Primavera de 1704. A ansiedade pelo pedido de casamento de Jonas,meu noivo, roubou-me o sono. O ar cheirava a jasmim e a promessas, e meu coração batia em um ritmo de pura expectativa. Tudo estava perfeito até o momento em que pus os pés na varanda e o mundo desabou. Não era a mim que ele olhava com devoção. "Alessia, por favor, case-se comigo." As palavras, que deveriam ser minhas, cortaram-me como uma lâmina. Eu vi os olhos de minha prima, Alessia, encherem-se de lágrimas de felicidade enquanto ela se lançava nos braços dele. Um enjoo violento atingiu-me, e eu me afundei no chão, escondida pela penumbra, forçada a testemunhar o meu próprio pesadelo. "Estamos apaixonados", ouvi Jonas declarar, enquanto seus dedos entrelaçavam-se aos dela. "Sophia e Philip não podem impedir nossa felicidade." Philip. O nome ecoou em minha mente como um sino fúnebre.Meu primeiro amor. Meu amigo leal. O homem que, ao confidenciar seu interesse por Alessia, fez com que eu enterrasse meus próprios sentimentos por ele, pensando estar fazendo o correto. Agora, enquanto ele cavalgava inocente nos campos de treino, sua amada troçava de sua honra com o noivo de sua própria prima. Uma fúria fria, mais forte que qualquer dor, nasceu dentro de mim. Sempre cedi tudo a Alessia – meus brinquedos, meus doces, meu lugar ao sol. Mas não isto. Não o coração do homem que ela jurou amar. Desta vez, ela não sairá impune. Desta vez, a doce e complacente Sophia desaparece. E nasce uma mulher disposta a lutar, não por um amor perdido, mas pela justiça que Philip merece.
Leer másPrimeiras Impressões: Um Encontro Sob o Céu Noturno A lua cheia reinava soberana no céu, um farol prateado cercado por um cortejo de estrelas cintilantes que pareciam fazer reverência à sua majestade. No entanto, à medida que a carruagem se aproximava da galeria, todo o esplendor celestial foi ofuscado por uma explosão de luz terrestre. Os grandes candelabros de cristal e as inúmeras tochas cuspiam labaredas douradas que se refletiam nos altos vitrais, criando um portal de ouro líquido que desafiava a própria noite. Era um espetáculo de poder e opulência, mas o coração de Sophia batia num ritmo ansioso e desencontrado. Uma parte dela, teimosa e frágil, ainda sussurrava uma esperança tola: talvez ele estivesse lá. Talvez Philip tivesse aparecido no último momento, ofegante e arrependido. Afinal, ela estava atrasada – seria injusto ele não a esperar? Era um devaneio perigoso, um fio de ilusão que ela teimava em manter. Com um esforço, desviou os olhos da janela, concentrando-se em a
Era tudo ou nada. Sophia sabia disso tão bem quanto qualquer um que já tivesse apostado o coração em uma única carta. A semana havia passado num turbilhão de ansiedade e expectativa, cada dia um passo mais perto do precipício. Agora, em meio à própria confusão, ela encontrava um refúgio peculiar: sua própria história. A história que escrevia com uma determinação feroz, como se cada palavra fosse um prego fixando sua sanidade em um mundo que desmoronava. Apesar de sua mãe, a Princesa Herdeira Isabella, ser uma figura ausente em sua vida cotidiana, seu apoio era como a espada de um general—distante, mas decisiva. Foi através dos contatos e da influência silenciosa de sua mãe que ela conseguira publicar seu livro tão facilmente, dando vida a "Sia". Agora, mergulhada nas novas informações dos próprios personagens que criara, ela encontrava não apenas uma fuga, mas uma forma de colocar sua cabeça para funcionar, de organizar o caos interno em tramas ordenadas. E, invariavelmente, sempre a
