Essa menina vai ser um problema

Abigail está parada na calçada, do outro lado da rua de frente para o prédio comercial de vinte e cinco andares buscando coragem para entrar. A visão daquelas pessoas, todas vestidas de um jeito formal, entrando e saindo de forma apressada daquele prédio enorme e todo espelhado, misturada com o medo e a ansiedade lhe embrulhava o estômago. Com seu jeans desbotado, uma camiseta rosa com estampa de flores, um tênis surrado e uma mochila nas costas, ela tinha certeza que não passaria pela porta. Mas ela precisava encontrar coragem, já faziam quatro anos desde sua fuga, ela havia conseguido se manter todo esse tempo com trabalhos temporários, sem vínculos registrados, se hospedava em pensões que não exigiam identificação e nunca permaneceu por muito tempo no mesmo lugar, essas eram algumas das estratégias que ela usava para ficar longe do radar e não ser rastreada por Alex e sua mãe, ela tinha certeza que os dois não desistiriam tão fácil. Agora com vinte anos ela sabia que não daria para fuigir pra sempre, que esse era o momento para pedir uma ajuda, ela precisa de estabilidade, de certezas e era naquele prédio que ela tentaria mudar de vida. 

- Coragem Abigail, não da mais para fugir. - ela diz para si mesma quase que num sussurro. 

Abigail segurava em sua mão um pequeno papel escrito Marcos Alvarenga, ela tinha certeza que aquela era a letra de seu pai e o nome completo dele. No dia seguinte daquela conversa entre sua mãe e seu padrasto ela se lembrou que uma vez, enquanto mexia nas coisas de sua mãe procurando por alguma pista de seu pai ela tinha visto um pequeno papel com o nome "Marcos", ela não se lembrava do sobrenome, mas tinha certeza de que era o nome de seu pai e que ele mesmo havia escrito, pois a letra era muito diferente a da sua mãe. Então em um momento em que nem sua mãe ou seu padrasto estavam em casa ela foi procurar pelo bendito papel, e ele estava lá, no mesmo lugar. Ela guardou aquele papel durante todos esses anos de fuga e todos os dias ela olhava para ele. Durante esse tempo Abigail pesquisou muito para ter certeza de que estaria procurando pelo Marcos certo, então era ali que ela tinha certeza, ou pelo menos quase, que ficava o escritório de seu pai.

Decidida ela atravessa a rua e tenta empurrar a enorme porta de vidro da entrada, um homem muito bem vestido que também entraria no prédio percebe sua dificuldade e empurra a porta para ela.

- Obrigada. - Abigail diz envergonhada.

Ao entrar no prédio ela fica de boca aberta. O chão era de um cinza tão escuro que era quase preto, as paredes mármore, em um tom bem mais claro de cinza. Haviam três sofás grandes no meio do salão e várias poltronas espalhadas pelo ambiente, mais ao fundo uma mesa grande com duas atendentes e atrás dela uma parede com várias placas. Abigail concluí que ali era a recepção e conforme foi chegando mais perto e tentando ler os nomes das placas ela leu "Alvarenga e Marino", era para lá que ela precisava ir. Na recepção uma das atendentes está ao telefone e a outra atendendo o homem que havia aberto a porta para Abigail entrar. Ao encerrar a ligação a atendente faz um sinal com a mão para que Abigail se aproximasse, conforme andava ela percebeu o olhar que a atendente dava pra ela, era um olhar de desprezo, Abigail pensou se ainda dava tempo de voltar atrás e correr, afinal aquilo parecia um erro. Mas mesmo  querendo fugir ela continuou.

- Bom dia. - Abigail diz com um sorriso sincero.

- O que você deseja? - a atendente pergunta de forma ríspida.

- Eu gostaria de falar com doutor Marcos Alvarenga. - Abigail diz tão baixo que sai quase como um sussurro.

- O doutor Alvarenga atende apenas com hora marcada e não atende pessoas comuns. - a atendente diz olhando para Abigail de cima em baixo.

Abigail engole em seco e respira fundo.

- Mas é um assunto urgente. - ela insiste.

- Você já teve a sua resposta. - a atendente diz encarando Abigail de forma irritada.

Sem saber como reagir Abigail sai da recepção e se senta em uma das poltronas, ela fica ali sentada por alguns minutos tentando encontrar uma solução para aquele problema, sentindo seu estômago revirar e sua cabeça doer Abigail sente seus olhos arderem e se encherem de lágrimas, ela respira fundo e diz pra si mesma:

- Aqui não, agora não. Você não chegou até aqui depois de tanto tempo para terminar chorando na frente de dezenas de desconhecidos.

