UNO

Um pequeno feixe de luz toca a minha pele. O cheiro de orvalho fresco invade meus pulmões. Sinto um leve calor a esquentar meus braços. É de manhã. Abro os olhos, um pouco receosa de ter que levantar tão cedo, e me espreguiço. Aqui no convento, as rotinas matinais são regras para todas! Começo a dobrar meus edredons e lençóis, separo meu hábito, abro as cortinas da janela e calço meus sapatos. Paro em frente à minha cama e aguardo a chegada da madre superiora junto com minhas irmãs. Ela vem todas as manhãs para darmos início às nossas atividades rotineiras. Elas incluem as orações matinais, os afazeres no convento e os nossos estudos como aspirantes a freiras. Hoje, estou na limpeza do pátio. Preciso me esforçar nas minhas tarefas e nos meus estudos para que possa, finalmente, realizar meu sonho e me tornar uma ótima freira!

“Bobagem!”, penso comigo, e me acabo de rir em meus pensamentos. A única coisa em que consigo pensar é em como quero me livrar deste lugar tenebroso! E a única forma de fazer isso é me passando por uma “doce e querida irmãzinha inocente que sonha em se entregar a Deus e cumprir Sua vontade na Terra, snif snif, te amo, Senhor”. Ah... patético! Estou aqui há horrendos onze anos! Eu simplesmente não aguento mais. Não foi para isso que eu nasci, não foi para isso que fui feita!

Eu sou Allegra Albanese Zardini, filha de Dom António Zardini, senhor e comandante da famiglia Zardini, a máfia mais antiga e tradicional do norte da Itália. Eu nasci para suceder meu pai e liderar os Zardini! Ainda que ele não saiba disso, um dia ele finalmente irá perceber todo o meu potencial. E é para isso que preciso sair daqui. Preciso voltar para casa, tentar achar a minha mãe e me permitir ser quem eu sou! Tenho um plano para escapar daqui, e é chegada a hora de colocá-lo em prática.

Aos domingos, recebemos algumas visitas ilustres aqui no convento. São eles: o padre e alguns jovens seminaristas. E, por acaso, o mais jovem deles — um rapaz que não deve ter mais do que 19 anos — tem trocado alguns olhares inocentes comigo há algumas semanas. Quando eles vêm, geralmente é o meu dia na escala de limpeza do pátio, então sempre os vejo passando em direção à capela. Consigo sentir seus olhos em mim conforme eles andam pelos corredores que os levam ao seu destino. Algumas vezes, eu olho de volta e dou um sinal sutil de um quase sorriso. Não é meu tipo, mas seu jeitinho meigo e tímido o deixa fofo. Eu poderia devorá-lo se passasse mais tempo admirando o fato de ser tão ingênuo a ponto de não perceber que só estou querendo usá-lo.

O céu está límpido como a mais pura das águas; poderia me afogar no seu azul a qualquer momento. Por já ter tentado fugir outras vezes, sou proibida de realizar algumas atividades que as outras irmãs têm, como participar das missas e orações na capela. Qualquer coisa que me leve longe demais do meu quarto e do salão principal é vedada. No início, eu também era constantemente vigiada e sempre tinha uma irmã atrás de mim em qualquer lugar que eu fosse. Como já se passaram alguns anos desde que tentei fugir pela última vez, eu consegui, com muito custo, ser incluída na limpeza do pátio. Tenho me comportado direitinho e feito bem as minhas tarefas. Esse é o maior plano que já bolei, e o mais minucioso. Estive disposta a fazer sacrifícios durante todos esses anos para que chegasse o dia de hoje.

As folhas estão amareladas e secas. Conforme o vento sopra, a quantidade que cai e cobre o chão aumenta. Vou varrendo bem devagar e busco cada uma que ousa voar para mais longe. Logo ouço o badalar das dez horas. Eles estão vindo. Lentamente, levanto meu olhar em direção ao início do corredor. Lá estão eles! Mais precisamente, lá está ele! Um jovem de cabelos negros como o carvão, olhos azuis claros e magrinho. Sua pele apresenta leves marcas do que um dia foram algumas espinhas. Ele vem logo atrás do padre e é seguido por mais dois seminaristas. Eles vêm caminhando lentamente em linha reta.  Quando posso sentir que ele passa ao meu lado, eu o encaro. Meus olhos encontram os dele, e, dessa vez, dou um leve sorriso. Para a minha surpresa, ou não, ele ameaça um repuxar de lábios, que pode ser entendido como um quase sorriso.

“Ah!”, penso comigo mesma, “consegui!”. Eles continuam o seu trajeto e eu retorno para as minhas folhas.

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