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Mundo ficciónIniciar sesiónAngel sempre fora a garota certa da mamãe — doce, obediente e incapaz de contrariar o que lhe ensinaram sobre o certo e o errado. Vivia dentro dos limites, e, de certo modo, gostava da paz que isso lhe trazia. Sua vida era previsível, limpa, sem riscos. Até aquele domingo. O sol atravessava os vitrais da igreja, tingindo o chão com cores que pareciam vivas, quando seus olhos encontraram os dele. Ethan Romano. Ela não soube explicar o que sentiu. O coração acelerou, as mãos suaram, e um calor estranho subiu-lhe pela espinha. O jeito despreocupado com que ele se encostava no banco — um tanto desajeitado, um tanto insolente — chamava atenção. Talvez fosse isso que fazia as pessoas o olharem com desdém. Talvez fosse isso que fez Angel não conseguir parar de olhar. A partir dali, algo dentro dela mudou — e ela sabia. Ethan seria o caos que bagunçaria a calma de sua vida. E ela, sem perceber, se tornaria parte dele. Entre uma mãe rígida e religiosa, ciúmes, brigas e segredos, Angel descobriria que o perigo podia ser viciante. Que quebrar regras podia ter gosto de liberdade. Mas... até onde ela estaria disposta a ir por alguém que a fazia esquecer quem sempre foi? Valeria mesmo a pena?
Leer másO padre fez mais uma oração antes que todos se sentassem.
O silêncio dominava a igreja, e a única voz que ecoava era a dele — firme, pausada, quase hipnótica. Eu nunca gostei de estar ali. Ia aos cultos porque minha mãe me obrigava. Simples assim. — Angel, ajeite esse vestido. — sussurrou ela, inclinando-se para o meu ouvido. — Da próxima vez, use algo decente. Olhei para o tecido azul-claro que ia um dedo acima do joelho e soltei um suspiro impaciente. Puxei um pouco a barra para baixo, só para evitar outra bronca, e voltei a encarar o altar. Todos olhavam para o padre como se ele fosse um santo, um mensageiro direto de Deus. Mas eu pensava diferente. Acredito em Deus, mas não acho que é a igreja que nos aproxima d’Ele. Mamãe, por outro lado, era devota ao extremo. Não faltava a um culto, se confessava toda semana e dizia que só existiam duas coisas realmente importantes na vida: o trabalho e a fé. Não que ela não se importasse comigo — mas, às vezes, eu me sentia invisível. Ela me criou para ter medo. Medo de errar. Medo de desejar. Medo de viver. Desde pequena, ouvi que “o maior pecado é se entregar antes do casamento”. E, segundo ela, os homens só serviam para usar as mulheres e depois jogá-las fora. Era com essas ideias que eu tentava crescer — sem entender muito bem o que havia de tão errado em querer sentir. Foi então que um som cortou o silêncio. A pesada porta da igreja rangeu, ecoando pelo salão. Todos se viraram, atentos, como se o próprio diabo tivesse acabado de entrar. Mas não era o diabo. Era um garoto. Moreno, alto, o olhar firme e provocante. Devia ter uns dezenove, talvez vinte anos. Usava uma calça jeans escura, uma camisa preta de mangas compridas e o cabelo — bagunçado no ponto certo — caía sobre a testa. A barba rala dava a ele um ar de descuido bonito, perigoso. Ele caminhou até um banco vazio no fundo e se sentou de qualquer jeito. Aos poucos, os olhares se desviaram, mas o ar parecia diferente, como se ele tivesse trazido o caos junto. Eu nunca o tinha visto antes. Nem ali, nem em lugar nenhum. As garotas do banco da frente cochichavam, trocando risadinhas abafadas. Arrumei a franja que caía no meu rosto e, sem pensar, me virei para olhar. Foi aí que aconteceu. Nossos olhares se cruzaram. Por um instante, o tempo parou. Os olhos dele eram escuros e intensos — cheios de algo que eu não sabia nomear. Ele estava largado no banco, o braço apoiado na madeira e as pernas esticadas, como se aquele lugar não merecesse a postura dele. Meu coração disparou. Desviei o olhar depressa, sentindo o rosto esquentar. Respirei fundo — uma, duas, três vezes — tentando me concentrar no sermão. Mas seria mentira dizer que ouvi uma única palavra do resto daquele culto. O padre deu a bênção final e, aos poucos, os irmãos começaram a deixar o templo. Procurei aquele garoto com os olhos, mas ele já não estava mais lá. Provavelmente tinha sido o primeiro a sair. Do lado de fora, as pessoas se cumprimentavam e desejavam um bom fim de domingo. Rodeei o olhar pelo pátio da igreja e o encontrei, um pouco