Durante meu tempo no convento, não consegui fazer muitas amizades. Em parte, porque estou obcecada demais com o meu objetivo de voltar para casa, e, em outra, porque não consigo me conectar com as moças deste lugar. Mas, para não dizer que sou completamente sozinha, conheci uma menina com quem consigo trocar palavras como “oi”, “o dia está bonito” e “boa noite”. O nome dela é Madeleine, e ela parece ter a mesma idade que eu, por volta dos 17 anos. Às vezes, percebo que ela me olha de rabo de olho, como se quisesse falar algo comigo, mas tivesse vergonha. Não posso culpá-la, estou sempre fechada para tudo e todos que não me tenham alguma serventia. Algumas vezes, me pego pensando que possuo uma personalidade ruim, um pouco distorcida, talvez. No entanto, como eu poderia desejar ser normal possuindo a vida que possuo? Ou tendo um passado como o meu?
Termino minha tarefa e vou em direção ao salão principal, pois é hora dos estudos. Assim que começo a andar, Madeleine se põe a caminhar ao meu lado.
— Olá! — diz Madeleine com um doce sorriso.
— Oi. — digo, como de costume.
Nossas interações costumam ser assim: um “olá” daqui, um “olá” dali, e morrem por aí mesmo. Mas não dessa vez.
— Você está bonita hoje, Allegra.
— Hã? — pergunto, com um certo tom de surpresa.
Está bem, ela me pegou desprevenida e não posso evitar me sentir tímida.
— Você está bonita hoje, Allegra. — ela repete com a maior naturalidade do mundo.
— Ah, eu... obrigada, eu acho... — falo de forma desconfiada. Quer dizer, na minha vida, nada nunca aconteceu sem algum interesse escondido estar envolvido. Não consigo parar de pensar no porquê de ela estar falando comigo dessa forma, já que nossa troca de palavras nunca foi além do “oi”.
— Por que está falando isso para mim? — pergunto, genuinamente curiosa.
— Porque te olhei e te achei bonita. E também porque é bom elogiar as pessoas.
O silêncio paira entre nós. Não sei o que deveria dizer. Talvez eu devesse dizer que ela está bonita também.
— Você também está bonita, Madeleine.
— Obrigada, achei que você nunca fosse dizer. — ela sorri para mim.
Continuo séria, não sei como reagir. Mas Madeleine insiste em puxar assunto comigo. Então, durante o curto percurso até o salão principal, continuo ouvindo sua suave voz. Mantenho-me calada enquanto ela comenta sobre o tempo, como de praxe, sobre os lençóis novos que a igreja mandou, sobre as orações matinais e, por último, sobre os seminaristas. Neste último, ela consegue capturar minha atenção. Tento fingir normalidade.
— Perdão, não consegui ouvir o que você disse. — falo da forma mais natural possível.
— Que as orações matinais têm me feito muito bem para lidar com a saudade de casa, desde que cheguei.
— Não, isso eu entendi. Digo, depois disso.
— Que os jovens seminaristas logo irão embora e novos seminaristas virão.
O QUÊ? Não, não, não. Eu não posso perder a minha presa antes de conseguir o que quero. Como assim eles serão trocados por outros? Quer dizer que vou ter que começar todos aqueles flertes de novo?
— Quem te disse isso? — tento soar o menos interessada possível.
— Ouvi a madre comentar com algumas irmãs. De tempos em tempos, eles fazem a rotação e vão estudar em outros lugares. Acho que este mês é o último deles aqui. — diz Madeleine, enquanto olha para o céu.
Eu definitivamente gostaria de perguntar mais, só que, se eu abrir a boca, ela com certeza vai querer saber o porquê de tanto interesse nos seminaristas. Morda a língua, Allegra, morda a língua. No decorrer do meu tempo aqui, eu nunca havia pensado que fazer amizades pudesse me trazer algum benefício. Mas agora, absolutamente, vejo que estava errada. Posso utilizar a amizade de algumas a meu favor. Mais especificamente, de Madeleine.
— Madeleine, fiquei surpresa quando veio conversar comigo hoje. Geralmente, quando nos falamos, as palavras não passam dos cumprimentos primordiais. — dou um leve sorriso. — Obrigada por ter conversado comigo. Normalmente, não tenho muita facilidade em falar com as moças do convento. Mas me senti à vontade com você.
— Eu sei, percebi quando te cumprimentei pela centésima vez e, mesmo assim, você não deu abertura para que eu me aproximasse. Então resolvi eu mesma abrir a porta e puxar assuntos aleatórios com você. — ela solta uma leve risada que soa como pequenos sinos a badalar em conjunto.
— Posso perguntar o porquê do interesse específico em querer conversar comigo?
— Você veio do mesmo lugar que eu.
Eu gelo. Em todas as milhões de hipóteses diferentes que poderiam acontecer para o meu plano dar errado, eu nunca imaginaria que essa seria uma delas. Alguém que veio de onde eu vim? Como isso é possível? Isso quer dizer que ela me conhece? Ela sabe quem sou eu? De quem sou filha? Calma, Allegra, respira fundo. Isso pode ser apenas uma coincidência. Uma terrível coincidência, diga-se de passagem.
— Você também vem do norte da Itália? — tento soar da forma mais indiferente possível. Não sei se vai dar certo, estou ansiosa.
— Sim.
Engulo em seco. Tenho medo de perguntar demais e ela me responder com algo que eu definitivamente não quero ouvir. O silêncio paira entre nós.
— Bem, chegamos. Vamos entrar? — ela pergunta, despretensiosamente.
— Sim, claro.
Está bem, Allegra. Respira e pensa. Na pior das hipóteses, o que pode acontecer? Ela saber quem você é e acabar com seus planos. Mas por que ela faria isso? Talvez eu esteja confabulando demais. Ela pode ser apenas alguém que veio da mesma cidade e de uma família igualmente relapsa.
— Madeleine, como sabe o lugar de onde eu vim?
— Escutei a madre conversando — brigando — com você, em uma das vezes em que tentou fugir. — ela solta uma leve risada.
Acho que eu dei uma leve viajada. Madeleine é só uma menina que teve o mesmo destino de infortúnio que eu ao vir parar aqui.
— Sabe, Allegra, durante todos esses anos, pensei em me aproximar de você. Nós temos idades e origens parecidas. Poderíamos servir de consolo uma à outra quando estar longe de nossa terra natal for árduo demais.
— Eu... não sei muito bem como fazer amigos. — admito, de forma sincera.
Realmente, acho que em toda a minha vida, só tive um único amigo. Era um garotinho que costumava brincar comigo na mansão da famiglia. Ele tinha lindos cabelos louros, de um dourado quase celestial. E eu amava ficar observando quando os raios do sol batiam e iluminavam suas mechas. Parecia ouro reluzindo, e eu sempre gostei de ouro. Ele esteve comigo até meu último dia. Até o dia em que fui expulsa e mandada para cá. Ele viu o que aconteceu, todos os horrores que presenciei. Ele estava ao meu lado.
— Não tem problema. Eu sou ótima fazendo amigos. Veja só você, acabamos de chegar no salão, e, desde o início da nossa caminhada, consegui que mais de três frases saíssem da sua boca. — diz Madeleine com um olhar brincalhão.
O cabelo dela me lembra o do menininho que brincava comigo. Aceno com a cabeça em concordância. Enquanto entramos no salão, penso que a amizade de Madeleine pode me ser muito útil. É como o fogo: vou mantê-la perto o suficiente para me aquecer, mas não o bastante para me queimar.
Nesse instante, mal sabia eu que, em um futuro próximo, Madeleine iria me queimar.