ALESSANDRO
Aquela noite não sai da minha cabeça. Não importa quanto tempo passe, quantas madrugadas acorde com cheiro de pólvora ou sangue; ela está sempre lá. Eu tinha vinte e cinco anos. Velho o suficiente para matar sem hesitar. Jovem o bastante para ainda acreditar que podia controlar o caos. Lembro do frio. Do som das folhas sendo esmagadas sob o peso dos meus próprios passos cambaleantes. Do sangue quente escorrendo pelas minhas mãos. E dela. Um vulto silencioso. Um pequeno anjo — ou uma sombra — que surgiu da floresta como parte da noite. Movia-se com precisão, como se o medo nunca tivesse existido em seu vocabulário. Me arrastou para fora da mira, cortou o tecido da camisa e improvisou um torniquete. Quando tentei perguntar. Apenas me olhou. Aqueles olhos — frios, determinados — me encararam por um instante eterno. E então, desapareceu. Alguns dizem que eu alucinei. Que o trauma e a perda de sangue criaram uma miragem. Chiara, principalmente. Meu atual relacionamento perdeu espaço para essa minha procura. Mas já se passaram quatro anos. Quatro anos. E nem um detalhe daquela noite se apagou. Lembro do toque das mãos dela, pequenas, da frieza do metal que carregava. Do cheiro de floresta e chuva, a dor nos meus músculos. De como o coração dela batia firme, sem hesitar. Como se a morte fosse algo que ela já tivesse visto muitas vezes. Ou talvez já estivesse no automático, sabendo exatamente o que fazer. Se fosse alucinação, teria se dissipado. Mas o que eu vi… ficou gravado. E há noites em que ainda acordo com aquela imagem — o brilho da lua cortando o arco que ela empunhava. O grito me arranca do passado. Um som agudo, rasgando os corredores da casa como uma lâmina. Corro. Encontro minha mãe, Giorgia, ajoelhada no chão da sala, as mãos trêmulas, o rosto branco de pavor. — “O que aconteceu?” — minha voz sai áspera, seca. Um dos seguranças se aproxima, visivelmente tenso. Evita meu olhar. — “Signore Alessandro… seu pai…” Meu peito aperta. — “Fala.” — “Seu pai sofreu um atentado. Está no hospital. Entre a vida e a morte.” Por um segundo, o som desaparece. O ar fica pesado demais para respirar. Mas não tenho tempo para sentir o impacto. Esse é o preço de nascer D’Amato. O preço de ser da Camorra. Preciso ser estável o suficiente para manter o império de pé. Frio o bastante para não sucumbir ao saber que meu pai pode estar morrendo. Respiro fundo. Engulo a dor. Giorgia chora, e o segurança me encara, esperando uma ordem. Eu penso em tudo que aprendi, tudo que vi, tudo que suportei. Mas, no fundo, penso nela. Na “fada” da floresta. Na mulher que me salvou e desapareceu. E percebo que, de alguma forma, o mesmo mundo que está tentando me destruir é o que a criou. A diferença é que ela aprendeu a sobreviver. Eu… ainda estou tentando. A máscara desce. A voz sai firme. — “Preparem o carro. Vamos para o hospital.”