Capítulo 2

Dinheiro não compra silêncio.

As pessoas gostam de repetir que dinheiro não compra felicidade, mas isso é óbvio. O que quase ninguém diz é o quanto ele também não compra silêncio. Quanto mais você tem, mais barulho o mundo faz ao seu redor.

Motores. Relatórios. Telefones. Notificações. Vozes que nunca param. Um fluxo contínuo de gente querendo algo, cobrando algo, sugerindo algo, esperando que você decida tudo.

Eu decido tudo.

Pelo menos, era assim que eu costumava pensar.

Naquela manhã, o carro avançava devagar pela rua estreita, engolindo o trânsito com a paciência que eu não tinha. Do banco de trás, eu observava a fila de veículos pela janela escurecida, já com a mente dividida entre três reuniões diferentes, dois contratos internacionais e mais uma ligação que o jurídico exigia que eu fizesse.

Martin, meu motorista, mantinha as mãos firmes no volante. Nem precisava me olhar para saber que eu não estava de bom humor. Eu quase nunca estava.

Peguei o tablet, revisei o relatório de resultados da última filial, abri outro documento com a minuta de um acordo que eu não queria, mas sabia que precisava fechar. O mundo corporativo não ligava para o modo como você se sentia. Ou você crescia ou alguém pisava na sua cabeça e continuava andando.

Uma notificação acendeu na tela do celular ao meu lado. Mensagem do advogado.

Precisamos conversar sobre o material que recebemos ontem. É urgente.

Claro que era. Tudo era.

Eu ia responder quando um movimento do lado de fora chamou minha atenção. A rua em que estávamos não fazia parte do meu trajeto habitual. Eu costumava evitar aquela região, cheia de prédios antigos, comércios pequenos e calçadas esburacadas. Mas naquele dia o GPS tinha sugerido um desvio por causa de um acidente algumas quadras atrás.

Foi assim que eu a vi.

No início, foi apenas um borrão de cores: jeans, camiseta clara, um coque loiro torto no alto da cabeça e uma bolsa apertada contra o corpo. Uma figura feminina atravessando a rua quase correndo, desviando de um carro e pedindo passagem com a pressa de quem não tinha tempo de sobra.

O motorista ao lado buzinou e gritou alguma coisa pela janela, que soou como um insulto abafado. Eu não ouvi as palavras exatas, mas entendi perfeitamente o tom.

Ela não respondeu. Só apertou mais os lábios, abaixou levemente a cabeça e acelerou o passo até alcançar o portão de ferro de um prédio baixo, com uma placa simples indicando o nome de uma creche.

Eu não sei explicar por que não voltei a olhar para o tablet naquele instante.

Estava atrasado para uma reunião. Tinha um advogado me cobrando. Um conselho administrativo impaciente. Uma filha que eu precisava administrar com precisão cirúrgica para que o mundo não a engolisse também.

Mas eu continuei olhando para ela.

Martin percebeu que eu tinha erguido o rosto.

— Aconteceu algo, senhor?

Demorei um segundo para responder.

— Nada. Continue.

O carro andou mais alguns metros antes de ficar parado novamente, preso entre uma moto atravessada e um caminhão de entregas que bloqueava metade da pista. O caos comum da cidade.

Da janela, eu podia ver a entrada da creche com alguma clareza. A moça loira passou pelo portão, cumprimentou alguém de forma rápida, quase envergonhada, e entrou. Mesmo de longe, foi possível notar o cansaço no jeito como os ombros dela caíam, como se o corpo inteiro fosse pouco para suportar o dia que já tinha começado.

Poderia ser apenas mais uma funcionária em mais uma instituição qualquer. E, ainda assim, algo naquela imagem prendeu minha atenção de um jeito irracional.

Poderia ser o modo como ela segurava a bolsa, como se tudo que tivesse de importante coubesse ali dentro. Ou o fato de o cabelo estar mal preso, desfazendo-se em alguns fios soltos, que em qualquer outra mulher da minha esfera seria resultado de um penteado calculadamente descuidado. Nela, era apenas descuido. Cansaço. Realidade.

Não fazia sentido eu reparar tanto.

