Por sete anos, Isadora foi a esposa perfeita. Discreta. Leal. Infértil — segundo todos, menos a medicina. Na mansão onde o silêncio era mais alto que os votos de amor, ela sorriu para manter as aparências, vestiu a culpa como se fosse sua, e sacrificou seus sonhos por um casamento que a matava um pouco a cada dia. Mas tudo muda quando sua sogra impõe um prazo cruel: engravidar em 30 dias ou assinar o divórcio. O que ninguém esperava é que, ao tentar salvar seu casamento, Isadora descobriria o segredo que destruiria sua fé no amor: Heitor, seu marido, engravidou outra mulher. Expulsa de casa, humilhada, sem um centavo, Isadora se vê obrigada a recomeçar do zero. Mas o que nasce dos escombros de uma mulher destruída é algo que ninguém pode controlar. Com a ajuda da melhor amiga e o inesperado apoio de Dante — um homem que enxerga sua dor e sua força —, Isadora vai descobrir que não precisa de um filho, de um marido ou de uma família para ser completa. Ela só precisa de si mesma. E de um plano para fazer todos eles pagarem.
Ler maisPOV Isadora Ferraz
Sete anos de casamento. Sete anos de silêncios longos, promessas vazias e beijos que mais pareciam selos funerários.
A visita de Célia, minha sogra, não foi inesperada, mas ainda assim carregava o peso de um ultimato. Como sempre, ela entrou sem pedir, como quem invade, não visita.
— Trinta dias — disse, pousando a bolsa com violência calculada sobre a mesa. — Ou você engravida, ou vamos providenciar seu divórcio. Meu filho precisa de um herdeiro. Essa história de esperar está durando demais.
Eu não respondi. Engoli a saliva como quem engole uma faca. Senti meu estômago virar chumbo, mas minha expressão permaneceu intacta. Era meu único escudo.
Quando ela foi embora, me sentei à beira da cama e encarei meu reflexo no espelho. A mulher ali parecia só um fantasma arrumado — bem penteado, bem vestido, bem calado.
Naquela noite, me arrumei como fazia nos nossos primeiros encontros. Vestido justo, maquiagem sutil, perfume de baunilha. Cozinhei o prato preferido de Heitor, dobrei os guardanapos, acendi as velas. Tudo com uma calma forjada. Um cenário montado na esperança de um toque.
Quando ele chegou, por volta das onze, trazia nos ombros o peso do terno amarrotado e no corpo... um cheiro. Doce. Floral. Familiar.
Não falei nada. Só observei enquanto ele largava a pasta sobre o aparador e desabotoava os punhos com o tédio de quem repete um roteiro.
— Jantei fora. — avisou, antes mesmo que eu dissesse "boa noite".
— Preparei seu prato preferido. — tentei.
Ele me olhou rápido, depois desviou.
— Estou cansado.
Cheguei perto, toquei seu braço. Ele não retribuiu. Toquei seu rosto, e ele virou.
— Heitor... você não quer ter filhos?
A pergunta saiu baixa. Quase um sussurro. Quase um pedido de socorro.
Ele suspirou fundo, como quem carrega um fardo antigo.
— Tentamos por tantos anos... você ainda não se cansou?
O jeito como ele falou “você” foi como se jogasse todo o peso do fracasso no meu corpo. Como se ele fosse apenas um espectador de uma tragédia biológica que era só minha.
As palavras queimaram. Como sempre. Mas eu respirei fundo.
— Os médicos dizem que comigo está tudo bem. Todas as vezes. Eles sugeriram que você fizesse exames também...
Ele virou-se com brusquidão.
— Tá me chamando de estéril agora? É isso? Você quer me expor, Isadora?
— Não é isso, eu só quero entender o que está acontecendo com a gente...
— O que está acontecendo é que você enlouqueceu! — gritou. — Vive obcecada com essa ideia de ter um filho. É como se fosse sua única função na vida. Você acha que eu quero um filho com alguém tão... frustrada? Tão fria?
— Não me chama assim... — murmurei, sentindo os olhos arderem.
Ele se aproximou com os olhos carregados de raiva.
— Você acha que sexo vai consertar alguma coisa? Olha pra você, Isadora. Até isso ficou insuportável. Você é uma obrigação. Uma mulher sem graça, sem sal, sem alma. Até sua voz me dá dor de cabeça.
