A névoa descia cedo sobre Valedouro, enroscando-se nas árvores como dedos gelados, sufocando todo e qualquer som. Era pequena a vila, contornada por pinheiros altos e mudos, tão velha que nem os mais velhos lembrava-se do fundador. Mas sabiam das histórias e do medo.
As noites de lua cheia amedrontavam como pragas. Portas trancadas, velas extintas, preces sussurradas perto das janelas. Ninguém ousava sair. Ninguém afrontava o que existia lá fora. Elena andava pela trilha de terra batida, os seus passos leves divergiam do silêncio intenso que a cercava. Usava um capote escuro de lã e levava uma cesta com ervas coletadas na encosta da colina. Era filha do curandeiro antigo, o único na vila a investigar os mistérios das plantas e dos astros. Mesmo com os olhares do pai e as fofocas das vizinhas, Elena aventurava-se sempre um pouco mais distante do que era permitido. Alguma coisa na floresta a atraia. Um murmurar ancestral, mais doce do que o temor. Parou um segundo ao ouvir o uivo. Distante, todavia nítido. Não era som d'um cão, nem de um lobo qualquer. Era diferente. Quase humano. Engolindo seco, ela agarrou a alça da cesta, apressando seus passos em direção a casa. O céu já escurecia, e a lua crescente ascendia devagar entre as nuvens. A noite não era totalmente escura, contudo, o ar parecia mais espesso, como se a floresta respirasse com custo. — Elena! — a voz firme do pai vindo da varanda iluminada por um lampião de óleo. — Tá ficando tarde! — Já estou indo — retrucou ela, subindo os degraus de pedra. Lá dentro da casa, o odor de raízes secas, incensos e chá fresco se entrelaçavam. Seu pai, Otávio, fechou a porta com força e travou a tranca dupla. Embora não fosse supersticioso, nem mesmo ele ousava ignorar os alertas antigos. — Achou verbena? — indagou, voltando-se pro caldeirão. — Bastante. Mas os pés mais jovens estavam murchos. Era como se algo os tivesse queimado. Otávio franziu a testa. Um detalhe mínimo, mas seus olhos se fixaram em preocupação. — Afaste-se das trilhas mais profundas por alguns dias. Prometeu Ela hesitou, e então acentiu. Mais no seu intimo, ja sabia num conseguir cumpre-la. Aquele uivo ainda tremia em seus osso, qual um som incompleto duma canção esquecida. Naquela noite, enfiada debaixo das cobertas grossas, Elena num conseguiu durmi. A lua beijava o chão do quarto, através da fenda da janela, e a floresta parecia sussurrar o seu nome com cada brisa. Elena... Levantou-se, com vagaros, como se guiada por algo incompreensível. Ajeitou-se na capa, e, sem sapatos, escapou pela porta dos fundos, onde a tranca apenas descansava. A noite a recebia com um frio cruel e um silencio total. E logo ela viu — entre as árvores, em pé como uma sombra viva, um lobo negro de olhos de ouro, espiando-a. Nenhum som. Nenhuma mexida. Só a certeza que ele esperava por ela. E, pela primeira vez, Elena num sentiu medo. Sentiu... o destino. Naquela noite de silêncio, um uivo distante rasgou o ar como um pressentimento... e nada jamais voltaria a ser o mesmo.