Eu costumava olhar para pessoas como ela da mesma forma que olhava para um poste de luz ou para uma placa de trânsito. Elementos que fazem parte da paisagem, necessários para o funcionamento do mundo, mas completamente distantes do meu círculo.

De repente, um grupo de crianças começou a surgir do lado de dentro, algumas sendo guiadas por mãos firmes de mulheres de aventais. Uma delas se lançou para frente e praticamente se jogou no colo da loira, que havia acabado de pendurar a bolsa num gancho perto da porta.

Eu vi quando a menina a abraçou pela cintura, com familiaridade e alívio. Vi quando a loira se inclinou, ergueu a criança no colo com um gesto que misturava força e cuidado, e girou devagar, arrancando uma risada espontânea da menina.

O sorriso dela surgiu exatamente nesse movimento.

Não foi exagerado. Não foi ensaiado. Não tinha traços de vaidade. Era apenas um sorriso gentil, cansado, mas real, que iluminava um rosto que até então parecia abatido.

Eu senti algo estranho no peito.

Como se, por um instante, alguém tivesse aberto uma fresta em uma sala que passou anos trancada, deixando entrar um pouco de ar, luz, movimento. Incômodo. Viva demais.

Não era o tipo de beleza que eu costumava notar. As mulheres com quem eu me relacionava eram sempre cuidadosamente montadas, vestidas para o palco em que eu existia: saltos altos, perfumes caros, roupas ajustadas, maquiagem impecável. E, por mais bonitas que fossem, nenhuma delas permanecia na mente depois que a porta se fechava.

Essa garota, no entanto, vestia um jeans comum, uma camiseta simples, um tênis gasto. E ainda assim, eu continuei olhando.

Ela colocou a criança no chão, ajudou a tirar o casaco, ajeitou o cabelo da menina com um cuidado automático, como se estivesse acostumada a cuidar de muita gente ao mesmo tempo. Depois, abriu espaço para outra criança que entrou chorando, limpou as lágrimas com o polegar, disse algo que eu não ouvi, mas que funcionou, porque o choro cedeu.

A calma que ela transmitia não combinava com a pressa com que havia atravessado a rua.

O trânsito voltou a se mover. O caminhão saiu da frente. Martin engatou a marcha.

Eu poderia ter simplesmente deixado a cena para trás.

Mas não consegui.

Olhei para o relógio. Eu poderia chegar três minutos mais tarde à reunião. Ninguém ousaria me questionar sobre isso.

Eu, por outro lado, queria saber.

— Martin.

— Sim, senhor?

— Volte a este endereço depois e descubra o nome dela.

Ele não precisou perguntar de quem eu estava falando. Seguiu a direção do meu olhar, viu a fachada da creche, a porta ainda aberta, a movimentação de crianças e professoras.

Era o suficiente.

— Entendido.

O carro avançou e, pouco a pouco, a imagem daquele prédio foi ficando menor no retrovisor. Ainda assim, a figura dela continuou nítida demais na minha mente.

Eu conhecia bem aquela sensação.

Não acontecia há anos.

Quando o prédio da empresa surgiu diante de nós, imponente e revestido de vidro, eu já tinha voltado a vestir completamente a máscara que o mundo conhecia. O executivo, o bilionário, o homem que sempre sabe o que faz. O viúvo exemplar.

Os seguranças abriram a porta do carro assim que estacionamos na área reservada. Entrei no saguão com passos firmes, o barulho dos saltos e sapatos de outras pessoas ecoando no piso brilhante de mármore. Alguém me entregou uma pasta, outro me atualizou sobre a chegada de um investidor estrangeiro, uma terceira pessoa informou um problema na filial do interior.

Eu respondi a tudo com a frieza habitual.

Meu corpo estava inteiro ali. Minha expressão, também. Mas uma parte da minha mente insistia em voltar alguns quarteirões atrás, para um prédio simples, uma calçada esburacada e uma garota que segurava crianças nos braços como se elas fossem o centro do mundo.

Uma garota que, claramente, não era da minha esfera.

A primeira reunião do dia começou no horário previsto. A sala de conselho, com seus vidros amplos e vista panorâmica da cidade, encheu-se de homens e mulheres de terno, laptops abertos, gráficos projetados na tela à frente.

