Em uma vila esquecida pelo tempo, onde as lendas caminham ao lado dos vivos e as noites de lua cheia são regidas pelo medo, Elena, filha de um curandeiro, é guiada por um chamado misterioso que a leva ao coração proibido da floresta. Lá, ela encontra Lucas, um forasteiro marcado por uma maldição ancestral: ele é um lobisomem, dividido entre o homem que deseja ser e a fera que habita seu sangue. Quando uma antiga profecia ameaça despertar um clã de lobisomens selvagens — liderado por seu próprio irmão — Elena e Lucas são forçados a unir forças. Em uma jornada através de montanhas gélidas, templos esquecidos e segredos enterrados, eles enfrentarão criaturas sombrias, provações mágicas e o peso de escolhas que podem salvar ou destruir tudo o que conhecem. Entre a luz do amor e a sombra da fera, Elena terá que decidir até onde vai para salvar um coração condenado — e o próprio mundo.
Leer másA névoa descia cedo sobre Valedouro, enroscando-se nas árvores como dedos gelados, sufocando todo e qualquer som. Era pequena a vila, contornada por pinheiros altos e mudos, tão velha que nem os mais velhos lembrava-se do fundador. Mas sabiam das histórias e do medo.
As noites de lua cheia amedrontavam como pragas. Portas trancadas, velas extintas, preces sussurradas perto das janelas. Ninguém ousava sair. Ninguém afrontava o que existia lá fora. Elena andava pela trilha de terra batida, os seus passos leves divergiam do silêncio intenso que a cercava. Usava um capote escuro de lã e levava uma cesta com ervas coletadas na encosta da colina. Era filha do curandeiro antigo, o único na vila a investigar os mistérios das plantas e dos astros. Mesmo com os olhares do pai e as fofocas das vizinhas, Elena aventurava-se sempre um pouco mais distante do que era permitido. Alguma coisa na floresta a atraia. Um murmurar ancestral, mais doce do que o temor. Parou um segundo ao ouvir o uivo. Distante, todavia nítido. Não era som d'um cão, nem de um lobo qualquer. Era diferente. Quase humano. Engolindo seco, ela agarrou a alça da cesta, apressando seus passos em direção a casa. O céu já escurecia, e a lua crescente ascendia devagar entre as nuvens. A noite não era totalmente escura, contudo, o ar parecia mais espesso, como se a floresta respirasse com custo. — Elena! — a voz firme do pai vindo da varanda iluminada por um lampião de óleo. — Tá ficando tarde! — Já estou indo — retrucou ela, subindo os degraus de pedra. Lá dentro da casa, o odor de raízes secas, incensos e chá fresco se entrelaçavam. Seu pai, Otávio, fechou a porta com força e travou a tranca dupla. Embora não fosse supersticioso, nem mesmo ele ousava ignorar os alertas antigos. — Achou verbena? — indagou, voltando-se pro caldeirão. — Bastante. Mas os pés mais jovens estavam murchos. Era como se algo os tivesse queimado. Otávio franziu a testa. Um detalhe mínimo, mas seus olhos se fixaram em preocupação. — Afaste-se das trilhas mais profundas por alguns dias. Prometeu Ela hesitou, e então acentiu. Mais no seu intimo, ja sabia num conseguir cumpre-la. Aquele uivo ainda tremia em seus osso, qual um som incompleto duma canção esquecida. Naquela noite, enfiada debaixo das cobertas grossas, Elena num conseguiu durmi. A lua beijava o chão do quarto, através da fenda da janela, e a floresta parecia sussurrar o seu nome com cada brisa. Elena... Levantou-se, com vagaros, como se guiada por algo incompreensível. Ajeitou-se na capa, e, sem sapatos, escapou pela porta dos fundos, onde a tranca apenas descansava. A noite a recebia com um frio cruel e um silencio total. E logo ela viu — entre as árvores, em pé como uma sombra viva, um lobo negro de olhos de ouro, espiando-a. Nenhum som. Nenhuma mexida. Só a certeza que ele esperava por ela. E, pela primeira vez, Elena num sentiu medo. Sentiu... o destino. Naquela noite de silêncio, um uivo distante rasgou o ar como um pressentimento... e nada jamais voltaria a ser o mesmo.O amanhecer trouxe mais do que luz. Trouxe dúvidas. Rumores corriam entre os guerreiros da alcateia como fogo em folhas secas. Alguns diziam que os antigos estavam despertando. Outros sussurravam sobre pactos esquecidos, sobre maldições que jamais deveriam ter sido tocadas. E no centro de todos esses murmúrios estava Elena — símbolo de esperança para muitos, mas, para outros, o início do fim.A jovem caminhava entre as tendas com passos lentos, o olhar fixo no chão. A noite anterior havia deixado marcas. O que Lioren dissera ecoava em sua mente como um mantra sombrio: “O que para eles é silêncio, para nós é grito. O que para eles é sono, para nós é abismo.”Ela entrou na tenda central onde Kaela, Malrik, Lioren e Aedan a aguardavam. O clima era tenso. Havia mapas abertos sobre a mesa, velhas runas espalhadas entre taças de chá frio e restos de pergaminhos. Kaela apontava para um ponto específico da floresta: a nascente do Rio dos Ecos.— As marcas mais recentes foram encontradas aqui
