Quase um beijo e uma idéia

Marcos arregala os olhos e fica paralisado por alguns segundos, ele endireita o corpo se afastando de Abigail. Então ele começa a andar pela sala de um lado para o outro resmungando algo que Abigail não conseguia compreender.

- Olha só, eu não sei o que sua mãe te disse. Mas não existe chances de você ser minha filha. Eu já não a vejo tem uns vinte anos pelo menos, e você tem o que? Dezessete ou dezoito?

 - Vinte. - Abigail diz rapidamente. - Eu tenho vinte, e eu te entendo. A Regina nunca foi uma pessoa fácil de lidar e ela me disse durante toda minha vida que você escolheu ir embora, eu cresci acreditando nisso. Mas um dia ouvindo uma conversa entre ela e o marido eu descobri que era tudo mentira, ela mentiu pra mim e pra você, ela nunca interrompeu a gravidez, ela só disse aquilo para te magoar. 

Marcos permanece parado olhando fixamente para Abigail, sem saber o que dizer. Dessa vez ele é quem sente se formar um nó na garganta. Os dois ficam se olhando em silêncio por um bom tempo, até que Marcos se senta novamamente. ele passa a mão pelo rosto tentanto absorver as últimas palavras que acabou de ouvir, mas era difícil. Era uma ferida que já havia se fechado e agora, depois de tantos anos, aparece essa garota remexendo em uma história que ele havia enterrado.

- Você sabe que existem meios de provar se é verdade o que você está dizendo, não sabe? - Marcos pergunta.

- Sim eu sei. E eu não tenho problema com isso, passei a vida toda imaginando como seria meu pai, e não posso deixar de tentar descobrir. Eu não tenho certeza disso, afinal a Regina sempre foi muito boa em inventar histórias, mas o fato é que existe uma possibilidade. Quando eu ouvi a história eu fiquei chocada e não sabia o que fazer, não sabia nem por onde começar. Ela tinha desaparecido com qualquer lembrança sua, não tinha uma foto, uma carta, absolutamente nada. Mas eu me lembrei que um dia encontrei um bilhete com o seu nome nas coisas dela. - Abigail tira do bolso o pequeno papel e entrega para ele. - então passei a te procurar, pesquisei bastante e durante todos esses anos fiquei pensando e ensaiando várias formas de chegar até você.

- Anos? - Marcos pergunta.- a quanto tempo você sabe disso?

- Quatro anos.

- E por que demorou todo esse tempo para me procurar?

Abigail exitou em responder por alguns segundos, ela não queria dizer que estava fugindo da sua mãe e do marido dela, e por isso que ela demorou esse tempo, ela sabia que se dissesse que estava fugindo a tanto tempo teria que explicar os motivos, e isso ela não iria fazer.

- Bom eu precisava de coragem e agora preciso de ajuda também. - ele olhou confuso para ela - Não vim te pedir dinheiro, a convivência estava difícil então eu sai de casa mas não quero que eles me encontrem. Eu tenho trabalhado em empregos mais informais porém está ficando cada vez mais difícil em se manter por isso estou precisando de algo com mais certeza, mas que pelo menos no começo eu consiga trabalhar sem ter algo registrado, até que eu consiga me estabilizar.

Marcos fica olhando para ela com um olhar confuso, tentando decifrar os motivos para tanto sigilo. Ele fica em silêncio por alguns segundos procurando as palavras certas.

- É complicado de mais colocar você aqui no escriório sem nenhum tipo de vínculo. - Marcos diz sincero.

- Não precisa ser aqui, na verdade nem era minha intenção mesmo trabalhar aqui. Minha única formação é o segundo grau, não tenho faculdade e nenhum conhecimento em escritório. A maioria dos meus empregos foram como vendedora, garçonete, funções desse tipo. Eu aceito qualquer coisa, mas minha intenção não é atrapalhar ou causar problemas.

- Olha só... - Macos é interrompido por uma batida na porta.

- Entra. - ele diz já sabendo quem está lá fora.

