Capítulo 2 — Verdades servidas com vinho

POV Isadora Ferraz

O apartamento da Olívia tinha cheiro de vela aromática, vinho tinto e liberdade. Um trio que eu não conhecia fazia tempo.

Afundei no sofá dela como quem pede abrigo depois de uma tempestade. O olhar dela, afiado como sempre, demorou dois segundos pra cortar minha pose ensaiada.

— Ele não me toca mais — soltei, antes mesmo que ela perguntasse. — Nem olha. Parece que eu virei uma parede branca da casa.

Olívia serviu duas taças. Sentou do meu lado e me olhou daquele jeito que só as amigas antigas têm: como quem já viu a gente feia, inchada e perdida, mas ainda acredita que a gente pode florescer de novo.

— O problema não é você, Isa. Nunca foi. Talvez… só talvez, o defeito esteja no próprio garanhão engravatado.

— Ele não é defeituoso — sussurrei, como quem defende uma fé falida. — É só o jeito dele. O trabalho, a pressão… a mãe. E ele me ama. De algum jeito.

— De algum jeito que não passa pelo teu corpo há quanto tempo? — Ela arqueou uma sobrancelha. — Três meses? Quatro?

— Quase cinco.

Ela bufou. Puxou a taça de vinho como quem puxa o gatilho da paciência.

— Sabe o que resolvia isso? Outro homem. Só para engravidar. Pronto. Herdeiro garantido. Sogra feliz. Fim de novela.

— OLÍVIA!

— Tô brincando, caralho! — riu, mas não tanto assim. — Mas olha, se você quer continuar nessa farsa por mais tempo, posso ajudar. Conheço um ginecologista. Gente fina. É amigo do Caio, meu namorado. Talvez consiga um atestado. Um “positivo” de mentirinha. Só pra sua sogra calar a boca por enquanto.

— Um atestado falso?

— Isa, tua sogra quer um papel. Não um neto. Pelo menos não agora. Se você entregar o que ela quer, ganha tempo. Pensa com calma. Salva tua sanidade.

Fiquei em silêncio. O vinho girando na taça, a cabeça também. Mentir? Pra ela? Pra ele? Pra mim?

Talvez o pior já fosse essa vida de mentiras educadas. De "está tudo bem" engolido entre um beijo na testa e um choro no banheiro.

Mas talvez... só talvez... uma mentira bem contada salvasse o que restava de mim.

***

O nome do médico estava anotado num papel dobrado no fundo da bolsa. Aquele tipo de nome que não significa nada... até o destino resolver brincar com ele.

“É só um papel, Isa”, a Olívia tinha dito. “Só pra ganhar tempo.”

Entrei na clínica com o coração batendo como se eu estivesse prestes a cometer um crime. O tipo de mentira que a gente só conta quando já não aguenta mais viver de verdades que nos matam.

Mas foi no corredor, entre uma porta de consultório e um cartaz sobre fertilidade tardia, que o chão escapou dos meus pés.

Ele.

Heitor.

De terno, relógio brilhando no pulso e aquele jeito arrogante de sempre. Por um segundo, meu peito se encheu de esperança. “Ele veio. Ele vai fazer os exames. Ele quer lutar por nós.”

Dei um passo.

E parei.

Vi quando ele sorriu. Aquele sorriso que eu não via há meses. Não pra mim.

Ele se aproximou... de outra mulher.

Elena.

A editora. A colega. Aquela com quem eu passei anos dividindo pautas e cafés e elogios falsos.

Ele a abraçou. Como quem segura o futuro nos braços.

Ela sorriu. Um sorriso largo, luminoso, de quem carrega uma vida.

— Parabéns, meu amor — ouvi ele dizer, a voz baixa, íntima. — Você está linda. Mal posso esperar pra ver esse bebê nascer.

Meu estômago virou pedra. A respiração ficou presa entre a garganta e o passado.

— Ainda bem que não engravidei aquela mulher. Ia acabar passando os genes estragados dela. Estúpida. Estéril. Uma aberração travestida de esposa.

Eu não sei como não desmaiei. Não sei como meu corpo não virou fumaça ali mesmo.

Fui embora sem ser vista. Sem chão. Sem alma.

A casa me recebeu como sempre: escura, fria, vazia.

Olhei pras paredes e elas olharam de volta, como se dissesse: "Você perdeu."

O telefone tocou.

Olhei o visor.
Heitor.

— Não vou voltar essa noite — disse, casual, como quem fala sobre o trânsito.

— Algum problema no trabalho? — perguntei, fingindo ignorância com a destreza de quem já sangrou demais.

— É... um jantar. Com investidores.

Investidores com útero. Pensei.

Desliguei sem responder.

Minutos depois, outro toque.

Desta vez, era ela.

A voz da sentença. A sogra.

— Então? Já posso comemorar? Estou avisando as amigas. Vai me dar um neto ou não?

Só aí olhei pro calendário.
Hoje.

Sete anos de casamento.

Aniversário de papel.

Mas o meu já estava rasgado.

— Não.

Ela inspirou fundo, se preparando pra dizer as palavras que vinha ensaiando há meses.

— Então irão se divor—

— Eu quero o divórcio.

Silêncio.

Do outro lado da linha, o mundo parou.

Do meu lado... ele começou a girar de novo.

Porque, naquele momento, eu parei de implorar amor.

E comecei a exigir respeito.

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