Abigail é uma jovem cheia de sonhos, planos e com uma alma de artista. Mas a relação conturbada que tem com sua mãe a faz se esquecer de quem ela realmente é e de seus sonhos de menina. Desde os quatorze anos Abigail tenta fugir de toda bagunça que é sua vida, então, aos dezesseis após ouvir uma conversa entre sua mãe e seu padastro ela descobre um segredo guardado a anos. Mais uma vez ela decide tentar uma fuga, porém dessa vez ela evitaria os mesmos erros das tentativas anteriores, ela sabia que um deslize e seria encontrada facilmente, que o fato do seu padrasto ser policial foi o que sempre a fez ser descoberta. Agora, após quatro anos fugindo, ela decidiu que já era hora de procurar pelo seu pai biológico, o homem que ela passou grande parte da vida acreditando que não se importava com ela, que abandonou sua mãe grávida e não quis cumprir com seu papel. Ela acreditava nisso pois foi o que sua mãe sempre dizia, mas na verdade, um dia antes de sua última fuga, ela ouviu sua mãe dizer que seu pai não fazia idéia da sua existência, que ele acreditava que ela havia interrompido a gravidez de forma proposital. Então Abigail que já estava cansada de fugir, decidiu que era hora de tentar uma ajuda e dar um novo rumo a sua vida, mas mal sabia ela que a vida reservava para ela algo muito além de apenas uma vida estável.
Ler maisJá era madrugada quando uma pequena figura sai de forma sorrateira pelo portão entreaberto. Algumas horas antes ela havia dito que tinha trancado o portão, porém de caso pensado ela deixou apenas encostado, para que dessa forma, quando fosse sair mais tarde ninguém notaria. Com apenas dezesseis anos Abigail sabia que as coisas não iriam melhorar, pelo contrário, pois a relação com sua mãe era extremamente conturbada e tudo piorou depois que Alex apareceu em suas vidas. Ele e sua mãe já estavam juntos a pouco mais de três anos e conviver com ele era insuporável. As surras, os xingamentos, as humilhações, as invasões ao seu quarto durante a madrugada... tudo isso fez com que Abigail tentasse fugir mais de uma vez, mas infelizmente era sempre encontrada por ele, afinal ele era policial e tinha tudo ao seu alcance para encontrá-la. Ela não podia contar com sua mãe, ás vezes ela era até pior que ele, então ela sabia que ninguém viria ajudá-la e que ela precisaria se salvar.
Três dias antes de sua fuga Abigail tentava dormir mas não conseguia. Ela vivia um constante medo, estava sempre alerta, a idéia de Alex invadir seu quarto durante a noite, enquanto ela dormia, a consumia. Então em um momento que pensavam que ela estaria dormindo, sua mãe e seu padrasto conversavam sobre assuntos do passado, no começo ela não deu muita importância, parecia uma conversa banal. Até que, dado momento ela ouviu uma pergunta que a deixou mais interessada na conversa:
- E o pai dela? - Alex pergunta.
- Marcos? - Regina pergunta surpresa. - Não há nada com que se preocupar. - ela responde em tom divertido. - Ele não faz idéia da existência dela, e ela, bom ela acredita que ele sumiu de propósito para não ter que assumir com as obrigações de um pai.
- E por que você não contou a ele?
- Eu não disse que não contei. - Regina revira os olhos em tom de desprezo e continua. - Acontece que ele sempre foi louco para ser pai e formar uma família, e quando eu o conheci ele estava na faculdade de direito, não era exatamente o que ele queria, porém os pais dele faziam questão. Eles não eram uma família de posses ou com grandes condições, porém eu vi como ele era obstinado e decidido, ele era um aluno de excêlencia, o melhor da turma na verdade. E não era muito difícil perceber que ele teria um futuro de sucesso. No ano em que ele se formou as coisas não iam muito bem entre nós, já tinhamos terminado duas vezes, mas eu sentia que em algum momento poderia perde-lo de vez, então consegui engravidar e quando ele tentou terminar uma terceira vez eu anunciei a gravidez. Ele ficou surpreso, mas disse que com certeza assumiria, mas que, independente de qualquer coisa, o nosso relacionamento estava terminado de vez. Ainda tentei por um tempo fazê-lo mudar de idéia, mas não adiantou, então me cansei e disse que havia interrompido a gestação, pois não iria criar um filho sem um marido. Ele chorou, e me ofendeu de todos os nomes possíveis, mas não tinha mais nada que pudesse ser feito. Então ele foi embora da cidade e eu nunca mais ouvi falar. - Regina solta uma gargalhada como se tivesse contato a melhor piada de todos os tempos.