Abigail levanta a cabeça e olha mais uma vez para a recepção e percebe a atendente falando com um homem, que pela aparência parecia um segurança, e apontando para ela, ela então decide que precisa sair daquele lugar o mais rápido possível. Quando ela observa um grupo de homens andando pelo salão e conversando, quando estão próximos dela ela ouve um deles chamar o outro de Marcos, ela não tinha certeza, mas também não tinha mais nada, ela se levanta de forma apressada e sente tudo girar. 

- Marcos Alvarenga? - é a única coisa que sai de sua boca.

- Pois não? - é a última coisa que ela ouve antes de tudo se apagar.

Abigail desmaia e um dos homens que estava naquele grupo a segura antes que ela caia no chão. O segurança que Abigail tinha percebido segundos já estava se aproximando quando um dos homens pergunta:

- Para onde podemos levá-la?

- Por aqui. - o segurança responde indo em direção a uma porta ao lado dos elevadores. 

No caminho o homem que a pegou no colo observa o rosto da garota e se pergunta quem é ela e o que ela quer com ele, afinal ela sabia seu nome. Tudo bem que ele era advogado conhecido, mas era mais no universo corporativo, e aquela garota não parecia fazer parte desse mundo. Um outro homem que também estava no grupo pega a mochila de Abigail que havia caído no chão, eles seguem o segurança até a pequena sala, que para sorte deles tinha uma mesa, não muito grande, mas que daria para deixar ela deitada. O segurança já havia solicitado pelo rádio a presença de um dos bombeiros que ficavam pelo prédio e em pouco tempo ele chega com uma maleta de primeiros socorros. Ele verifica ao pulso dela que está um pouco fraco, mas nada que fosse alarmante.

- E então? - um dos homens pergunta. preocupado.

- O pulso está um pouco fraco, mas nada de grave. Acredito ter sido apenas um mal estar. - o bombeiro responde de forma tranquila.

- Então não é grave?

- Não. É bem possível que...

- Onde estou? - Abigail pergunta enquanto pisca várias vezes tentando se localizar.

-Ei mocinha pode ficar deitada por enqanto, - o bombeiro diz enquanto ela tenta se levantar - você teve um mal estar e ficou desacordada por alguns minutos, então não seria muito agradável para você se levantar tão rapidamente.

- Me desculpe. - Abigail diz se sentido envergonhada por toda situação.

- Imagina, não precisa se desculpar por isso. Nunca se sabe quando iremos passar mal. - o bombeiro responde com um sorriso sincero. - Posso te fazer uma pergunta?

- Sim.

- Você se alimentou bem hoje?

Abigail ficou sem saber o que responder por alguns segundos pois naquele dia ela ainda não tinha se alimentado. Ela estava com pouco dinheiro pois já fazia um tempo que tinha ficado sem emprego, então ela vinha economizando o máximo que podia. Dessa forma ela não tomava o café da manhã e procurava almoçar mais tarde que o habitual para levar mais tempo sem sentir fome, e de noite ela comia algo apenas se sentisse muita fome. E junto com isso tinha também a ansiedade, o medo de toda a situação que ela enfrentaria aquele dia, então o desconforto no seu estômago era mais pela situação do que pela fome.

- Eu ainda não comi nada hoje. - ela responde sincera e envergonhada.

- Agora faz sentido. - o bombeiro responde, e ele continua. - Isso é muito perigoso, já são quase duas da tarde e não se pode passar tanto tempo sem se alimentar. Só não vai me dizer que é alguma dieta maluca? - ele pergunta preocupado.

- Não, eu só não tinha sentido fome ainda. - ela responde tentando disfarçar a vergonha.

- Bom, - o bombeiro diz se virando para Marcos. - ela vai ficar bem, só precisa se alimentar um pouco. Eu recomendaria a cafeteria do saguão, - dessa vez ele se vira novamente para Abigail - coma algo com bastante nutrientes e com muita calma, depois de um tempo pode ir embora, mas antes gostaria de dar mais uma olhada em você, só para garantir que estará bem.

- Eu não preci...

- Eu vou garantir que ela se alimente de forma adequada, pode ficar tranquilo. - Marcos responde interrompendo Abigail.

- Então sendo assim eu vou ficar despreocupado. A senhorita pode se sentar agora, mas faça de forma tranquila, ok? - ele pergunta olhando diretamente para Abigail.

- Ok. - ela responde. - Obrigada. - ela diz com um sorriso tímido.

- Disponha. 