- Então? - o homem que entra pergunta olhando de Marcos para Abigail.

- Abigail esse é Sérgio, Sérgio essa é Abigail. - Marcos os apresenta mesmo sabendo que eles já sabiam o nome um do outro.

Abigail dá apenas um sorriso tímido e Sérgio a encara por alguns segundos e depois volta o olhar para Marcos.

- Pode se sentar Sérgio. - Marcos diz apontado para o sofá. - Sérgio é meu sócio, amigo e cunhado também. - Abigail apenas assente com a cabeça, entendendo o motivo da intromissão de Sérgio.

- Então você vai me dizer o que está acontecendo aqui ou eu vou precisar adivinhar? - Sérgio pergunta impaciente.

- Ela é filha da Regina - a expressão de Sérgio fica ainda mais assustadora e Marcos dá um longo suspiro. - e tem a possibilidade de que seja minha também.

- E você acreditou nessa história? - Sérgio pergunta já se levantando. - Você não vê aquela mulher já tem o que, uns vinte anos? Sério que você está pensando nessa possibilidade? Essa menina tem uns dezesseis anos? Não tem lógica isso Marcos.

- Sérgio eu te entendo, minha reação foi bem parecia. Mas Abigail já tem vinte e ela descobriu que a mãe dela mentiu sobre ter interrompido a gravidez, na verdade que ela mentiu sobre muitas coisas.

- E quanto ela tá pedindo? - Sérgio pergunta cruzando os braços.

Abigail engole em seco, os dois conversam como se ela não estivesse ali. Ela entende o porque da desconfiança, mas mesmo assim ela se sente cada vez mais diminuida.

- Não Sérgio, ela só precisa de um emprego. E também a Regina nem sabe que ela está aqui. - Marcos diz tentando acalmar o amigo.

- E você acha mesmo que isso é possível? - Sérgio pegunta incrédulo. - Aquela mulher quase acabou com você mais de uma vez, você mais do que ninguém sabe do que ela é capaz. Então é bem provável que ela mande uma possível filha pra te arrancar dinheiro. Talvez essa menina nem filha dela seja.

Marcos fica visivelmente incomodado com as palavras do seu amigo, mas não podia deixar de pensar que ele pode estar certo, afinal Regina é sim capaz de algo assim, até mesmo de coisa pior. Mas ele também não podia deixar de pensar que talvez essa história fosse real e que Abigail é a filha que ele acreditou nunca ter nascido.

- Olha só Sérgio eu te entendo e não tiro a sua razão, mas também não posso descartar a possibilidade dessa história ser verdadeira.

- Então o que você vai fazer? - Sérgio pergunta irritado.

- Começaremos pelo mais óbvio, vamos fazer um exame de DNA e depois do resultado a gente decide como vai ser o resto. - Marcos diz acreditando ser a melhor solução no momento.

- E minha irmã? - Sérgio pergunta.

O silêncio toma conta da sala mais uma vez. Abigail sabia que Marcos era casado a muitos anos e sabia que se fosse confirmado que ele é seu pai existia a possibilidade de sua esposa não aceitar muito bem a notícia. 

- Eu não vim para causar problemas na vida de ninguém. - Abigail diz sincera. - Eu só vim procurar uma ajuda.

- Ah sério? - Sérgio pergunta dando uma gargalhada sem humor. - Então o que você acha de ir embora daqui e voltar pro buraco de onde você veio sua...

-Sérgio chega. - Marcos interompe antes que ele continue. - Já está decidido, eu vou procurar uma clínica e amanhã mesmo faremos o exame, e só depois do resultado a gente decide o que fazer. E quanto a Luiza eu mesmo vou conversar com ela hoje.

- Se você acha que sabe o que está fazendo quem sou eu para te repreender. - Sérgo diz se dando por vencido.

- Abigail, passa seu número de telefone e também onde você está morando. vou tentar marcar ainda hoje, aí te ligo avisando o horário e a gente vê se em que local o exame pode ser feito.

