Mundo de ficçãoIniciar sessãoJade nunca imaginou que aos dezenove anos estaria desesperada por um emprego, muito menos que acabaria no interior da mansão Moretti, casa do homem mais temido e mais desejado do país. Henrico Moretti, quarenta anos, bilionário, reservado e dono de um olhar que parece atravessar a alma, não costuma contratar babás jovens. Também não costuma confiar em ninguém. Mas no instante em que vê Jade, algo nele se rompe. Um desejo silencioso. Uma obsessão que ele tenta esconder. Jade não sabe que Henrico já a tinha visto antes e que desde aquele dia não conseguiu esquecê-la. Contratada para cuidar do filho do bilionário, um menino tímido que desenha famílias completas para tentar preencher o vazio deixado pela mãe, Jade descobre que a casa guarda mais segredos do que qualquer pessoa imagina. A morte da esposa de Henrico nunca fez sentido. Há rumores, arquivos apagados e uma história que ninguém ousa mencionar. Enquanto isso, Henrico observa Jade com uma intensidade que beira o perigoso, como se protegê-la fosse sua nova obsessão. Quando uma acusação injusta explode dentro da mansão, Jade é demitida no terceiro dia. Humilhada. Destruída. O que ela não sabe é que Henrico não pretende deixá-la sair da sua vida, porque Jade é a única capaz de iluminar a escuridão que ele passa anos tentando esconder. E quanto mais ela tenta escapar, mais inevitável se torna o desejo que nasce entre eles. Um segredo enterrado. Um bilionário incapaz de esquecer. Uma jovem babá prestes a mudar tudo.
Ler maisAcordei com o despertador berrando no criado-mudo improvisado que eu mesma tinha montado com duas caixas empilhadas. Por um segundo, não sabia se era manhã, tarde ou noite. A claridade fraca entrando pela cortina remendada dizia que sim, já era dia. Mas a sensação no peito dizia outra coisa: que eu estava atrasada.
Sempre.
Antes mesmo de me levantar, estiquei a mão para o colchão fino no chão, buscando o corpo pequeno que eu precisava ver todos os dias antes de sair. Meus dedos tocaram o braço de Caio, encolhido debaixo do cobertor com estampa de super-herói. O cabelo dele, preto e bagunçado, caía pela testa, e a respiração pesada fazia o cobertor subir e descer devagar.
Esse menino tinha só oito anos, mas já carregava uma parte da vida que não deveria ser dele.
E eu carregava a culpa de sempre deixá-lo ali, sozinho, para trabalhar.
Me forcei a levantar do colchão. O chão gelado fez meus pés reclamarem, mas eu não tinha tempo para frescura. Passei pela cozinha minúscula: armário torto, geladeira velha, paredes descascando, o bilhete da conta de luz pregado com fita. A data de vencimento já tinha passado. De novo. Era como se as contas nunca tivessem medo de mim.
Abri a geladeira e encontrei o que já imaginava: quase nada. Um ovo, um restinho de leite e um pote com feijão de ontem. Respirei fundo, fiz uma decisão rápida e lógica. Usei o ovo e o leite. O feijão ficaria para Caio.
Preparei algo rápido, sem gosto, mas suficiente para enganar meu estômago até o meio da manhã. Enquanto o cheiro leve invadia o ambiente, olhei para o relógio velho na parede.
Eu estava atrasada.
Bebi metade do leite direto do copo, prendi meu cabelo loiro em um coque alto, vesti a calça jeans surrada, uma camiseta branca simples e o tênis que já tinha visto dias melhores. Era o uniforme do meu cotidiano. O uniforme da sobrevivência.
Voltei para o colchão e toquei o ombro de Caio com carinho.
— Caio, eu já vou. Tem pão na mesa e esquentei o leite. Não esquece do remédio depois de comer.
Ele abriu um olho só, ainda pesado de sono, e murmurou algo que soava como uma mistura de reclamação e carinho.
— Tá…
Sorri fraco.
— Qualquer coisa, me liga.
Ele virou para o outro lado, enfiou metade do rosto no travesseiro e puxou o cobertor com força. Aquele jeito típico de criança tentando se fazer de forte. E eu deixava, porque era o que restava para os dois.
Fechei a porta devagar e respirei fundo assim que o corredor apertado do prédio me engoliu. O cheiro de café forte, cigarro e produto de limpeza me recebeu como um bom dia mal-humorado.
O céu estava cinza. Quase branco. Pesado. Como se fosse desabar a qualquer momento.
