Capítulo 5

 

A rua parecia mais longa do que de costume. Cada quarteirão que eu atravessava parecia se multiplicar, como se o caminho até minha casa estivesse sendo esticado pelo próprio destino só para aumentar o peso dentro do meu peito. Meu corpo doía como se eu tivesse corrido uma maratona, mas eu sabia que a dor não vinha das pernas. Era de outro lugar. Um lugar que eu tentava ignorar há meses, talvez anos, e que agora finalmente havia se rompido.

Eu não conseguia acreditar que tinha sido demitida. Não assim. Não daquele jeito.

Por mais que a vida tivesse me endurecido cedo demais, eu ainda acreditava que esforço significava alguma coisa. Que ser correta, gentil, cuidadosa, comprometida… valia de algo.

Mas, naquele dia, descobri que não.

A realidade simplesmente me engoliu sem cerimônia.

Quando virei a esquina do nosso prédio, senti a garganta fechar. Meu lar nunca tinha parecido tão pequeno, tão frágil, tão vulnerável como naquele instante. O prédio tinha paredes manchadas pela chuva, janelas enferrujadas, escadas que rangiam. Tudo nele gritava precariedade. Mas era o que tínhamos. Era o que eu sustentava. Era o que nos mantinha vivos.

Subi os degraus devagar, porque minhas pernas já não obedeciam direito. Respirei fundo antes de abrir a porta. Não queria que ninguém percebesse que eu estava destruída. Não queria preocupar minha mãe. Não queria assustar meu irmão.

Mas a dor estava tão estampada no meu rosto que eu não teria conseguido esconder nem com um sorriso completo.

A porta fez seu ruído habitual quando girei a chave.

— Jade? — ouvi a voz fraca da minha mãe vinda do quarto.

Respirei fundo, tentando ajustar meu tom.

— Sou eu, mãe. Já cheguei.

Caminhei até o quarto dela antes de colocar a bolsa no chão. Minha mãe estava deitada de lado, apoiada em dois travesseiros. Os cabelos escuros estavam mais ralos, mais quebradiços, como se cada fio espelhasse o cansaço que ela carregava há anos. Os olhos dela me observaram com aquele cuidado silencioso que só mães conseguem ter, mesmo quando mal conseguem levantar da cama.

— Você parece cansada — ela disse, estreitando o olhar.

Essa era a forma dela de dizer que algo estava errado.

— Só foi um dia longo — respondi, tentando não quebrar.

Ela inspirou devagar, como se estivesse lendo algo bem além das minhas palavras.

— O Caio está na sala. Estava esperando você para lanchar.

Assenti, forçando um sorriso pequeno antes de beijar sua testa. Depois caminhei até a sala, onde encontrei meu irmão sentado no sofá, com um caderno aberto no colo e lápis de cor espalhados pela mesa de centro.

Ele levantou o rosto quando me viu, e o sorriso nasceu antes mesmo que ele pudesse controlar.

— Jade! Eu fiz um desenho novo. Quer ver?

A alegria dele sempre doía na mesma proporção em que me curava. Ele tinha oito anos, mas carregava nos olhos uma maturidade silenciosa, uma consciência do mundo que nenhuma criança deveria ter. Talvez por isso seus desenhos fossem tão profundos.

Ele me mostrou a folha com entusiasmo. Era uma casa. Pequena, simples, mas com janelas iluminadas. E, diante da porta, três pessoas de mãos dadas: uma mulher de cabelo loiro, um menino pequeno e… um homem que eu não reconhecia.

Engoli a seco.

— Quem é esse? — perguntei, apontando para o homem desenhado ao lado dele.

Caio deu de ombros, como se aquilo fosse óbvio.

— É o pai de alguém. Todo mundo tem pai, né? Eu também quero desenhar um.

Meu estômago afundou.

Eu forcei um sorriso.

— Ficou muito bonito, Caio.

Mas por dentro eu estava despedaçando.

Ele riu, satisfeito com o elogio, e voltou ao desenho. Eu só conseguia observar os traços frágeis que ele fazia no papel, como se estivesse tentando construir uma família inteira com lápis de cor.

