Mundo ficciónIniciar sesiónÀs vezes, o silêncio é a arma mais perigosa. Dante Lobo, um homem forte que comanda um império farmacêutico, mas não consegue ouvir a voz da própria filha Melissa, uma menina doce de sete anos, que parou de falar no dia em que sua adorada mãe morreu, e em seu silêncio carrega um segredo que pode destruir tudo. Clara Silva precisa de um milagre em forma de dinheiro para salvar a irmã de uma doença rara. E quando o cargo de secretária executiva de Dante aparece, com um salário obsceno, ela assina o contrato sem exitar. Sua alma, afinal, tem preço. O que ela não sabe: Dante não contratou sua eficiência, mas sim seu desespero. Ele precisa de alguém absolutamente leal para expor seu sócio que está transformando remédios em veneno. Mas o cálculo de Dante falhou em dois pontos. Primeiro, nos desenhos macabros de sua filha Melissa, que revelam pistas sobre a morte da própria mãe. Segundo, em Clara, que descobre que o tratamento experimental para salvar sua irmã é a mesma fraude mortal que Dante investiga. Agora, unidos para uma aliança tóxica, eles precisam confiar no único estranho que pode destruí-los. Enquanto tentam expor a verdade, precisam decidir: até onde vão para proteger quem amam? Onde a linha entre salvador e cúmplice desaparece.
Leer másECO DO SILÊNCIO
O som veio primeiro. Um barulho que nunca mais saiu da minha cabeça.
Não foi o choque, a batida em si. Isso veio depois, como um tremor distante. Foi o ruído que veio antes. Um gemido gutural, profundo, de metal se retorcendo, de vidro estilhaçando em câmera lenta dentro da minha própria mente. Um rangido longo, agonizante, que se fundiu para sempre com a última palavra que a Beatriz disse. Eu sinto esse som até hoje, latejando nos meus ouvidos nos momentos mais quietos.
Não a ouvi direito naquele momento. Minha cabeça estava longe, presa no fechamento trimestral, naqueles números teimosos que não fechavam, naquela pressão silenciosa e constante que o Viktor exercia sobre o conselho. O telefone no meu ouvido era só um canal para a minha própria frustração, que transbordava e respingava nela.
— Isso não é justo, Beatriz — minha voz soou cansada, irritada. — Não posso simplesmente sair agora. A reunião é crucial.
A voz dela, que normalmente era um riacho calmo, um alívio, veio afiada e cortante. — Crucial? Mais crucial do que a sua filha chorando porque o pai esqueceu de novo da peça da escola? Ela era uma árvore, Dante! Uma maldita árvore de papelão e glitter! Você tinha prometido.
— E eu vou estar na próxima. — A frase saiu oca, sem ar. Um clichê desgastado que eu mesmo não acreditava. — Manda uma mensagem para a professora, explica que houve um imprevisto. Eles entendem.
— O imprevisto é você! — A voz dela quebrou, mas não era choro. Era raiva pura, cristalina, a raiva de anos de ausência. — O imprevisto é a sua falta constante. A Melissa precisa de você. Eu preciso de você. Não do seu dinheiro, não do seu título de CEO. De você.
Fechei os olhos com força, esfregando a ponte do nariz. Sentia a dor de cabeça começando a latejar, uma pressão familiar atrás dos olhos. — Não comece com isso, Beatriz. Por favor, não hoje. Você sabe a pressão que estou sob. Meu pai construiu essa empresa do nada, e eu…
— E você está deixando que ela te consuma. Está deixando que eles te consumam. — O ‘eles’ era óbvio, dolorosamente claro: Viktor e o séquito de puxa-sacos dele. — Você está diferente, Dante. Algo está muito errado. Eu li aquele relatório… aquele que você deixou cair na sala de estar… sobre os lotes do Lúmen.
Um frio súbito, um choque de gelo, percorreu minha espinha inteira. — Você leu o quê? Beatriz, isso… isso não é assunto para… você não deveria ter…
— Não deveria o quê? Não deveria me preocupar? Não deveria achar estranho sumiços de medicamentos de alto custo dos registros? Não deveria desconfiar que o novo ‘produto milagroso’ de vocês tem dados bons demais, perfeitos demais para ser verdade?