A Ceifa da Inocência A frase saiu de seus lábios como um golpe baixo, um reflexo visceral do pânico gelado que lhe percorrera a espinha. — Seu pai nunca permitiria. Foi a primeira vez que ele brandiu aquela arma contra ela—a arma cruel de sua própria irrelevância dentro daquela casa, a confirmação de que seu valor era ditado pela permissão de outro. Mas a investida, em vez de findar a batalha, arrancou de Sophia uma risada despretensiosa e suave, que ecoou sob a abóboda da figueira como um som estranhamente puro naquele campo de batalha emocional. — Você acredita mesmo na falsa preocupação do meu pai comigo? — ela perguntou, e a pergunta pairou no ar como a piada de mau gosto que era. Seus olhos, agora límpidos e secos, brilhavam com uma lucidez que cortava mais fino que qualquer lâmina. — Você mesmo esteve ali, Philip. Você testemunhou. Quantas vezes ele me diminuiu? Quantas vezes desdenhou de qualquer coisa que eu fizesse, por mais irrelevante que fosse? Ela não esperou por uma
O Peso da Verdade e o Ultimato Sophia respirou fundo, o ar noturno fresco enchendo seus pulmões como se fosse a última vez que respirasse antes de mergulhar em águas profundas. Quando finalmente falou, sua voz saiu suave, mas carregada de uma dor antiga, como se ela contasse não uma história, mas uma ferida aberta. — Lembro-me de cada detalhe daquela varanda, — começou ela, seus olhos fixos em algo distante, além dos galhos da figueira. A luz da lua prateada... o modo como eles se emaranhavam... os sussurros que não eram para serem ouvidos. Ela fechou os olhos por um breve instante, como se revivendo a cena. Aquilo me causou um enjoo tão profundo, Philip. Um enjoo que vinha não só do estômago, mas da alma. Ela o fitou novamente, e viu em seus olhos verdes uma tempestade de emoções. A surpresa era evidente, mas mais profunda ainda era a dúvida teimosa que persistia, como se seu cérebro se recusasse a processar uma realidade onde aquela Alessia—a que ele pensava conhecer—pudesse e
O Peso do Segredo O cansaço físico e emocional começava a pescar as pálpebras de Sophia quando, num último e lânguido olhar, ela capturou a expressão de Philip. Seu rosto, iluminado pela luz prateada e pelas sombras dançantes das folhas, era um campo de batalha silencioso. Entre a cruz e a espada. A tensão estava estampada na linha firme de sua mandíbula, no leve franzir entre suas sobrancelhas, na maneira como seus olhos, normalmente tão cheios de confiança, pareciam turvos pela indecisão. A ironia da situação não escapou a Sophia: era engraçado que um homem tão hábil em empunhar uma espada—literal e figurativamente—se visse agora desarmado por um conflito do coração. Um impulso corajoso, nascido daquela paz efêmera e do desejo de confortá-lo—e talvez a si mesma—tomou conta dela. Com um movimento suave mas decidido, ela se reajustou na grama. Suas mãos, mais fortes do que sua aparência delicada sugeria, encontraram os ombros dele. Sem uma palavra, ela o puxou com uma firmeza gent
A Perseguição e o Refúgio Philip percorreu o corredor com passos largos e determinados, seu coração ainda acelerado pelo confronto no salão. E então ele a viu—a silhueta de Sophia desaparecendo na curva à frente. Seus olhos, ainda em estado de alerta, registraram cada detalhe: a maneira como o vestido lilás tomara que caia se moldava perfeitamente às suas curvas esculturais, realçando a cintura fina e os quadris arredondados que balançavam suavemente a cada passo rápido e preciso. Ela não corria; movia-se com uma graça felina, quase como se desfilasse rapidamente por um salão invisível, a saia rodada sussurrando contra as paredes do corredor. Um impulso quase primitivo o atingiu—uma mistura de admiração, desejo e uma pontada de possessividade que ele não sabia ser capaz de sentir. — Por que a garota corajosa que acabou de enfrentar o próprio conde agora corre apressada como um filhote assustado? — sua voz ecoou no corredor vazio, um tom de desafio suave e quase divertido. Ela
Último capítulo