— Precisamos falar sobre a nova campanha de imagem, senhor Albuquerque — disse um dos diretores, assim que todos se acomodaram. — Com o recente aumento de exposição da sua vida pessoal, achamos interessante trabalhar…

O resto da frase se perdeu por um segundo.

Exposição da minha vida pessoal.

Eu sabia exatamente do que ele estava falando. Há semanas, os rumores sobre meu passado insistiam em ressurgir. Blogs de fofoca, colunas sociais, perfis em redes sociais com apetite por escândalo. Sempre alguém querendo descobrir algo mais sobre a suposta tragédia que cercava meu nome.

O viúvo poderoso que cria a filha sozinho.

O homem que perdeu a esposa em circunstâncias trágicas.

A história perfeita para comover o público e elevar índices de engajamento.

Eu os deixava acreditar.

Era mais conveniente assim.

A verdade era outra. Muito mais suja. Muito menos heroica. Muito mais difícil de ser contada.

Da ponta da mesa, observei enquanto números, gráficos e projeções eram exibidos. Tomei decisões, fiz perguntas, cortei propostas que não me interessavam. O piloto automático da rotina corporativa assumiu o controle.

Mas até mesmo no meio daquela falação organizada, a imagem da garota continuava lá. Um clique isolado na memória, insistindo em voltar. A forma como ela se movia, o sorriso breve, o jeito como abraçava as crianças.

Eu não gostava de não entender minhas próprias reações.

Depois da terceira reunião, no fim da manhã, entrei no meu escritório e fechei a porta. O vidro escuro impedia que os funcionários me vissem completamente, mas eu via todos perfeitamente. Pessoas indo e vindo, carregando documentos, relatórios, preocupações menores que as minhas, mas urgentes para elas.

Peguei o celular.

Uma mensagem de Martin já me aguardava.

Descobri o nome da moça da creche, senhor. Jade Duarte. Auxiliar de sala. Mais detalhes, posso levantar à tarde.

Li o nome duas vezes. Jade. Um nome simples, mas não comum. Soava diferente na boca, como um metal frio e liso, como algo valioso que ainda não foi lapidado.

Fechei os olhos por um instante, sentindo o peso daquela informação se acomodar em algum lugar que até então eu achava que estava fechado.

Eu poderia apagar a mensagem. Fingir que não tinha pedido aquilo. Ignorar. Existiam milhares de outras funcionárias, babás, professoras, cuidadoras, em centenas de escolas e creches. Uma infinidade de mulheres que dedicavam a vida a cuidar de filhos que não eram delas.

Eu poderia simplesmente voltar ao meu foco usual: negócios, contratos, gestão de danos, sobrevivência.

Não fiz isso.

Escrevi uma resposta curta.

Levante tudo. Família, endereço, rotina. Com discrição.

Enviei.

Olhei pela janela, para o céu cinzento sobre os prédios.

Havia anos eu não permitia esse tipo de curiosidade em relação a ninguém. Curiosidade era o primeiro degrau de uma escada que eu tinha jurado não subir novamente.

Ainda assim, ali estava eu.

Pensando em uma garota de cabelo loiro preso às pressas, olhos que eu ainda não tinha visto de perto e um sorriso que eu não tinha ouvido, mas que, de alguma forma, tinha feito barulho demais dentro de mim.

Não era a primeira vez que o destino tentava interferir nas minhas regras.

Mas fazia muito tempo que ele não era tão insistente.

Eu ainda não sabia quem exatamente era Jade Duarte.

Não sabia que tipo de vida levava, que problemas tinha, que medos guardava.

Só sabia que, por alguma razão que eu não estava disposto a admitir, o dia que eu vi aquela garota correndo para a creche tinha se tornado importante demais para ser esquecido.

E, se havia uma coisa que eu entendia, era que quando algo começava a se tornar importante demais, o mais prudente era controlar.

Controlar a informação.

Controlar o acesso.

Controlar a presença.

Controlar a pessoa.

Eu ainda não tinha decidido o que faria com o que sabia. Mas, no fundo, uma parte de mim já tinha tomado uma decisão silenciosa:

Aquela garota tinha entrado no meu campo de visão.

E ninguém entra sem motivo na vida de um homem como eu.

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