— Pare. — A ordem saiu mais áspera, mais dura do que eu pretendia. — Pare com isso agora. Você não entende. É complexo. É perigoso ficar especulando sobre essas coisas.
Houve um silêncio do outro lado da linha. Um silêncio pesado, denso, carregado de algo terrível que ela havia descoberto. Quando ela falou de novo, a voz era um sussurro gelado, uma revelação fatal.
— Não é especulação, Dante. Eu encontrei… encontrei umas correspondências. No seu laptop antigo, aquele que você deixou no escritório em casa. O Viktor… ele não é só ambicioso. Ele é perigoso. De verdade. Eu… eu estou com medo.
Meu coração parou. Simplesmente parou de bater por um instante eterno, e então disparou, descontrolado, batendo contra minhas costelas. O escritório ao meu redor, o sofá de couro frio, a vista panorâmica de Nova York, tudo sumiu. Desapareceu. Só existia aquele fio de voz, carregando um perigo real, tangível, para dentro da minha vida. — O que foi que você encontrou? Beatriz, fala comigo. Me diz o que você viu!
— Não pelo telefone. — A decisão na voz dela era de aço, inflexível. — Estou indo aí. Agora mesmo. Precisamos conversar. Precisamos decidir o que fazer com isso. Pelo bem da empresa. Pelo bem da nossa família.
— Não, espera! Fica aí! Eu vou pra casa, eu… — Mas o medo que me apertou não era só por ela. Era por mim, pelo escândalo monumental, pela empresa, por tudo que desabaria. A hesitação durou um segundo. Um segundo fatal.
— Já estou no carro. — O som do motor de partida ecoou pelo viva-voz, um ruído comum que soou como uma sentença. — Chego em vinte minutos. Fica aí. E, Dante?
— O quê? — minha voz saiu rouca.
A voz dela suavizou, por um breve instante, voltando a ser a mulher que eu amara, a voz que cantarolava na cozinha. — Desta vez, escuta o que eu tenho a dizer. Por favor.
A ligação caiu.
Fiquei paralisado. O telefone, agora mudo, um peso morto pressionado contra o meu rosto. O relatório do Lúmen. Os desaparecimentos. As suspeitas que eu sempre abafei, em nome de uma lealdade doente, de um legado envenenado. A Beatriz tinha furado a bolha. Ela sabia. Sabia de tudo. E estava vindo me confrontar, trazendo as provas nas mãos.
O pânico subiu pela minha garganta, um gosto amargo e nauseante. Eu devia ir ao encontro dela. Devia impedi-la de vir, acalmá-la, explicar… explicar o quê? Mas meus pés pareciam pregados no carpete caro. O peso de uma decisão colossal – proteger minha esposa ou proteger o mundo frágil, podre e corrupto que eu ajudava a sustentar – me esmagava, me deixava sem ar.
Os minutos se arrastaram. Cada minuto foi uma pequena eternidade de culpa e indecisão, um martírio em câmera lenta.
Então, meu celular pessoal tocou. Um número desconhecido. Meu estômago se contraiu num nó de terror.
— Senhor Lobo? — Uma voz masculina, profissional, mas com um tremor subjacente, uma faísca de pena.
— Sim? Sou eu.
— Aqui é o oficial Ramos, do 12º DP. Houve um… um incidente. Na avenida Marginal. Um Chevrolet Prata, placa… o veículo pertence a uma Beatriz Lobo. Ela consta como sua esposa no registro.
O mundo desabou. Simplesmente desabou. O som do telefone caindo no chão foi completamente abafado pelo zumbido ensurdecedor, alto, estridente, que explodiu dentro dos meus ouvidos. Não ouvi os detalhes que vieram depois. “Colisão frontal”… “caminhão”… “no instante”… “não sofreu”… Foram só palavras vazias, sem significado.
Só consegui formar uma pergunta, com uma voz rouca, rasgada, que parecia vir das profundezas da minha garganta: — Ela… ela falou alguma coisa?