Após o bombeiro sair da sala um silêncio perturbador dura por alguns segundos. Abigail sabia que não estava sozinha e mesmo sendo autorizada ela não tinha coragem para se sentar, ela não fazia idéia de quem eram aqueles homens parados em pé ao lado da porta e tudo o que ela queria era sumir de forma mágica. 

Os dois homens parados continuam olhando para ela deitada na mesa, tentando entender toda a situação e se perguntando em que momento ela iria se explicar.

- Quem é você? - um deles pergunta quebrando o silêncio.

Abigail pensa em continuar deitada e responder sem ter que encarar nenhum dos dois, mas ela sabia que era uma situção que teria que acabar em algum momento. Então ela tenta se levantar rapidamente e de forma imediata ela sente tudo girar e os dois homens percebendo correm em direção a ela para dar um apoio.

- Você é surda ou o quê? - um deles pergunta irritado.

Abigail sente seu corpo tremer imediatamente, mas não teve certeza se era pelo mal estar ou por medo.

- Sérgio! - o outro o repreende.

- Me desculpem, eu só... - Abigail dá um longo suspiro antes de continuar. - sou Abigail.

- Certo, Abigail. E o que você quer com meu amigo? - ele pergunta impaciente.

Instantaneamente Abigail sente todo o seu corpo ficar tenso, a essa altura ela só queria correr dali, fugir para mais longe que fosse possível. Sua respiração começa a ficar acelerada, ela sente o peito doer, como se seu coração fosse parar de bater a qualquer momento. Sua mente está tão confusa e cheia de emoções que ela não consegue formular uma resposta.

- Da um tempo Sérgio. - o outro homem diz. - ela precisa se alimentar primeiro, do jeito que ela está agora não teriamos uma conversa produtiva.

- Você não existe Marcos.

A mensão do nome faz com que Abigail fique mais nervosa ainda e sinta que seus olhos estão marejados, tudo o que ela não poderia fazer naquele momento, chorar feito uma criança boba.

- Vamos a cafeteria. - Marcos diz em tom de gentileza.

- Não precisa, obrigada. - diz Abigail finalmente conseguindo formular uma frase. Ela se lembrou que estava com pouco dinheiro e que com certeza ela não poderia pagar nem pela água naquele lugar.

- Certo, minha sala então. - Marcos diz pegando na mão de Abigail para ajudá-la a descer, sem nem ao menos dar a chance para ela se negar.

Os três caminham para o elevador sem dizer nenhuma palavra, Abigail sente suas pernas tremerem talvez por fome ou medo da situação, não importava, a única coisa que ela tinha certeza naquele momento é que não teria como voltar atrás. O silêncio no elevador é quebrado quando Marcos pega seu celular e liga paa alguèm:

- Susi leve um lanche para minha sala, por favor.

A subida no elevador parecia interminável, Abigail estava sentindo sua garganta fechar e o pânico começava a se instalar em seu corpo, ficava cada vez mais difícil respirar e uma lágrima desceu pela sua bochecha, rapidamente Abigail passa a mal pelo rosto para secar a lágrima, torcendo para que nenhum dos dois tivese percebido. O fato de estar em um local tão pequeno e tão fechado, com dois homens desconhecidos tornava a situação ainda pior, ela sentia que poderia explodir a qualquer momento. 

Marcos se perguntava quem era aquela garota e o que ela queria com ele, ela tinha um rosto familiar, mas por mais que tentasse ele não conseguia se lembrar de quem poderia ser. Talvez a filha de algum cliente? Mas por quê? Quase impossível, afinal já fazem alguns anos que ele representa apenas empresas. 

Sérgio olhava fixamente para Abigail tentando imaginar de onde a garota saiu e o que ela estava fazendo ali, procurando pelo seu sócio. Será que ele teria tido algum relacionamento com ela? Difícil, não que ela não tivesse alguma beleza, mas além da garota ser uma adolescente Marcos é casado com sua irmã e ele nunca foi do tipo que pularia a cerca, menos ainda com uma menina que parece ser sua filha. Seria isso? Seja o que for, essa menina cheira a problema.

Finalmente quando o elevador para e abre as portas Abigal é a primeira a sair, quase que com um pulo, e finalmente ela sente o ar entrando de novo em seus pulmões.  

- Última sala do corredor. - Marcos aponta para o corredor a direita do elevador.

Sem dizer nada Abigail assente com a cabeça e caminha em direção a sala, mais rápido do que gostaria, afinal estava tentando fingir estar calma, coisa que ela tem falhado desde que entrou no saguão do prédio.

