A floresta se achava num nevoeiro grosso naquela madrugada parecendo o mundo um tanto suspendo, num lugar de sonho e realidade. Elena andava bem devagar, os pés descalços tocando a grama fria, sem sentir o frio. Era como se estivesse em transe, guiada por alguma coisa que vibrava la dentro — um sussurro, uma presença antiga.
As árvores pareciam se curvar à sua passagem, como guardiãs silenciosas. A lua crescente se escondia atrás de nuvens grossas, mas ainda projetava uma tênue luz prateada, entre os galhos. E ai, ela o viu de novo. O lobo negro se encontrava parado numa elevação coberta por musgo, a encarando com olhos dourados, que pareciam brilhar com sua própria luz. Não rosnava. Não fugia. Apenas a observava, como se a esperasse. Elena fico ali, imóvel, com o coração batendo meio fora do compasso. Algo lá dentro dizia para correr. Mas uma outra voz — mais funda, mais antiga — sussurrava: Fique. Observe. Lembre-se. O lobo desceu devagar a elevação, chegando mais perto passo a passo. Elena prendeu a respiração. Quando estava a poucos metros dela, parou. Seus olhos faiscaram como brasas, e por um instante ela vislumbrou... algo além da carne e do pelo. Hum… um homem? Um espirito? Uma alma, sabe, em conflito? De repente, sem mais nem menos, o lobo se virou, e disparou pra dentro da mata. Elena deu um passo à frente, qual se quisesse ir atrás dele, mas logo parou. O ar… mudou. Um vento gelado varreu as árvores, e, com ele, vieram os… murmúrios. Zunindo pra todo lado, as vozes diziam palavras em idiomas que ela num entendia, mas sua pele, oh, reconhecia. Frases, tipo, meio capenga. Nomes esquecidos… Gritos sufocados. “Lunae filius. regressus est.” “Sangue e ferro… a floresta haverá de lembrar.” “A guardiã… desperta!” Assustada, Elena recuou. Os murmúrios sumiram rapidinho, engolidos pelo silêncio, espesso da floresta. Ao retornar pra casa, o céu começava a clarear. Otávio ainda roncava, e a vila acordava, devagar, alheia ao que se mexia sob suas raízes. Ela se deitou, fingindo-se morta, de sono. Mas a imagem daquele lobo — e aquela… dor estranha no peito ao vê-lo sumir — não saíam de sua cabeça. À tardezinha, um homem aportou na vila. Montando num cavalo sombrio, com uma mochila de couro e o rosto escondido sob um capuz, ele chamou atenção desconfiada. Era jovem, com ombros largos e um andar confiante. Seus olhos dourados, por outro lado, geraram sussurros curiosos. Elena avistou ele, da janela da loja do pai. O coração dela parou por um momento. Aqueles olhos! Eram idênticos. Impossível que fosse verdade! O forasteiro rumou a hospedaria, e solicitou abrigo por um tempo, sem precisar especificar quando seria o fim. O seu nome, conforme o livro de registro: Lucas D'Arven. E, ao encara-la, parado na porta, ele sorriu, um sorriso de quem recorda uma lembrança, esquecida a tempos. Elena sentiu um frio percorrer sua espinha, ao ver o olhar de Lucas encontrando o seu. Era como se todos os ruídos da rua tivesse parado por um segundo, apenas o barulho do próprio coração dela ecoava nos ouvidos. Ele não desviou o olhar, ali havia uma intensidade incrivel, algo ancestral e próximo, como se soubessem tudo um sobre o outro, mesmo antes daquele instante. E apesar de tudo, Elena não conseguia explicar, o porquê. Naquela noite as luzes da vila, a extinguirem-se lentamente, e as janelas fechavão-se apressadas Elena, porém, mantinha-se desperta encarando fixamente a escuridão florestal lá no horizonte. A névoa elevava-se, feito cortina, e no ar a sensação era forte que o destino tinha dado partida. Lucas D'Arven, ah, ele não era apenas um forasteiro. Ele era parte dum enigma, agora ligado ao dela, e a lua, escondida, observava, acho, tudo, com olhares cúmplices.