Antes que eu conseguisse reagir, ele me deu um tapa. Rápido. Seco. Preciso. O lado direito do meu rosto ardeu como se tivesse sido marcado em brasa.
Cambaleei para trás, mas me mantive em pé. O gosto de sangue subiu à boca.
— Nem pra mulher você serve direito — ele cuspiu. — Você é uma frustração vestida de gente. Um útero falido com pernas.
Ele pegou as chaves e saiu. A porta bateu forte, sacudindo o ar e meus ossos.
Fiquei ali, no chão. Com o vestido justo, o batom borrado. A face latejava, o corpo tremia, mas o coração... o coração começava a endurecer.
Ali, naquele chão frio da sala que por anos chamei de lar, eu soube que não era mais esposa. Nem mulher dele. Eu era só a sobra. A sombra do que um dia sonhei ser. E por um segundo, o silêncio pareceu me engolir.
A vela acesa na mesa tremeluzia como se também chorasse por mim. A comida esfriava, o vinho azedava no ar. O vestido colado ao corpo, escolhido com esperança, agora era armadura rasgada. Eu estava sozinha. No corpo. No nome. Na vida.
Mas no fundo, uma faísca se acendia. Fraca, teimosa, resistente. Algo dentro de mim sussurrava: "Ele não te matou. Ainda não."
E então vieram os 29 dias.
Heitor não voltou naquela noite. Nem na seguinte. Quando vinha, era só para buscar roupas, carregar planilhas e deixar mais silêncio. Ele não me tocava. Não me olhava. Dormia no sofá ou saía antes do amanhecer.
Foram um desfile de ausências. Só silêncio. Aquele mesmo silêncio antigo, que morava nas paredes e agora dormia na cama vazia ao meu lado.
Toda noite eu olhava o calendário como quem observa uma bomba prestes a explodir. Um dia a menos. Um sonho a menos. Uma versão de mim que se apagava aos poucos.
Ele não me tocava. Nem com raiva. Nem com afeto. Nem com pena.
E então faltava um dia.
Um único dia.
Como se fosse possível gerar uma vida em vinte e quatro horas, quando o que restava entre nós era a carcaça de um casamento morto.
POV Isadora FerrazO chão desapareceu.— Isso é... um delírio — sussurrei, sem conseguir respirar. — Você quer que eu cuide da amante do meu marido?— Ela não é amante. É mãe do futuro Montenegro. Isso te coloca em segundo plano, mas ainda te mantém na família. Se você se comportar. Se cuidar bem dela, pode continuar como esposa oficial. Afinal, imagem é tudo.Olhei pro Heitor. Ele não disse nada. Nem um olhar. Nem um protesto.Covarde até o fim.— Eu sou um ser humano. Não um adorno social — falei, com os olhos marejados. — Eu não vou compactuar com isso.Célia se levantou.— Então está fora. Hoje mesmo. Arrume suas coisas. Seus cartões já foram bloqueados. Você vai sair daqui com a roupa do corpo se quiser continuar com esse teatro de mártir.Elena sorriu. Aquela curva disfarçada de vitória. Como se eu tivesse perdido uma guerra que nem sabia que estava lutando.Eu não chorei. Não ali. Não na frente deles.Só encarei aquela mesa... Aquela mesa onde servi jantares por sete ano
POV Isadora FerrazO dia mal tinha começado quando o interfone tocou.Célia.Minha sogra entrou como um furacão vestida de missa. Trazia um terço numa mão, um livrinho de oracões na outra e um olhar decidido. Não me deu bom dia. Não pediu para entrar. Simplesmente passou pela porta como se ainda mandasse em tudo, inclusive em mim.— Se vista. Vamos sair. — ordenou.— Pra onde? — perguntei, ainda com a caneca de chá quente nas mãos.— Resolver o que você destruiu. Agora.Pensei em questionar. Pensei em trancar a porta. Mas alguma parte cansada em mim apenas obedeceu. Talvez fosse a vontade de crer que, finalmente, ela me levaria pra encontrar Heitor. Que, de alguma forma torta, estavam prontos para conversar.Me vesti rápido, coloquei um casaco leve e entrei no carro sem mais perguntas.Mas não fomos à casa de Heitor.Fomos à igreja.Quando estacionei, o coração gelou. As portas de madeira antiga, o vitral colorido, o som de um órgão tocando ao fundo. Tudo me pareceu um cenário que não