- Mas se você acreditava que ele teria sucesso porquê não foi atrás pra tentar tirar algum dinheiro dele? - Alex pergunta confuso.
- Porque eu não queria dar a ele o gostinho de ter realizado o sonho de ser pai, eu quero que ele sofra eternamente pensando que perdeu um filho simplesmente por ser orgulhoso.
Abigail não quis ouvir o resto da conversa, ela entendeu que dali não sairia mais nenhuma informação importante, afinal sua mãe mesmo havia dito que não procurou saber de mais nada sobre o seu pai depois que ele foi embora. Abigail se senta na cama ainda muito confusa, afinal durante toda a vida sua mãe a culpava por seu pai ter ido embora, e agora ela descobre que sempre foi tudo uma mentira.
- Ele me amava, era louco por mim, mas o dia que contei sobre você ele acabou comigo, disse que não queria saber de filhos, me agrediu e disse pra nunca mais procurá-lo. Ele simplesmente sumiu. Eu poderia ter uma vida íncrivel, ser completamente feliz, mas você destruiu qualquer chance disso acontecer. - essas eram as palavras de sua mãe sempre que tinha uma oportunidade de magoar Abigail.
Abigail cresceu com a certeza de que não era amada por nenhum dos dois, e que além de tudo era uma pedra no caminho de sua mãe. Depois de alguns anos ela tinha passado a acreditar que tudo de ruim que acontecia em sua vida era como se fosse um castigo, e que ela de fato merecia tudo de o que acontecia. Abigail passou a mão pelo rosto e apenas nesse momento percebeu as lágrimas que escorriam, foi então que mais lágrimas desceram e ela se rendeu ao choro. Era um choro doído, onde ela mais uma vez sentia o peso das palavras de sua mãe, e se perguntava o por que de tudo aquilo, pra que submeter a própria filha a tanto sofrimento e humilhações.
Naquela noite Abigail não dormiu, depois de horas chorando parecia que não tinha nem lágrimas mais para chorar. Ela começou a pensar em como sua vida poderia ter sido diferente caso seu pai soubesse da sua existência, afinal ele de fato a queria. Talvez ela não teria sido agredida tantas vezes, nem por sua mãe ou por seus namorados. Talvez ele a tivese protegido de tudo e de todos...
A segunda-feira amanheceu abafada, o céu encoberto por nuvens espessas como se o tempo também sentisse o peso de um novo começo. Abigail saiu cedo, mochila nas costas e fones de ouvido no pescoço, ainda com os pensamentos vagando entre cálculos, pranchas de projeto e as lembranças do fim de semana ao lado de Sérgio. Os beijos. Os olhares longos. A forma como ele dizia seu nome como se ela fosse algo precioso — e, ao mesmo tempo, perigoso.As manhãs na faculdade estavam mais tranquilas. Felipe preso significava menos medo, menos tensão à espreita. Ainda assim, a presença de Matheus ao seu lado tornava tudo mais leve. Ele era divertido, prestativo e, naquela manhã, ofereceu ajuda para montar a estrutura da maquete do trabalho final.— Você precisa prestar atenção no alinhamento da base — disse ele, apontando com uma régua. — Se errar aqui, todo o resto vai desandar.— Como você é metódico — ela resmungou, mas sorria.— Eu prefiro “exigente”. Ou “perfeccionista irresistível”.Ela riu alt
O céu estava limpo quando o carro deixou a cidade para trás. Abigail mantinha o rosto virado para a janela, observando as árvores passarem numa velocidade tranquila, como se cada uma carregasse lembranças que ela não queria encarar de frente. Seus pensamentos se misturavam ao som do motor e ao ritmo cadenciado dos pneus na estrada. O silêncio dentro do carro não era tenso, mas havia uma expectativa densa pairando entre os dois, como uma respiração suspensa.Sérgio dirigia com uma mão no volante e outra apoiada no câmbio. Os olhos estavam fixos à frente, mas de tempos em tempos ele desviava o olhar na direção dela. Era como se ainda não acreditasse que ela estava ali, sentada ao seu lado, que tinha aceitado aquele convite, aquele recomeço.— Está tudo bem? — ele perguntou, a voz baixa, quase temerosa de quebrar o encantamento daquele instante.Abigail virou-se devagar, os olhos ainda ligeiramente enevoados por pensamentos distantes. Mas então sorriu. Um sorriso pequeno, contido, mas ve