A alvorada chegou pintando o céu com tons suaves de âmbar e violeta, como se a própria natureza celebrasse o novo ciclo. O orvalho cobria as folhas como um véu sagrado, e os pássaros, antes silenciosos, voltaram a cantar entre os galhos. Elena despertou com a sensação de estar entre mundos — o antigo e o novo, o espiritual e o terreno — e por um breve instante, teve a impressão de ouvir a voz da Despertada sussurrando em sua mente: “Lembre-se, a escuridão não morre, ela apenas adormece.”Ela se levantou lentamente, sentindo o corpo dolorido, mas o espírito revigorado. Ao sair da tenda, encontrou Kaela já em vigília, observando o horizonte com uma expressão séria. A guerreira não dormira. Seus olhos tinham olheiras fundas, mas seu porte permanecia firme.— Dormiu bem? — perguntou Kaela, sem desviar o olhar da linha das montanhas.— O suficiente — respondeu Elena, aproximando-se. — Está tudo calmo?Kaela assentiu. — Por enquanto. Mas algo está mudando. Senti a terra pulsar durante a noi
O vento soprou suave quando Elena emergiu da câmara. A noite parecia diferente. A floresta, antes sombria e hostil, estava estranhamente silenciosa, como se respeitasse o renascimento que acabara de acontecer. Os galhos balançavam suavemente, e até mesmo os predadores noturnos pareciam observar à distância, reconhecendo a mudança no ar.Ao seu lado, Aedan mantinha-se atento, mas havia um brilho novo em seus olhos — um orgulho silencioso, misturado com alívio. Kaela caminhava mais atrás, em silêncio, processando o que tinham presenciado. Malrik ainda olhava para o céu, como se esperasse uma resposta vinda das estrelas.— Parece que o mundo respirou — comentou Kaela, quebrando o silêncio. — Como se algo que segurava a natureza pela garganta tivesse soltado.Elena assentiu. Ainda sentia o toque da Despertada dentro de si, como se sua alma tivesse sido marcada por fogo lunar. Era uma sensação de vastidão e peso. A responsabilidade não a esmagava, mas também não era leve. Era real. Pulsava
O corredor que levava à Câmera do Coração era estreito, esculpido diretamente na rocha viva. As paredes exalavam uma energia antiga, pulsando em uníssono com o batimento de Elena. Runas brilhavam suavemente sob seus pés à medida que avançavam, como se reconhecessem sua presença. O silêncio era espesso, pesado, como se até o tempo temesse perturbar o que dormia ali embaixo.Elena caminhava à frente, guiada não por mapas, mas por um chamado interior que só ela conseguia ouvir. A Despertada sussurrava através do sangue que compartilhavam. Uma melodia esquecida, uma dor ancestral, ecoando através da pedra, da alma e da lua.— Estão sentindo isso? — perguntou Aedan, a voz baixa, quase um sussurro reverente.— Sim — respondeu Kaela. — Não é apenas magia. É emoção. Ela está... viva. Sentindo.— Ela sabe que estamos aqui — completou Malrik, o olhar atento às sombras que se moviam pelas bordas da luz.Ao final do corredor, surgiu uma porta colossal. Duas metades de um disco lunar, entrelaçadas
A trilha que levava até o coração das Montanhas Negras era menos um caminho e mais um testamento da passagem do tempo. Galhos secos estalavam sob os pés dos quatro viajantes, enquanto vultos corriam nas periferias da visão — sombras que desapareciam quando encaradas diretamente. Elena, Aedan, Kaela e Malrik seguiam em silêncio, os sentidos atentos a cada ruído, cada sopro de vento que parecesse deslocado.A caverna onde haviam passado a noite ficava para trás como um último ponto de refúgio. À frente, os picos das montanhas se erguiam mais íngremes, como dentes de uma criatura adormecida. A presença da Despertada se tornava mais forte a cada passo, uma vibração estranha que reverberava no solo e dentro deles.— Estamos perto — disse Aedan, sentindo o instinto primal pulsar sob a pele. — A magia é mais densa aqui. Antiga. E... sagrada?Kaela assentiu, o olhar firme. — Este era um território de equilíbrio, antes de tudo ser rompido.Malrik, caminhando à frente, ergueu a mão. — Vejam.Em
A trilha estreita serpenteava entre rochedos cobertos de musgo, árvores antigas e sombras densas que pareciam sussurrar segredos aos viajantes. As Montanhas Negras se erguiam à frente como muralhas vivas, seus picos engolidos por nuvens escuras e o ar impregnado de uma tensão quase elétrica. Cada passo de Aedan, Elena, Kaela e Malrik soava abafado, como se a própria terra estivesse prestando atenção em seus movimentos.— Estamos sendo observados — disse Malrik, baixo, os olhos atentos varrendo a mata.— Desde o nascer do sol — respondeu Kaela, sem tirar a mão do cabo da adaga presa ao cinto. — Não são humanos.— Nem completamente lobisomens — murmurou Aedan. — Há algo... corrompido. Sentem isso?Elena, montada ao lado dele, apertou os dedos contra o colar com o pingente de pedra lunar. — Como se as árvores tivessem olhos. E a floresta, fôlego.Apesar da tensão, seguiram em frente. Tinham deixado para trás os últimos vilarejos conhecidos há dois dias, e agora adentravam o coração da re
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