Contrato de Segredos
Contrato de Segredos
Por: Cacau
A Proposta

Aquela manhã parecia igual às outras — cinza, abafada, cheia de vozes que falavam sobre coisas que não me incluíam. No fundo, eu gostava disso. Ser invisível era mais seguro. Mais silencioso. E depois de tudo o que minha mãe e eu passamos, silêncio era um luxo.

A escola particular Elite era um lugar onde sobrenomes falavam mais alto que ideias. Eu era uma exceção ali, sobrevivendo graças a uma bolsa que estava por um fio. Minha mãe trabalhava como auxiliar de limpeza em um hospital e fazia bicos noturnos para que eu pudesse estar ali entre pessoas que nos ignoravam por esporte.

E então, naquela manhã em que eu só queria chegar na sala de aula, Victor Aguiar surgiu no meu caminho.

— Isabela. Preciso falar com você. Agora.

Ele disse isso com urgência, encostado na porta da sala de artes. Vestido impecavelmente, com o cabelo desgrenhado do jeito que parecia intencional, Victor era o tipo de pessoa que não pedia — mandava. E mesmo que eu não gostasse do tom, alguma coisa no olhar dele me fez seguir.

Caminhamos em silêncio até a ala desativada do colégio. Um corredor vazio, esquecido, onde apenas poeira e segredos se acumulavam. O cheiro de tinta velha e madeira úmida me lembrava de que nem tudo naquele lugar era reluzente.

— Eu preciso de você — ele disse, virando-se de repente. Seus olhos estavam firmes. Claros. Determinados.

— Tá me confundindo com alguém? — retruquei, cruzando os braços.

— Quero que você finja ser minha namorada. Oficialmente. Por um tempo.

A frase bateu como uma ventania em plena sala fechada. Tentei rir, mas ele não pareceu estar brincando.

— Você tá falando sério?

— Sim. Meu pai quer me forçar a um noivado com a filha do sócio dele. Uma fusão entre duas famílias milionárias, cheia de expectativas. Mas se eu estiver em um relacionamento, consigo tempo. Respiro. Talvez escape disso.

Eu não sabia se aquilo era um delírio ou uma jogada ensaiada. Victor era o tipo de cara que sempre teve o mundo aos seus pés — por que ele precisava de mim?

— E por que EU?

— Porque você é diferente. Discreta. E... não parece interessada em dinheiro ou status. Me disseram que você é inteligente. E me parece confiável.

"Me disseram." Claro. Victor nunca tinha olhado na minha direção antes. Era provável que nem soubesse meu nome até ontem.

— Isso é insano.

— Talvez. Mas funciona. Se você aceitar, sua bolsa será renovada automaticamente. E sua mãe será contratada no setor administrativo da Aguiar & Filho. Salário fixo. Benefícios. Contrato de um ano.

A proposta me deixou sem ar. Ele sabia. Sabia do risco que minha mãe corria, da carta de aviso do hospital. Sabia que minha permanência na escola dependia de uma avaliação que eu estava prestes a reprovar.

— Isso tudo por uma encenação?

— Isso tudo por controle sobre minha vida.

Victor parecia genuinamente incomodado. Pela primeira vez, aquele ar de superioridade estava rachado por algo mais humano. Medo? Rebeldia?

— Quais são os termos?

Ele sorriu. Claro, eu tinha entrado no jogo.

— Um contrato informal. Você me acompanha em eventos, aceitamos tirar fotos juntos, e mantemos a fachada nas redes sociais. Ninguém precisa saber que é mentira — ele respondeu.

Pensei em tudo que podia dar errado. O julgamento dos alunos. As fofocas. As expectativas. Mas também pensei em minha mãe chegando em casa sem chorar. E em mim, conseguindo manter a bolsa, terminar o colégio, sonhar com algo além da sobrevivência.

— Três condições — disse, firme. — Primeiro: sua família contrata minha mãe antes de começarmos. Segundo: você me defende publicamente se alguém tentar me humilhar. Terceiro: nunca me trata como se eu fosse sua posse.

Victor assentiu, com um brilho diferente no olhar.

— Você tem mais coragem do que metade das pessoas que me cercam.

— E menos paciência do que você imagina — rebati, tentando manter o controle sobre aquele momento que estava mudando minha vida.

Antes de sairmos do corredor, ele se aproximou.

— Isso começa segunda-feira. Uma semana de preparação. E... obrigado.

Foi a primeira vez que Victor Aguiar me agradeceu. E foi nesse instante que percebi: aquilo não era só sobre status, herança ou aparências. Tinha algo mais.

Algo quebrado.

Algo oculto.

E eu estava prestes a mergulhar nele.

Fiquei em silêncio, mas dentro de mim algo quebrava. Era raiva. Confusão. Também curiosidade. A pergunta que não parava de martelar era: o que Victor estava escondendo?

— Eu quero três garantias — disse, firme. — Minha mãe precisa ser contratada antes do acordo. Ninguém vai me ridicularizar. E você nunca vai me tratar como sua propriedade.

Victor sorriu de lado, como se respeitasse minha firmeza.

— Fechado.

— Ainda não. Isso começa na segunda-feira. Até lá, eu decido se entro nisso.

Saí dali sentindo o mundo girar. Meus valores me imploravam para dizer não. Mas a chance de salvar minha mãe e garantir meu futuro pesava mais do que meus princípios naquele momento.

No fundo, eu sabia que aceitar significaria abrir mão da minha paz. Mas também… talvez fosse hora de parar de fugir.

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