Combinação perfeita com o meu humor.Enquanto descia as escadas três degraus por vez, minha mente corria mais rápido que meu corpo. Pensava no trabalho na creche, na coordenadora sempre com expressão de julgamento, nas mães apressadas e exigentes, nas crianças chorando, no salário curto, nos boletos longos, na minha mãe doente, no meu irmão que precisava mais de mim do que eu conseguia dar.
O ônibus se arrastou para chegar. Quando finalmente apareceu, velho, barulhento e lotado, eu já estava no limite. Entrei espremida, segurando na barra metálica, com o cheiro de perfume doce demais misturado ao de suor e pelo de casaco me sufocando.
Desci duas paradas antes porque o trânsito estava parado e eu não podia atrasar ainda mais. Corri o resto do caminho com a sensação de que o destino me puxava para trás pelo colarinho da camiseta.
Quando dobrei a esquina da creche, algumas mães já estavam na porta, com seus ternos impecáveis e saltos alinhados, olhando para mim como se eu fosse o atraso materializado.
— Bom dia — tentei dizer, mas apenas uma delas respondeu. As outras olharam para o relógio com um sutil ar de julgamento.
Entrei pelo portão desejando ser invisível.
O corredor estava cheio de mochilas espalhadas, casacos amontoados e crianças agitadas. O cheiro de giz de cera, álcool em gel e areia molhada preencheu o ar.
E então eu vi.
A coordenadora, Elisa, parada ao lado da porta da sala. Prancheta na mão. Óculos na ponta do nariz. Cara de problema.
— Chegou, finalmente.
Senti o golpe como se fosse físico.
— O ônibus atrasou — murmurei. — Mas já estou aqui.
— E não é a primeira vez — respondeu ela, anotando algo na prancheta. O som da caneta parecia tão afiado quanto as palavras dela.
Eu engoli qualquer resposta que meu corpo queria dar. Porque, apesar de tudo, ela estava certa. Não era a primeira vez.
E, naquela manhã, tudo parecia empilhar mais rápido do que eu conseguia segurar.
As crianças entraram, algumas chorando, outras rindo. Recebi a primeira com um sorriso quebrado, a segunda com um impulso automático de cuidado, a terceira com a paciência que eu tentava manter, mesmo quando minha alma queria deitar no chão e desistir.
— Tia Jade, você demorou — disse uma das meninas, agarrando minha cintura.
O nome saiu da boca dela como um carinho.
— Mas cheguei — respondi, girando-a no ar. — Você sentiu minha falta?
Ela assentiu com a cabeça e isso quase fez o dia doer menos.
A manhã correu como sempre: troquei fraldas, limpei mãos, separei brigas, cantei músicas infantis, contei histórias improvisadas com fantoches remendados. Em alguns momentos, quase esqueci do peso nos ombros.
Quase.
Porque a realidade sempre voltava.
No intervalo, sentei em um dos bancos minúsculos e chequei o celular. Nenhuma notícia de casa. Só uma nova mensagem do banco. Outro aviso. Outra cobrança.
Antes que eu pudesse guardar o celular, a voz de Elisa cortou o ar.
— Jade, na minha sala. Agora.
O mundo ficou menor.
Meu estômago despencou.
As pernas ficaram leves demais.
Atravessar o corredor até a sala dela pareceu interminável. Entrei. Fechei a porta.
Elisa estava sentada atrás da mesa, a prancheta à frente, um envelope ao lado, a expressão dura de quem já tinha tomado uma decisão.
E, naquele instante, eu soube.
Esse não seria só mais um problema.
Esse seria o problema.Aquele que mudaria tudo.
Aquele que abriria a porta para uma vida que eu ainda não imaginava.
E, sem saber, aquele era o dia em que eu começaria a andar na direção dele.
Do homem que eu ainda não conhecia.
Do homem que já tinha me visto.