- Eu não tenho telefone é só me falar um horário que amanhã eu apareço aqui. - ela responde implorando internamente para nenhum deles perguntar o por que dela não ter um telefone.

- Tem certeza? - Marcos pergunta confuso.

- Sim, acho que assim é melhor.

- Você está fugindo da polícia por acaso? - Sérgio pergunta sorrindo. - ´Afinal por qual outro motivo uma menina na sua idade não teria um celular nos dias de hoje? E também não tem endereço nenhum endereço, por acaso vive na rua?

Abigail congela diante da pergunta, pois ele não estava errado no racíocinio, afinal todos os questionamentos dele faziam sentido e qualquer pessoa com o mínimo de inteligência pensaria o mesmo. E o que mais a deixava apavorada era o fato de ele estar certo. Abigail estava mesmo fugindo da polícia, seu padrasto Alex era da polícia e ela tinha certeza de que ele ainda a estava procurando, ela sabia que apesar de já ter passado quatro anos ele e sua mãe não desistiriam tão fácil.

- Sérgio encerramos aqui. - Marcos diz pecebendo o medo estampado no rosto de Abigail. - Você pode voltar amanhã ás nove horas?

- Sim. - Abigail responde se sentindo aliviada por Marcos ter mudado de assunto.

- Combinado então... - antes que Marcos pudesse continuar alguém b**e na porta. - Pode entrar. - ele diz impaciente.

Uma mulher de aparência jovem e muito bem vestida entra, imediatamente Abigail percebe ser a mesma que ela encontrou saindo da sala quando ela entrava. Ela olha para Abigail com a mesma indiferença da primeira vez.

- Doutor Marcos sua reunião é em quinze minutos. - ela diz ainda olhando para Abigail.

- Certo Susi, já estamos encerrando por aqui. Obrigado. 

Susi continua parada em pé segurando um tablet ao lado da porta, olhando fixamente para Abigail. Seu olhar é frio e sem emoção, Abigail sente um frio percorrer sua espinha, mas apesar disso ela não consegue nem imaginar o que se passa na cabeça de Susi.

- Algo mais? - Marcos pergunta em um tom mais sério e impaciente, fazendo Susi finalmente olhar para ele.

- Não senhor, com licença. - Susi diz saindo rapidamente da sala e fechando a porta com mais força que o necessário.

- Bom, então está tudo certo. Amanhã eu te aguardo ás nove. - Marcos diz sorrindo para Abigail. 

- Sim, com certeza estarei aqui. - Abigail diz retribuindo o sorriso.

- Eu te acompanho até o elevador. - Sérgio diz apontando para a porta.

Marcos lança um olhar confuso para Sérgio, afinal ele não via o amigo ser gentil com ninguém. Muito pelo contrário, Sérgio era temido pela maioria das pessoas do escritório. Ele nunca foi grosseiro ou mal educado, no entando era extremamente rígido e exigente o que fazia com que grande parte da pessoas ao seu redor o temessem.

- Por favor né Marcos, - Sérgio diz sorrindo. - você acha que eu vou jogar ela pela janela? O elevador fica no caminho da minha sala e além disso a mochila dela ficou comigo.

- Claro. - Sérgio responde sem acreditar muito que seja somente por isso. - A gente se vê na reunião então.

- Até amanhã. - Abigail se despede de Marcos com um aceno.

- Até. - Marcos responde apenas confirmando com a cabeça.

Fora da sala, apenas com Sérgio ao seu lado, Abigail sente novamente um frio na barriga. Ele não iria jogá-la pela janela,mas talvez ele quisesse. Mas agora um pouco mais calma Abigail observa o corredor por onde passou, ela não tinha notado pois da primeira vez estava tão nervosa que se quer olhou para os lados, mas era um corredor bem espaçoso com duas salas antes da sala do Marcos, com um quadro entre cada uma das paredes, um deles chamou a atenção de Abigail, era a pintura de uma paisagem vista de um penhasco em um fim de tarde, mas também poderia ser a vista de um abismo. Ela parou e ficou olhando para a tela por alguns segundos, era uma pintura fascinante cheia de detalhes, o que a deixou encantada.