POV Isadora FerrazDante me beijou como quem não perguntava “posso?”, mas como quem lia “preciso”.E eu… Pela primeira vez em muito tempo…Deixei.Deixei ser tocada com ternura. Deixei meu corpo se lembrar que era mais do que uma máquina quebrada esperando aprovações médicas. Deixei que o desejo falasse mais alto do que o medo.— Está tudo bem — ele sussurrou, quando percebeu meu corpo hesitando sob o toque. — Você não precisa fingir nada comigo.Não precisei.A mão dele deslizou pela minha cintura como se já me conhecesse há anos—não com a pressa de quem quer conquistar, mas com a paciência de quem está redesenhando um mapa esquecido. Os dedos dele encontraram a curva do meu quadril, e eu tremi. Não de medo, mas de estranheza: fazia tanto tempo que ninguém me tocava assim, que meu corpo tinha se tornado um estrangeiro para si mesmo.— Você está lento — eu disse, e minha voz saiu rouca, quase irreconhecível.— Você merece devagar — ele respondeu, e os lábios dele voltaram aos meus,
POV Isadora FerrazA frase ainda ecoava no telefone, como uma sentença definitiva: "Eu quero o divórcio."Mas o que eu recebi, horas depois, foi uma visita.Minha sogra entrou sem bater, como sempre fez. Como se minha casa fosse extensão do império dela. Como se minha vida tivesse sido uma gentileza que ela podia cancelar a qualquer momento.Ela entrou com a bolsa de couro e o mesmo olhar que me atravessava como se eu fosse mobília fora do lugar.— O que foi isso que eu ouvi, Isadora? Divórcio?Cruzei os braços, tentando manter a postura. Mas a verdade é que eu estava trêmula. Dormi duas horas, chorei doze. O chão parecia inclinado. Meu corpo, oco.— Ele não dorme mais em casa. Não me toca. E agora… agora eu descobri que ele não queria filho nenhum. Não comigo.— E você acha que merece? — ela perguntou, séria. — Uma mulher fria, apagada, que nunca soube manter o próprio marido interessado. É claro que ele ia procurar outra.Minha respiração travou. A ofensa veio direto, sem freio. Mas
POV Isadora FerrazO apartamento da Olívia , minha melhor amiga, tinha cheiro de vela aromática, vinho tinto e liberdade. Um trio que eu não conhecia fazia tempo.Afundei no sofá dela como quem pede abrigo depois de uma tempestade. O olhar dela, afiado como sempre, demorou dois segundos pra cortar minha pose ensaiada.— Ele não me toca mais — soltei, antes mesmo que ela perguntasse. — Nem olha. Parece que eu virei uma parede branca da casa.Olívia serviu duas taças. Sentou do meu lado e me olhou daquele jeito que só as amigas antigas têm: como quem já viu a gente feia, inchada e perdida, mas ainda acredita que a gente pode florescer de novo.— O problema não é você, Isa. Nunca foi. Talvez… só talvez, o defeito esteja no próprio garanhão engravatado.— Ele não é defeituoso — sussurrei, como quem defende uma fé falida. — É só o jeito dele. O trabalho, a pressão… a mãe. E ele me ama. De algum jeito.— De algum jeito que não passa pelo teu corpo há quanto tempo? — Ela arqueou uma sobrancel
POV Isadora FerrazSete anos de casamento. Sete anos de silêncios longos, promessas vazias e beijos que mais pareciam selos funerários.A visita de Célia, minha sogra, não foi inesperada, mas ainda assim carregava o peso de um ultimato. Como sempre, ela entrou sem pedir, como quem invade, não visita.— Trinta dias — disse, pousando a bolsa com violência calculada sobre a mesa. — Ou você engravida, ou vamos providenciar seu divórcio. Meu filho precisa de um herdeiro. Essa história de esperar está durando demais.Eu não respondi. Engoli a saliva como quem engole uma faca. Senti meu estômago virar chumbo, mas minha expressão permaneceu intacta. Era meu único escudo.Quando ela foi embora, me sentei à beira da cama e encarei meu reflexo no espelho. A mulher ali parecia só um fantasma arrumado — bem penteado, bem vestido, bem calado.Naquela noite, me arrumei como fazia nos nossos primeiros encontros. Vestido justo, maquiagem sutil, perfume de baunilha. Cozinhei o prato preferido de Heitor,
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