E que já estava prestes a me querer.Aurora sempre teve um jeito de se encolher no próprio mundo quando o dia começava a escurecer. Era como se a noite trouxesse memórias que ela ainda não sabia expressar, sombras que ela não conseguia colocar no papel, medos que não tinham nome, mas tinham forma. E naquela tarde cinzenta, em que o céu parecia pesar sobre o telhado da mansão Albuquerque, o silêncio da menina estava mais denso do que de costume.Eu estava sentada no tapete do quarto dela, ajudando a montar um castelo de blocos de madeira. Aurora encaixava as peças com cuidado quase matemático, como se cada detalhe fosse vital para a estrutura não desmoronar. Observei o modo como ela franzia o nariz enquanto pensava, o modo como mordia a ponta dos lábios, e senti aquela familiar pontada de ternura que vinha toda vez que eu a via se esforçar para existir num mundo que, por algum motivo,
Nunca gostei do quarto de hóspedes no final do corredor sul da mansão. Ele sempre pareceu frio demais, silencioso demais, como se o tempo ali tivesse parado no exato instante em que tudo desmoronou. Evito olhar para aquela porta, evito respirar perto dela, evito lembrar. Mas a memória não precisa de permissão para abrir portas que eu preferiria manter trancadas para sempre.E naquela noite, depois de ver Jade com Aurora, depois de tocar o cabelo dela com uma delicadeza que eu mesmo não compreendi, algo dentro de mim se abriu sem que eu pudesse conter. O passado veio como um golpe seco, inevitável. Não houve aviso, não houve resistência possível.Eu estava ali, parado no corredor, e de repente não era mais o homem adulto que administrava empresas, controlava riscos e vestia máscaras com perfeição. Eu er
Aurora tinha adormecido no final da tarde, depois de um dia incomum, cheio de silêncios profundos e olhares que pareciam carregar segredos demais para uma criança tão pequena. O quarto dela estava iluminado apenas pelo abajur ao lado da cama, criando sombras suaves nas paredes e transformando o espaço em algo quase etéreo. Havia um cheiro leve de lavanda no ar, e por um instante, senti a estranha sensação de que aquele era o único cômodo da mansão que parecia respirar de forma diferente.Eu ajeitei a coberta sobre ela com cuidado, tentando não fazer barulho. Aurora dormia como se estivesse sempre pronta para acordar assustada, como se o sono fosse um lugar perigoso demais para ocupar completamente. A respiração dela era leve, quase inaudível.
A rotina na mansão Albuquerque não começou como um simples trabalho. Começou como um aviso.Um aviso silencioso, calculado, encaixado na forma de regras que não pareciam apenas regras profissionais. Eram coordenadas. Delimitações. Fronteiras que eu deveria obedecer sem hesitar, mesmo antes de compreender completamente.Quando acordei naquela manhã, a luz filtrada pelas cortinas parecia mais opaca, como se tivesse sido sugada pela casa antes de entrar no meu quarto. Passei a mão pelo rosto, tentando afastar a sensação estranha de que a noite não havia sido de descanso, mas de adaptação. Meu corpo parecia alerta demais, como se tivesse dormido ouvindo cada pequeno som da mansão.Encontrei uma pasta sobre a mesa do meu quarto. Não tinha visto ninguém entrar. Não tinha ouvido a porta abrir. Era como se aquele objeto tivesse surgido ali por vontade própria.Meu nome estava escrito na capa.Ao abri-la, encontrei as regras.Muitas regras.E não eram apresentadas de forma suave ou acolhedora.
A manhã seguinte começou com uma luz tímida entrando pelas cortinas pesadas do meu quarto. Era uma claridade branca, não dourada, e tinha algo quase estéril, como se a casa filtrasse a luz para não permitir que ela se tornasse quente demais. Eu ainda me sentia cansada, não pelo sono, mas pelo peso emocional da noite anterior. A discussão silenciosa com Henrico, o medo contido, a sensação de que a mansão inteira carregava segredos demais… tudo isso ainda estava preso em mim, como um nó apertado.Vesti a roupa rapidamente e saí para procurar Aurora. A casa permanecia tão silenciosa quanto antes, mas agora eu prestava atenção em detalhes que talvez tivesse ignorado no primeiro dia. O eco suave dos meus passos. O modo como algumas portas per
A noite caiu de um jeito estranho na mansão Albuquerque. As sombras pareciam se espalhar mais rápido do que o comum, como se a luz não tivesse força suficiente para alcançar todas as paredes. Depois de passar horas tentando organizar minhas coisas no quarto novo, o silêncio da casa começou a me incomodar. Um silêncio pesado, comprimido, que parecia conter palavras nunca ditas.Eu decidi sair para explorar um pouco, talvez apenas para me convencer de que não havia nada errado, que a sensação que me acompanhava desde que cheguei não passava de nervosismo por tudo ser novo demais, grande demais, assustador demais.Mas bastou entrar no corredor para perceber que havia algo errado. O ar ali parecia mais frio, como se circulasse por paredes que escondiam segredos antigos. As portas estavam todas fechadas, alinhadas de maneira quase militar. Nenhum som vinha de dentro de nenhum quarto. Nem risadas, nem televisão, nem passos. Era como se ninguém morasse ali de verdade. Ou como se todos tivess
Último capítulo