Uma pausa do outro lado. Longa, torturante. — Os paramédicos relataram que a senhora estava consciente por breves instantes no local. Ela repetia uma palavra, senhor.
— Qual palavra? — a pergunta saiu um sopro, quase inaudível.
— Dizia ‘Lúmen’. ‘Cuidado com o Lúmen’. Não fez sentido para a equipe. Faz algum sentido para o senhor?
Não respondi. Desliguei o telefone. O nome do medicamento-fantasma, a fonte de toda a podridão que eu temia, ecoou na sala silenciosa e vazia, agora misturado para sempre, inseparável, do último suspiro da minha esposa. Eu não a tinha ouvido em vida. Só tinha ouvido o eco da raiva dela, o ruído vazio da discussão. E agora, o silêncio que veio depois era o mais alto, o mais ensurdecedor de todos, carregado de uma verdade que meu cérebro ainda se recusava a compreender totalmente: A Beatriz não morreu por causa de uma discussão.
Morreu por causa de um segredo. Um segredo que eu sabia, que ela descobriu, e que alguém matou para proteger.
E o último aviso dela, sussurrado no meio da dor e do desespero, era a única coisa que eu ouviria com clareza absoluta dali em diante. Era a única palavra que importava.
O barulho da discussão sumiu. No lugar dele, instalou-se um silêncio culpado, pesado como uma lápide, frio como uma cova. E no centro absoluto daquele silêncio, plantada como uma semente venenosa que nunca mais pararia de crescer, estava a palavra que ia mudar tudo, que já estava mudando tudo dentro de mim: Lúmen.
A caneta desliza sobre o papel com um ruído surdo, final. Um risco de tinta azul, meu nome, sob a linha que diz “Parte Contratante B”. Não é uma assinatura, é uma cicatriz. O som do metal do corpo da caneta batendo na mesa ecoa na sala silenciosa, um ponto final no mundo que eu conhecia.Dante pega o documento. Seus olhos percorrem a minha assinatura, como um perito avaliando a autenticidade de uma nota falsa. Ele não sorri. Não acena. Apenas pega sua própria caneta — uma peça de prata gravada — e assina, com um traço firme e impiedoso, ao lado do seu nome. “Parte Contratante A”.O silêncio que se segue é mais espesso que antes. O ar está carregado de cheiro de tinta, de couro caro e da enormidade do que acabamos de fazer.— Heloísa — ele diz no interfone, a voz de volta ao tom habitual, seco, de comando. — Peça ao Dr. Tavares que suba. E traga as testemunhas padrão.Dr. Tavares. Meu antigo chefe. A ironia é um gosto amargo na minha boca. O homem que me dispensou por “cortes orçamentá
O medo tem um gosto metálico. É o que senti na boca enquanto o carro preto, com Marcos ao volante, deslizava pelas ruas molhadas, levando-me para longe do estacionamento subterrâneo da Lobo Holding. O cheiro do perfume de Viktor Salles — amadeirado, caro, invasivo — parecia ter impregnado o ar dentro do meu próprio pulmão. Esfreguei as mãos nos braços, tentando apagar a sensação daquela proximidade forçada, daquela ameaça velada em forma de sorriso.Mal cruzei a porta do apartamento, meu celular pessoal tocou. Dr. Elias.— Clara, preciso falar com você — a voz dele, normalmente tão serena, carregava um fio de tensão. — A clínica onde Lara faz a fisioterapia sofreu um… incidente hoje à tarde. Um curto-circuito no quadro de energia da ala de terapias. Ninguém se feriu, a Lara não estava lá, mas os equipamentos de neuroestimulação foram atingidos. A ala está inoperante.O chão pareceu ceder levemente sob meus pés. Apoio--me na parede da cozinha, a tinta gelada um contraste brutal com o c