Aquela imagem era o resumo exato da nossa vida: uma tentativa desesperada de preencher vazios.

— Jade, você não vai lanchar com a gente? — ele perguntou, levantando os olhos verdes para mim.

Eu não tinha fome. Só tinha um buraco queimando dentro do peito. Mas não podia deixá-lo perceber.

— Vou sim. Só vou lavar as mãos primeiro.

Fui até o banheiro com passos apressados, fechei a porta e, finalmente, deixei o ar escapar do peito como se estivesse soltando uma dor que havia ficado presa o dia inteiro. Apoiei as mãos na pia, tentando respirar. O espelho mostrava minha própria imagem de forma cruel: olhos vermelhos, rosto pálido, expressão cansada.

Eu estava no meu limite.

O pensamento que tentei ignorar o caminho inteiro finalmente me alcançou.

Eu não conseguia mais.

Eu queria desistir.

Queria jogar tudo para o alto.

Queria dormir por dias.

Queria não ser a responsável por tudo o tempo todo.

Não aguentava mais ser forte.

Mas ao mesmo tempo… não tinha escolha.

Caio dependia de mim.

Minha mãe dependia de mim.

A casa dependia de mim.

Eu era a única sustentação daquele universo pequeno e frágil.

E agora, sem emprego, sem salário, sem perspectiva, sem nada além de uma demissão injusta, tudo parecia ruir.

Senti as lágrimas queimarem os olhos outra vez.

Eu estava tão cansada.

Tão ferida.

Tão… perdida.

Me virei de costas para o espelho e escorreguei até o chão, abraçando os joelhos. O banheiro parecia diminuir à minha volta, apertando, sufocando, comprimindo tudo que eu tentava segurar.

A respiração ficou rápida demais, trêmula demais. A ansiedade subiu como um nó que não havia como desfazer.

Eu queria desaparecer. Só por um instante. Só para descansar da vida.

Mas a voz de Caio ecoou pela porta, suave, pequena, cheia de inocência.

— Jade… você está bem?

Fechei os olhos com força.

Não.

Eu não estava.

Mas eu precisava estar.

— Estou, Caio. Já vou.

Ele se afastou, satisfeito. E eu respirei fundo até conseguir ficar de pé.

Quando voltei para a sala, ele me olhou como se eu fosse tudo que ele tinha no mundo. E eu era. Esse era exatamente o problema. Ser tudo para alguém quando você não tem nada para si.

Sentei ao lado dele e tentei participar daquele lanche improvisado, fingindo normalidade.

Mas minha mente não parava.

Não parava.

Não parava.

Como eu pagaria o aluguel?

Como compraria os remédios da minha mãe?

Como manteria Caio estudando, com comida na mesa?

Quanto tempo até sermos despejados?

Quanto tempo até tudo desmoronar?

A sensação de falha era tão profunda que parecia física.

E então, em meio ao silêncio desesperado dos meus pensamentos, uma imagem surgiu como um relâmpago: aqueles vidros escuros passando devagar pela rua enquanto eu me desfazia no meio-fio.

Eu não sabia quem estava naquele carro.

Mas senti um olhar.

Um peso.

Uma presença.

Como se alguém estivesse me observando de longe.

Como se alguém tivesse visto minha queda.

Eu tentei afastar a ideia, porque ela era absurda. Ninguém prestava atenção em pessoas como eu. Ninguém olhava para nós. Ninguém se importava.

Mas, mesmo tentando negar, a sensação permaneceu.

A noite começou a cair. O céu ficou vermelho antes de escurecer por completo. O ar esfriou. A cidade ficou silenciosa por alguns minutos entre um ruído e outro.

E foi só quando coloquei Caio para dormir, ajeitando os cobertores ao redor dele, que percebi algo inevitável:

Eu estava sozinha.

E, pela primeira vez, a solidão parecia grande demais para caber dentro de mim.

Abaixei a cabeça, respirei fundo e senti meu corpo tremer.

Eu estava à beira do abismo.

E não sabia que, do outro lado, alguém já estava me observando.

Alguém que não estava disposto a deixar esse abismo me engolir por completo.

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