Em meio a paredes frias de uma escola prestigiada e regras ditadas por famílias poderosas, Isabela só queria passar despercebida. Com um passado marcado por rejeição e uma rotina de invisibilidade voluntária, ela nunca imaginou que seria arrastada para um acordo que poderia transformar — ou arruinar — sua vida. Quando Victor Aguiar, o filho do CEO da holding mais influente do país, propõe um relacionamento falso para proteger um segredo familiar, Isabela se vê presa em um mundo de aparências, manipulações e sentimentos confusos. O que começa como um simples acordo pode tornar-se um jogo perigoso, onde o coração é o maior dos riscos. No meio de festas luxuosas, olhares julgadores e dramas familiares, será que Isabela conseguirá manter sua essência? Ou será engolida pelo contrato que ela nunca pediu para assinar?
Leer másAquela manhã parecia igual às outras — cinza, abafada, cheia de vozes que falavam sobre coisas que não me incluíam. No fundo, eu gostava disso. Ser invisível era mais seguro. Mais silencioso. E depois de tudo o que minha mãe e eu passamos, silêncio era um luxo.
A escola particular Elite era um lugar onde sobrenomes falavam mais alto que ideias. Eu era uma exceção ali, sobrevivendo graças a uma bolsa que estava por um fio. Minha mãe trabalhava como auxiliar de limpeza em um hospital e fazia bicos noturnos para que eu pudesse estar ali entre pessoas que nos ignoravam por esporte.
E então, naquela manhã em que eu só queria chegar na sala de aula, Victor Aguiar surgiu no meu caminho.
— Isabela. Preciso falar com você. Agora.
Ele disse isso com urgência, encostado na porta da sala de artes. Vestido impecavelmente, com o cabelo desgrenhado do jeito que parecia intencional, Victor era o tipo de pessoa que não pedia — mandava. E mesmo que eu não gostasse do tom, alguma coisa no olhar dele me fez seguir.
Caminhamos em silêncio até a ala desativada do colégio. Um corredor vazio, esquecido, onde apenas poeira e segredos se acumulavam. O cheiro de tinta velha e madeira úmida me lembrava de que nem tudo naquele lugar era reluzente.
— Eu preciso de você — ele disse, virando-se de repente. Seus olhos estavam firmes. Claros. Determinados.
— Tá me confundindo com alguém? — retruquei, cruzando os braços.
— Quero que você finja ser minha namorada. Oficialmente. Por um tempo.
A frase bateu como uma ventania em plena sala fechada. Tentei rir, mas ele não pareceu estar brincando.
— Você tá falando sério?
— Sim. Meu pai quer me forçar a um noivado com a filha do sócio dele. Uma fusão entre duas famílias milionárias, cheia de expectativas. Mas se eu estiver em um relacionamento, consigo tempo. Respiro. Talvez escape disso.
Eu não sabia se aquilo era um delírio ou uma jogada ensaiada. Victor era o tipo de cara que sempre teve o mundo aos seus pés — por que ele precisava de mim?
— E por que EU?
— Porque você é diferente. Discreta. E... não parece interessada em dinheiro ou status. Me disseram que você é inteligente. E me parece confiável.
"Me disseram." Claro. Victor nunca tinha olhado na minha direção antes. Era provável que nem soubesse meu nome até ontem.
— Isso é insano.
— Talvez. Mas funciona. Se você aceitar, sua bolsa será renovada automaticamente. E sua mãe será contratada no setor administrativo da Aguiar & Filho. Salário fixo. Benefícios. Contrato de um ano.
A proposta me deixou sem ar. Ele sabia. Sabia do risco que minha mãe corria, da carta de aviso do hospital. Sabia que minha permanência na escola dependia de uma avaliação que eu estava prestes a reprovar.
— Isso tudo por uma encenação?
— Isso tudo por controle sobre minha vida.
Victor parecia genuinamente incomodado. Pela primeira vez, aquele ar de superioridade estava rachado por algo mais humano. Medo? Rebeldia?
— Quais são os termos?
Ele sorriu. Claro, eu tinha entrado no jogo.