O retorno de Marcos foi discreto, sem alardes ou pressa. Depois de quase duas semanas fora do país resolvendo pendências empresariais, tudo o que ele queria era ver a filha bem. E, se possível, conversar com o melhor amigo sobre o que havia deixado em suspenso antes da viagem: o turbilhão emocional em que Abigail se encontrava.Sérgio o recebeu em sua sala assim que ele chegou ao prédio. Os dois se abraçaram com a cumplicidade de quem já dividiu alegrias, tragédias e silenciosas promessas de lealdade.— Como ela está? — foi a primeira pergunta de Marcos, direto, como sempre.Sérgio respirou fundo antes de responder. Seus olhos estavam levemente cansados, como se carregassem semanas de tensão.— Melhor... ou tentando ficar.Marcos assentiu, mas o olhar atento denunciava uma preocupação que não se dissolvia facilmente.— E sobre as ligações?Sérgio hesitou. Passou a mão pela nuca, um gesto automático que entregava seu desconforto.— Ontem, um novo número ligou e eu atendi sem pensar. Do
A segunda-feira avançava preguiçosa, com o sol da tarde filtrando-se pelas janelas do escritório. Havia um clima estranho no ar, como se tudo ao redor estivesse suspenso, em pausa. Mas para Sérgio, o tempo parecia correr em círculos. Desde o jantar com Abigail ele carregava um peso no peito — uma mistura de culpa, esperança e medo constante de que tudo pudesse desmoronar outra vez.Abigail, por sua vez, tentava manter a compostura. Trocavam poucas palavras, a maioria profissionais. Mas havia algo no ar entre eles, algo que resistia. Não era mais só distância, era... tensão e esperança. Como se ambos estivessem caminhando às cegas, mas finalmente na mesma direção.Naquela tarde, Sérgio foi até a mesa dela pois precisava falar com ela sobre uma reunião reagendada, ao notar sua cadeira vazia decidiu que iria esperar ali mesmo.Caminhou até a mesa dela com o e-mail aberto no celular. Mas foi o som de outro celular que o interrompeu: o celular de Abigail vibrando. Na tela, número desconhec
Alguns dias haviam se passado desde que as mensagens ameaçadoras haviam parado. Sérgio e Miguel conseguiram rastrear o número desconhecido até uma mulher que havia registrado boletim de ocorrência por roubo de celular. Eles entraram em contato explicando a situação, e ela, prontamente, cancelou a linha.O alívio foi imediato, mas incompleto.O fim das mensagens não significava que o perigo havia passado. Alguém ainda estava por trás de tudo, escondido, manipulando as peças de longe. Abigail sabia disso. E sabia também que, até a volta de seu pai de viagem, continuaria sob o teto de Sérgio.Na manhã de sábado, a luz entrava filtrada pelas frestas da persiana. Abigail acordou devagar, o corpo ainda pesado por tantas emoções mal resolvidas. Colocou uma blusa leve por cima do pijama e seguiu até a cozinha, tentando não pensar muito.Mas, ao entrar no cômodo, foi surpreendida por uma presença inesperada.— Bom dia, querida — disse a mulher sentada à mesa, tomando café com a serenidade de q
O silêncio dentro do carro era quase palpável. Nenhum dos dois ousava quebrá-lo, como se as palavras pudessem desencadear algo que ainda não estavam prontos para enfrentar. Abigail mantinha o olhar fixo na janela, mas sua mente revisitava, repetidamente, os acontecimentos da noite anterior.A imagem de Sérgio com o celular dela nas mãos, os olhos escuros percorrendo cada mensagem, ainda estava gravada em sua memória. Ele não dissera nada, nenhuma acusação, nenhum julgamento. Mas o modo como a mandíbula dele se contraíra... a tensão em seus ombros, o cuidado exagerado em levá-la para a casa dele. Ele tentou manter distância, tentou dar a ela o espaço que achava que precisava. E mesmo assim, esteve por perto, atento a cada movimento, vigilante.Não era frieza, era contenção. E isso doía mais.Sérgio, do outro lado, mantinha os olhos fixos no trânsito, mas o caminho à frente era apenas uma manobra automática. Seus pensamentos estavam presos às mensagens que lera. A insistência de alguém
Último capítulo