O desenho de Melissa é uma brasa no bolso do meu blazer. Durante todo o caminho de volta ao apartamento, no banco de trás do carro de Marcos, sinto seu peso, sua mensagem silenciosa queimando contra meu corpo. Ela sabe. Sabe sobre Viktor. Sabe sobre a tensão no andar executivo. E, de alguma forma, liga isso à tristeza da mãe no jardim.Chego em casa exausta, mas agitada. Lara já dorme, o frasco do novo analgésico – um genérico da Lobo Farmacêutica, noto com um calafrio – na mesa de cabeceira. Sento-me à mesa da cozinha e espalho os dois desenhos: o da escola (uma cópia que fiz escondida no scanner do escritório) e o novo. Coloco-os lado a lado.A senhora triste. O homem escondido. O elevador. Viktor e eu. Os raios de conflito. O coração vermelho. A mancha vermelha.Não são apenas rabiscos de criança. É uma narrativa. Uma criança tentando contar uma história que não tem palavras para narrar. E eu sou parte dela agora. A mulher com o coração, parada entre o elevador e o perigo.Meu tele
O apartamento cheira a lasanha congelada e desinfetante. Um cheio familiar, de rotina empobrecida. Lara está no sofá, envolta em um cobertor, assistindo a um reality show na TV com o volume baixo. Seu rosto está pálido, os olhos um pouco sem foco. A medicação paliativa a deixa sonolenta.— Cheguei, — digo, pendurando meu casaco.Ela vira a cabeça, um sorriso cansado iluminando brevemente seus traços. — Tudo bem? Comeu?— No trabalho. E você?— A fisioterapeuta veio. Dói menos hoje. — É uma mentira piedosa. Vejo a tensão nos cantos de sua boca.Sento-me ao lado dela, pegando seus pés gelados e esfregando-os sobre o cobertor. O silêncio entre nós é confortável, mas sempre há a corrente subterrânea do medo. O relógio na parede faz um tique-taque, marcando as horas até a consulta com o Dr. Elias amanhã, onde o nome Neurovax será dito em voz alta, junto com um número que meu novo salário pode, finalmente, cobrir.— Consegui o emprego, — digo, tentando entusiasmo. — É numa grande empresa fa
A luz do computador é o único ponto vivo no meu cubículo às 19h47. O andar executivo é um deserto escuro e silencioso. O zumbido do ar-condicionado baixa para um sussurro noturno, fantasmagórico. Eu estou aqui porque o Dante me envia um e-mail às 18h59, quando eu já estou com a bolsa na mão pra ir embora. Preciso de um levantamento de todos os documentos públicos da Anvisa referentes ao registro e pós-registro do Lúmen. Relatório conciso amanhã às 8h. A mensagem não pede. Ordena. E por trás das palavras, a clara mensagem de que eu devo começar agora. Na hora.Lúmen. A palavra agora tem um eco sujo, pesado. O último sussurro da Beatriz. O remédio que faz o Viktor sorrir com aquele ar de dono do mundo. O projeto que faz a mandíbula do Dante ficar dura de tensão.Meus dedos voam no teclado. Acesso o portal da Anvisa, um labirinto de processos e números. O Lúmen, ou Lumatec, é um fármaco neurotrófico. Indicado para doenças neurológicas degenerativas raras. “Promove regeneração de bainhas
O carro é um sedã preto, discreto, por dentro tudo é couro frio que cheira a produto de limpeza caro. O motorista, o Marcos, é um homem de meia-idade que não fala nada. Me cumprimenta com um aceno de cabeça e fica com os olhos grudados na estrada. O Dante está no banco de trás comigo, mas poderia muito bem estar do outro lado do mundo. Ele está absorto no laptop dele, os dedos batendo suave no teclado iluminado, o rosto uma máscara dura de concentração. A tensão que fica pairando no escritório depois que o Viktor sai parece vir junto, transformada num silêncio pesado, que enche o carro.Olho pela janela, os prédios de vidro do centro dando lugar a bairros cheios de árvores, casas enormes e muros altos. O contraste com a clínica pública onde a Lara faz os exames é um soco no estômago. Aqui, a doença, a dificuldade, tudo é escondido atrás de fachadas perfeitas. Como a dificuldade da Melissa.A escola Maple Bear é um campus baixo, moderno, cheio de vidro e área verde. Parece mais um club





Último capítulo