- Resolveu pular a cerca depois de velho? - Sérgio diz quase sussurando apenas para que Marcos fosse o único a ouvir.

- Você enlouqueceu? - Sérgio disse irritado - Ela é uma menina.

- E é isso que eu quero entender, o que uma menina estaria fazendo aqui, te procurando?

- E você acha que se eu soubesse a gente estaria aqui tendo essa conversa?

- Ela é bem bonitinha, mas nova de mais para ser amante, na verdade parece ter idade para ser sua filha. - Marcos engole em seco, ele mesmo ainda não tinha pensado nessa possibilidade - Seria isso então, - Sérgio diz sério - mas ela também parece bonita de mais para ter seus genes.

- Sérgio vamos para sua sala, aqui não é lugar para termos essa conversa e vou dar um tempo para ela se alimentar, depois vou saber exatamente o que está acontecendo.

Segundos antes de entrar na sala Abigail olha para trás e vê os dois homens em uma discussão, o tom de voz era baixo, mas dava para perceber que era uma discussão pelo modo que gesticulavam. Rapidamente ela entrou na sala e deu de cara com uma moça que já estava saindo, as duas quase se trombam e Abigail pede desculpas, a moça apenas a olhou de cima em baixo e apontou para um canto da sala onde tinha um pequeno sofá, duas poltronas viradas de costas para a porta e uma mesa de centro com uma bandeja em cima com algumas coisas. Ela sabia que aquela bandeja era para ela, mas antes que pudesse agradecer a porta se fechou. Abigail se sentou em uma das poltronas observando o que tinha naquela bandeja: algumas frutas, bolo, alguns salgadadinhos, iogurte e suco. Aos poucos ela foi se sentido mais confortável  e começou a comer, ela comia cada alimento bem devagar como se quisesse aproveitar cada pedaço, e quando estava quase terminando a porta se abriu e Marcos entrou na sala.

- Desculpe, não quis assustá-la. - Marcos diz ao perceber que Abigail se assustou com sua entrada.

- Não tem problema, eu quem estava muito distraída. - ela responde virada de costas para ele.

Marcos caminha na direção onde Abigail está, ele dá a volta pela poltrona e se senta no sofá, ficando de frente para ela. Ele fica em silêncio por alguns segundos olhando para o rosto dela, como se quisesse decifrar o que ela estava pensando.

- Bom, acredito que agora você está melhor. - ele diz olhando diretamente para a bandeja e constatando que ela estava praticamente vazia.

- Sim, estava tudo uma delícia. Muito obrigada. - Abigail diz com um sorriso tímido.

- Que bom. - Marcos diz enquanto se acomoda melhor no sofá. - Bom então acho que já pode me dizer o motivo de ter me procurado.

Abigail sente um frio na barriga, finalmente chegou o momento. O momento que ela não só estava esperando a quatro anos como estava evitando. Ela levanta a cabeça para de fato encarar o homem a sua frente, ela ainda não tinha olhado diretamente para o rosto dele e por alguns segundos ficou parada observando e pensado em guardar cada detalhe pois aquele homem poderia ser de fato o seu pai.

- Eu - Abigail solta um suspiro bem longo antes de continuar. - passei tanto tempo pensando no que dizer quando esse momento chegasse e agora parece que todas as palavras sumiram. - ela sente um nó se formando na garganta. - Bom, eu sou filha de uma antiga amiga sua, na verdade vocês era mais que amigos. - Marcos franze a testa como se estivesse procurando em suas memórias quem poderia ser. - o nome dela é Regina Carvalho. - Abigail diz o nome de sua mãe com medo da reação de Marcos, afinal ela não fazia idéia do tipo de sentimento que ele pudesse ter guardado durante todos esses anos.

- É de dinheiro que ela precisa? - Marcos diz se levantando de forma brusca do sofá. - Anda me diz, por isso ela te mandou aqui né para pedir dinheiro? - dessa vez ele diz se aproximando de Abigail, ele se apoiou sobre a mesinha de centro e ficou tão perto do seu rosto que ela podia sentir sua respiração. 

Abigail ficou apavorada, ela não tinha como correr dali, e a fúria nos olhos daquele homem indicavam que ele poderia matá-la a qualquer momento. Ela sente seu estômago revirar e o nó na garganta aumenta mais ainda, ela sente todo seu ar indo embora e uma lágrima escorre pelo se rosto.

- Não - Abigail finalmente diz - ela nem faz idéia de que estou aqui -  Eu te procurei porque acredito que o senhor possa ser meu pai. - Abigail diz sentindo um peso indo embora junto com as palavras.

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