— Um contrato informal. Você me acompanha em eventos, aceitamos tirar fotos juntos, e mantemos a fachada nas redes sociais. Ninguém precisa saber que é mentira — ele respondeu.
Pensei em tudo que podia dar errado. O julgamento dos alunos. As fofocas. As expectativas. Mas também pensei em minha mãe chegando em casa sem chorar. E em mim, conseguindo manter a bolsa, terminar o colégio, sonhar com algo além da sobrevivência.
— Três condições — disse, firme. — Primeiro: sua família contrata minha mãe antes de começarmos. Segundo: você me defende publicamente se alguém tentar me humilhar. Terceiro: nunca me trata como se eu fosse sua posse.
Victor assentiu, com um brilho diferente no olhar.
— Você tem mais coragem do que metade das pessoas que me cercam.
— E menos paciência do que você imagina — rebati, tentando manter o controle sobre aquele momento que estava mudando minha vida.
Antes de sairmos do corredor, ele se aproximou.
— Isso começa segunda-feira. Uma semana de preparação. E... obrigado.
Foi a primeira vez que Victor Aguiar me agradeceu. E foi nesse instante que percebi: aquilo não era só sobre status, herança ou aparências. Tinha algo mais.
Algo quebrado.
Algo oculto.
E eu estava prestes a mergulhar nele.
Fiquei em silêncio, mas dentro de mim algo quebrava. Era raiva. Confusão. Também curiosidade. A pergunta que não parava de martelar era: o que Victor estava escondendo?
— Eu quero três garantias — disse, firme. — Minha mãe precisa ser contratada antes do acordo. Ninguém vai me ridicularizar. E você nunca vai me tratar como sua propriedade.
Victor sorriu de lado, como se respeitasse minha firmeza.
— Fechado.
— Ainda não. Isso começa na segunda-feira. Até lá, eu decido se entro nisso.
Saí dali sentindo o mundo girar. Meus valores me imploravam para dizer não. Mas a chance de salvar minha mãe e garantir meu futuro pesava mais do que meus princípios naquele momento.
No fundo, eu sabia que aceitar significaria abrir mão da minha paz. Mas também… talvez fosse hora de parar de fugir.
Narrado por IsabelaA estreia do documentário havia sido um sucesso. Victor estava em todas as manchetes. O movimento “Cicatrizes Visíveis” ganhava força. E pela primeira vez, parecia que a verdade estava vencendo.Mas a vitória tinha um gosto estranho. Não era doce. Era denso. Como se cada conquista viesse acompanhada de uma ameaça invisível.Victor estava mais calado. Mais tenso. Ele sorria para as câmeras, mas em casa, o silêncio era o que dominava.Eu o observava. Sabia que algo estava se acumulando dentro dele. Algo que não era dito. Algo que não cabia nas entrevistas, nem nos textos.Naquela noite, ele estava no quarto, sentado na beira da cama, com o celular na mão. A luz da tela iluminava seu rosto, revelando um cansaço que não era físico.— Está tudo bem? — perguntei, entrando devagar.Ele não respondeu de imediato. Depois, sem olhar pra mim, disse:— Meu pai mandou uma mensagem. — Disse que vai revelar
Victor passou a noite em claro. Não escrevendo. Não falando. Apenas sentado na varanda, olhando para o céu como se esperasse que alguma resposta viesse das estrelas. Desde que ele soube que eu havia lido o caderno, algo mudou. Não entre nós — mas dentro dele. Era como se uma porta tivesse se aberto, e atrás dela estivesse tudo o que ele tentou esconder por anos.Na manhã seguinte, ele me entregou o caderno. Não com hesitação, mas com uma espécie de entrega silenciosa. — Quero que você leia tudo — disse, sem olhar nos meus olhos. — E depois me diga se ainda acha que vale a pena contar.Li cada página. Não eram textos organizados. Eram fragmentos. Memórias quebradas, frases soltas, imagens que pareciam ter sido arrancadas da pele.“Ele me batia quando eu errava. Ele me batia quando eu acertava demais. Ele me batia quando eu chorava. E quando eu não chorava, dizia que eu estava me tornando frio como ele. Eu não sabia como vencer. Só como sobreviver.”
