Capítulo 5 – Milagres não curam canalhice.

POV Isadora Ferraz

O dia mal tinha começado quando o interfone tocou.

Célia.

Minha sogra entrou como um furacão vestida de missa. Trazia um terço numa mão, um livrinho de oracões na outra e um olhar decidido. Não me deu bom dia. Não pediu para entrar. Simplesmente passou pela porta como se ainda mandasse em tudo, inclusive em mim.

— Se vista. Vamos sair. — ordenou.

— Pra onde? — perguntei, ainda com a caneca de chá quente nas mãos.

— Resolver o que você destruiu. Agora.

Pensei em questionar. Pensei em trancar a porta. Mas alguma parte cansada em mim apenas obedeceu. Talvez fosse a vontade de crer que, finalmente, ela me levaria pra encontrar Heitor. Que, de alguma forma torta, estavam prontos para conversar.

Me vesti rápido, coloquei um casaco leve e entrei no carro sem mais perguntas.

Mas não fomos à casa de Heitor.

Fomos à igreja.

Quando estacionei, o coração gelou. As portas de madeira antiga, o vitral colorido, o som de um órgão tocando ao fundo. Tudo me pareceu um cenário que não combinava com meu momento.

Ela me puxou pelo braço, ignorando meus protestos.

— Célia, o que você está fazendo?

— Milagres existem, Isadora. Mas é preciso se arrepender. É preciso orar. Você vai pedir perdão pelos seus pecados. Vai limpar seu ventre da rebelião.

— Que rebelião?

Mas ela não respondeu. Me empurrou até o altar. Um padre se aproximou, chamando pela família Montenegro.

Ela ajoelhou.

E me obrigou a ajoelhar também.

Eu, ali, diante do altar, sentindo o cheiro de incenso e hipocrisia, ouvi minha sogra rezar em voz alta:

— Senhor, cura o ventre da minha nora. Purifica sua alma. Liberta ela da dúvida, da frieza, da infertilidade.

Eu tremia.

A vergonha, o horror, a dor. Tudo pulsando nas têmperas.

E então, no meio daquela farsa piedosa, levantei o rosto e disse:

— Célia... o problema nunca foi comigo.

Ela parou.

— Como é?

Eu me levantei. Ajoelhar já não era mais uma opção. Não com tanto sangue na boca.

— Heitor me traiu.

Silêncio.

— Com a Elena. Sua queridinha. Sua editora prodígio. E ela está grávida.

O livrinho de orações caiu no colo dela como um julgamento. O rosto dela empalideceu, a mão apertou o terço como se fosse uma arma.

Ela se levantou de sóbito. Não disse nada. Apenas saiu, os saltos ecoando pelo corredor da igreja como tiros abafados.

Fiquei ali por alguns segundos. Sentindo o peso de sete anos desabar dos meus ombros.

Me recompus. Respirei fundo e fui embora.

***

No ínicio da tarde, fui a entrevista.

Entrei na recepção com o coração batendo na garganta. O prédio era alto, limpo, imponente — o tipo de lugar onde pessoas importantes sorriem com dentes caros e trocam cafés por contratos.

O nome da editora estava em dourado na parede: Vertigem.

Tentei manter a postura. O rosto doía, mas o corretivo escondia. Mais ou menos.

Fui chamada. Me conduziram por um corredor silencioso até uma sala de vidro.

E quando a porta se abriu, lá estava ele.

Dante. Era ele mesmo.

De camisa azul clara e mangas dobradas, sentado atrás de uma mesa com livros empilhados e um copo de chá pela metade. O mesmo olhar da noite anterior, só que agora… mais sério.

Mais fundo.

— Isadora? — ele sorriu, surpreso. Mas não daquele jeito casual. Foi um sorriso que pareceu… alívio?

Assenti, sem saber se devia rir, fugir ou desmaiar.

— Então é você? A escritora dos contos premiados, a mente por trás de “O Quarto Silencioso”?

— Surpresa?

Ele se levantou. Veio até mim. Mas parou. O olhar fixo na minha bochecha.

— O que aconteceu aqui?

Merda.

— Ah… — toquei o rosto, instintivamente. — Eu… caí. No banheiro. Azulejo molhado. Coisa boba.

Ele não respondeu. Só me olhou. Como se soubesse que eu estava mentindo, mas não quisesse me envergonhar por isso.

— Entendi — ele disse, com calma. — Só espero que o chão tenha aprendido a lição.

Sentei. A entrevista durou quinze minutos. Ele elogiou meu estilo, minha ousadia narrativa, meu domínio emocional nas entrelinhas. E quando terminou, me ofereceu o contrato. Ali, de forma direta. Sem enrolar.

Assinei.

Mas antes de levantar, perguntei:

— Dante… você só me contratou por causa da noite que a gente passou juntos?

Ele parou. Me olhou como se estivesse prestes a dizer algo grande, mas decidiu simplificar.

— Não. Sou fã do teu trabalho desde antes de saber teu nome. A noite foi só… um bônus inesperado.

Sorri. Pequeno. Ainda desconfiada. Ainda tentando reaprender a acreditar em homens que não mentem.

Mas ali, pela primeira vez em muito tempo, me senti contratada pela minha alma — não só pelo meu corpo.

***

Quando cheguei em casa, respirei fundo.

Pela primeira vez em dias, pensei que talvez — talvez — fosse o início de um fim digno. Que o jantar fosse uma tentativa de acordo. Que, mesmo entre ruínas, a gente pudesse colocar uma pedra em cima de tudo e seguir.

Ingênua.

A cena na sala de jantar parecia saída de um teatro do absurdo.

Heitor à cabeceira.

Elena ao lado, com a mão repousada casualmente sobre a barriga.

E Célia, minha sogra, cortando carne como se estivesse num jantar de família feliz.

Eu parei na porta.

O silêncio caiu como um trovão abafado.

— Finalmente — disse Célia, enxugando os lábios com um guardanapo de linho. — Sente-se. Estávamos esperando você.

Eu não me mexi.

Só tirei os papéis da bolsa e estendi na direção dela.

— Vim resolver isso. O divórcio.

Ela pegou os documentos com uma calma quase cínica.

Olhou.

Virou uma folha.

Depois outra.

E então, rasgou.

Com uma precisão lenta, como quem corta um pedaço de carne podre.

— Você não vai se divorciar.

— O quê?

— Escutou bem. — Ela dobrou os pedaços rasgados e os largou sobre a mesa. — Elena vai morar aqui agora. Ela está carregando o primeiro herdeiro da nossa família. E você... vai cuidar dela.

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