Narrado por Victor
Fiquei sozinho em casa por algumas horas. Cozinhei. Cozinhar é liturgia de volta ao corpo: alho na frigideira, a mistura do sal com o ácido do tomate, o óleo brilhando. Há dignidade em preparar a própria comida. É dizer: eu me alimento. Comi devagar, lavei a louça, sequei, guardei. Banal e sagrado. Deitei no sofá e uma lembrança bateu à porta sem invadir. No hospital, madrugada: uma enfermeira baixinha, coque apertado, entrou com remédios. “É para dormir”, disse. “Eu não quero dormir. Eu quero ir embora.” Ela me olhou com um cansaço que dizia: você não é o único. Tomei o comprimido. Dormi pesado. Acordei sem bordas, como bio apagada. Prometi, no sofá, sem juramento: não vou me dopar com outras coisas — nem trabalho, nem aplauso, nem álcool. Aplauso é droga forte. Preciso dosar.Isabela voltou e me encontrou no chão da sala, bloco de notas aberto. Eu escrevia uma lista de pequenos cuidados: dormir cedo duas vezes na semana; desligar o celular por