Tenho dinheiro escondido. Passaportes falsos. Podemos sumir antes que ele—

Elena cortou-o com uma risada amarga.

— Você me trocou por ela.Me humilhou na frente de meio mundo. E agora vem com essa? — Inclinou-se, cravando a lâmina sob seu queixo. — Achas que sou tão patética?

Luca engoliu em seco, a faca arranhando sua pele.

— Eu… eu te amo, Elena.

Ela viu o momento exato em que ele mentiu – um tremor no músculo da mandíbula, igual ao do pai.

Click.

O som do safety da aranha sendo liberado fez ambos se arrepiarem. Vittorio estava de volta, uma Glock prateada apontada para a nuca do filho.

— Tempo acabou.

Elena estudou os dois homens:

- Luca, o traidor, com seu amor de mentira e bebê ilegítimo crescendo na amante.

- Vittorio, o monstro que a marcou por dentro e por fora, mas que nunca mentira sobre seu desejo.

A decisão veio com uma clareza cortante.

— Quero falar com ele sozinha— anunciou, olhando diretamente para Vittorio. — No seu escritório.

Os olhos do Don cintilaram com perigoso interesse.

— Como quiseres, piccolina.

O escritório cheirava a uísque e pólvora. Elena trancou a porta enquanto Vittorio se servia de um drink, indiferente ao sangue secando em suas próprias knuckles.

— Eu poupo a vida dele — ela declarou. — Sob três condições.

Vittorio ergueu uma sobrancelha, claramente entretido.

— Estou ouvindo.

— Primeiro: Giulia e a criança são banidas da Itália. Quero documentos assinados.

— Aceito.

— Segundo: Luca trabalha para mim agora. Como meu guarda-costas pessoal.

Desta vez, Vittorio riu, um som profundo que ecoou nas paredes de carvalho.

— Ironia cruel. Adoro. E a terceira?

Elena aproximou-se, tirando-lhe o copo das mãos e bebendo o restante em um gole só.

— Você me conta a verdade sobre sua primeira esposa.

O silêncio que se seguiu foi tão denso que ela quase ouviu seu próprio coração batendo. Vittorio estudou-a como se visse através de sua alma, então puxou-a bruscamente para seu colo.

— Matilde traiu-me — sussurrou, os dedos enroscando-se em seu cabelo. — Com meu irmão. Descobri-os na nossa cama, no dia do nosso aniversário.

Elena sentiu o ódio velado em sua voz, mesmo depois de anos.

— E você os matou.

Ele encostou a testa na dela, os olhos fechados.

— Só a ela.Deixei meu irmão viver… sem rosto, sem identidade, como um fantasma. — Abriu os olhos, a escuridão ali era absoluta. — Moral da história

piccolina? Até os santos viram monstros quando empurrados ao limite.

Elena compreendeu então – ele estava lhe dando um aviso.

— Luca vive — ela decidiu, levantando-se. — Mas quero ele algemado ao meu lado até aprender lealdade.

Vittorio sorriu, lentamente, como um tigre diante da presa.

— Querido Deus, como te desejo agora.

Quando o beijou, Elena sabia – acabara de fazer um pacto com o diabo.

E o pior?

Não se arrependia.

O pátio estava iluminado por tochas quando retornaram. Luca ergueu o rosto, esperando a sentença de morte.

— Levanta-te — Elena ordenou.

Quando ele hesitou, um guarda chutou suas costas.

— Você vai servir a Elena agora — Vittorio anunciou, enrolando um braço possessivo em sua cintura. — Se respirar perto dela sem permissão, corto teus pulmões. Se olhar para ela por mais de três segundos, arranco teus olhos.

Luca engoliu em seco, mas acenou.

— Sim, Don.

Elena observou o ex-noivo ser arrastado para as masmorras, sabendo que sua vingança seria mais doce que uma morte rápida.

Foi então que Vittorio a puxou contra seu corpo já excitado.

— Agora — rosnou no seu ouvido — vou te foder até não conseguires andar, para lembrares de quem é o teu verdadeiro Don.

Elena riu, desafiadora.

— Prove.

Quando ele a jogou sobre o ombro e marchou rumo aos aposentos, os guardas baixaram os olhos.

Todos sabiam – a leoa tinha conquistado seu lugar ao lado do rei.

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