- Podemos ir, ou estou te atrapalhando. - Sérgio pergunta impaciente.

- Me desculpe, não quis...

- Anda, vamos. - Ele interrompe irritado antes que Abigail pudesse terminar a frase.

Abigail abaixa a cabeça e segue em silêncio os passos de Sérgio, ele anda com passos firmes e apressados, tão apressados que fica até difícil ela acompanhar. Abigail para de frente para o elevador Sérgio a puxa pelo braço e a leva para a direção oposta de onde vieram entrando na primeira sala do corredor. Ele entre na sala batendo a porta atrás deles. Abigail fica apavorada, talvez ele tenha mentido e iria de fato jogá-la pela janela.

- Eu não tenho tempo então vou perguntar apenas uma vez, quanto você quer? - Sérgio pergunta furioso.

- Eu não... 

- Claro que não. - Sérgio interrompe - Então você vai insistir nessa história? 

- Eu não vim pedir dinheiro, eu vim procurar uma ajuda. - Abigail diz com a voz embargada.

- Olha só - Sérgio diz passando a mão pelos cabelos de forma irritada. - eu não sou como o Marcos. Ele é ótimo nos negócios, mas quando se trata da vida pessoal dele ele é facilmente manipulável, e você deve saber exatamente isso pois veio a mando da Regina. - Abigail abre a boca para falar mas é impedida apenas com um gesto. - Eu não terminei, o Marcos é casado com minha irmã e eu não vou permitir que toda essa droga atinja ela de alguma forma. Então se eu fosse você iria embora daqui e voltava para onde você nunca deveria ter saído e diria para aquela Mulher que aqui não tem absolutamente nada pra vocês e que se insististirem nessa história vão se arrrepender. - Sérgio se aproxima do rosto de Abigail mais do que deveria, ele percebe algo em seus olhos, seria medo? Talvez, mas ele não pôde resistir a tentação e descer um pouco mais os olhos e parar na boca dela. Era nítido que ela tentava desesperadamente respirar, e aquele momento fez com que ele pensasse em outras situações que ela poderia ficar ofegante, então por alguns segundos ele pensou como seria se ele a beijasse. Abigail, percebendo o olhar e a aproximação de Sérgio deu um passo para trás, fazendo com que ele caísse em si e percebesse o que estava prestes a fazer.

- Pode sair. - Sérgio pega a mochila dela que está em uma cadeira e entrega para Abigail ao mesmo tempo em que aponta para a porta antes que Abigail conseguisse dizer qualquer palavra.

Abigail sai praticamente correndo, ela precisa sair dali o mais rápido possível. Rapidamente ela consegue entrar no elevador e quando as portas se fecham ela finalmente respira um pouco mais aliviada, mas só um pouco mesmo, pois as palavras de Sérgio ecoavam em sua mente. E o que ele pretendia fazer tão próximo? Era como se ele quisesse beijá-la, pelo menos foi o que ela sentiu. E por quê ele iria querer beijá-la? E como ele poderia ser tão grosseiro e tão bonito ao mesmo tempo? Abigail não tinha o costume de reparar nas pessoas, mas ele esteve tão perto, mesmo que por alguns segundos, que ela pode perceber o quão bonito ele é. Eram tantas perguntas em uma situação tão doida que ela não conseguia pensar direito. 

Sérgio sentou-se na cadeira sentindo a irritação tomar conta, ele estava irritado com tudo e principalmente com seu prórprio comportamento. Que loucura ele quase cometeu, beijar uma garota que talvez possa ser filha do seu amigo e sócio. Mas seria mais possível que ela não fosse, e apesar do medo em seus olhos por um segundo ele teve a sensação de que ela queria o beijo. Tudo bem que ela era bem mais nova que ele, mas não é como se fosse um crime, afinal ela já era adulta e se ela quisesse estava tudo certo. Então uma idéia muito doida passou pela cabeça dele.

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