A intimação chegou numa manhã cinzenta. Victor estava no quintal, regando as plantas, tentando manter alguma rotina que lembrasse paz. Eu abri a caixa de correio e vi o envelope. Papel timbrado. Formal. Frio.Era um processo. A família Aguiar estava nos processando por difamação, exposição indevida de informações privadas e “danos irreparáveis à reputação da empresa e da figura paterna”.Victor leu em silêncio. Não fez perguntas. Não reagiu. Só sentou na varanda e ficou olhando para o envelope como se ele fosse uma bomba prestes a explodir.— Eles não vão parar — disse, finalmente. — Vão me enterrar em papelada, em tribunais, em mentiras.— Mas você tem provas. — Tem sua história. — Tem a verdade.— E eles têm dinheiro. — Influência. — Advogados que transformam dor em argumento.A tensão entre nós começou a crescer. Não por falta de amor. Mas por excesso de medo.Victor se fechou. Escrevia menos. Dormia menos. Falava men
Narrado por IsabelaVictor estava diferente. Desde que me entregou aquele envelope rasgado, algo nele se acalmou — mas outra parte parecia em alerta. Como se tivesse vencido uma batalha, mas soubesse que a guerra ainda não tinha acabado.Eu o observava em silêncio. Ele sorria mais. Dormia melhor. Mas havia um cansaço nos olhos. Um cansaço que não vinha do corpo, mas da alma. Na semana seguinte, ele me chamou no quintal.— Quero te mostrar uma coisa.Era um texto. Um relato. Sobre a visita do pai. Sobre o convite para voltar. Sobre a escolha de dizer não.— Quero publicar isso junto com o livro — ele disse. — Quero que as pessoas saibam que o poder não acaba quando a empresa cai. — Ele tenta voltar. — Ele tenta se disfarçar de oportunidade.Li o texto. Era cru. Forte. Doloroso.— Você tem certeza?— Tenho. — Se eu esconder isso, ele continua vencendoPublicamos o relato como um capítu
Narrado por VictorEra uma manhã comum. Isabela tinha saído cedo para uma reunião do grupo “Cicatrizes Visíveis”. Eu estava no quintal, revisando os últimos capítulos do livro, quando ouvi o som de um carro parando em frente à casa.Não era entrega. Não era vizinho. Era ele.Meu pai.Desceu do carro com a mesma postura de sempre: terno impecável, óculos escuros, expressão de quem nunca pede — só exige.Fiquei parado. O coração acelerou. As mãos suaram. Mas não me movi.Ele abriu o portão como se ainda tivesse direito. Como se a casa fosse dele. Como se eu fosse dele.— Bonita casa — disse, olhando ao redor. — Simples. Mas... funcional.— O que você está fazendo aqui?— Vim te buscar.A frase caiu como um soco.— Eu não vou voltar.— Vai sim. — Isso tudo já passou. — A mídia esqueceu. — Os advogados resolveram. — O nome da família está limpo.— Mas eu não estou.
Narrado por VictorA cidade nova se chamava Tiradentes. Pequena, histórica, com ruas de pedra e janelas coloridas. Parecia saída de um livro — e talvez por isso eu tenha conseguido respirar ali pela primeira vez.Isabela dizia que o ar era mais leve. Eu achava que era o silêncio. Não o silêncio do medo, mas o silêncio da escolha.Alugamos uma casa no alto de uma ladeira. Tinha varanda, quintal e uma vista que parecia prometer recomeços. Mas o passado não respeita promessas.No primeiro mês, tudo parecia calmo. Isabela se envolveu com o grupo de apoio que ela criou. “Cicatrizes Visíveis” virou um ponto de encontro para jovens que carregavam histórias parecidas com a nossa — contratos emocionais, manipulações sutis, amores que doíam mais do que curavam.Eu trabalhava numa ONG local, criando campanhas de conscientização sobre abuso psicológico. Era estranho ser ouvido. Mais estranho ainda era ser respeitado.Mas havia dias em que eu
Último capítulo