afastado da multidão. Estava encostado em uma árvore, com uma das mãos no bolso da calça e a outra segurando um cigarro. Levou-o aos lábios e tragou lentamente. Quando soltou a fumaça, olhou direto para mim. Senti um arrepio percorrer o corpo. Abracei a mim mesma, sem saber se era pelo vento frio ou pelo frio que ele me causava por dentro. Ele jogou o cigarro no chão, apagando-o com a ponta do sapato, e tirou algo do bolso — talvez uma chave. Deu alguns passos até um carro preto estacionado na esquina, abriu a porta e entrou. Fiquei observando até o veículo dobrar a rua e desaparecer da minha vista. — Vamos, Angel? — a voz da minha mãe me trouxe de volta. Ela ainda conversava com uma mulher da igreja, e eu apenas sorri, por educação, antes de segui-la até o carro. O interior estava gelado. Entrei rápido, buscando o mínimo de calor. Minha mãe colocou a bolsa no banco de trás, ajeitou o retrovisor e ligou o motor. — Foi um ótimo culto, não foi? — perguntou, ainda com o tom satisfeito de quem cumpriu um dever. — Foi sim — murmurei, encostando a cabeça no banco. — Só fiquei com medo daquele garoto que entrou no final. — Ela disse, franzindo a testa. — Parecia um marginal... foi-se o tempo em que só entravam pessoas de bem na casa de Deus. Revirei os olhos, em silêncio. Eu odiava quando ela falava assim — como se fosse melhor do que todo mundo. Mamãe tinha essa mania de julgar sem conhecer. Voltei o olhar para a janela e me perdi nas luzes da rua. E, sem querer, voltei a pensar nele. No jeito que me olhou. No cigarro, na calma, na forma como parecia não se importar com nada. Será que ele voltaria à igreja? Por que eu me importava com isso? Chegamos em casa em poucos minutos. Saí do carro e fui direto para o banho. A água quente caiu sobre mim como um alívio. Fechei os olhos e deixei o vapor preencher o banheiro, tentando lavar também o turbilhão de pensamentos que ainda rodava na minha cabeça. Quando saí, me enrolei na toalha e escolhi uma roupa confortável. Vesti um moletom cinza e uma blusa preta, prendi o cabelo e me joguei na cama. Fiquei olhando para o teto por um tempo. Amanhã eu tinha um teste de matemática e precisava estudar, mas a vontade passou longe. Tudo o que eu conseguia pensar era naquele olhar. Foi quando ouvi três batidas leves na porta. As batidas na porta se repetiram, mais suaves dessa vez. — Angel? — reconheci a voz da minha mãe. Me ajeitei na cama e puxei o cobertor até o peito. — Entra, mãe. Ela abriu a porta e apareceu com o mesmo ar sério de sempre, o cabelo preso num coque apertado e os óculos escorregando no nariz. Carregava uma pasta nas mãos e parecia cansada. — Preciso te avisar de uma coisa — começou, apoiando a pasta na escrivaninha. — Surgiu uma viagem de última hora. Vou ter que ir a Nova York domingo cedo pela amanhã, a empresa me chamou pra resolver uns assuntos urgentes. Assenti devagar. — E eu? — Você vai ficar aqui, claro. — respondeu, já prevendo a pergunta. — Ainda faltam algumas semanas pra terminar o semestre, e não quero que perca aula por causa disso. Ela falava com aquele tom prático, como se deixar a filha adolescente sozinha por alguns dias fosse algo normal. — E vai ficar quanto tempo fora? — perguntei, tentando disfarçar o nervosismo. — Uns quatro ou cinco dias, no máximo. — Ela olhou em volta, como se inspecionasse o quarto. — Eu confio em você, Angel. Sei que é responsável o bastante pra não fazer besteiras. Sorri de leve. “Besteiras”, na linguagem dela, significava qualquer coisa que fugisse do controle — amigos, música alta, e principalmente… garotos. — Pode ficar tranquila, mãe. Eu só vou estudar e dormir. — falei, meio irônica. Ela arqueou uma sobrancelha, mas ignorou o tom. — Deixei comida no freezer e o número da tia Clara anotado na geladeira. Se precisar de algo, liga pra ela. Assenti novamente, tentando parecer tranquila. No fundo, a ideia de ficar sozinha me assustava um pouco, mas também havia algo excitante nisso — uma liberdade que eu nunca tinha experimentado de verdade. Mamãe se aproximou, me deu um beijo rápido na testa e ajeitou o cobertor sobre mim. — Boa noite, minha filha. E nada de virar a noite no celular. Sorri, mesmo sem prometer nada. — Boa noite, mãe. Ela apagou a luz e saiu, fechando a porta atrás de si. O quarto mergulhou na penumbra, e o som distante da chuva batendo na janela começou a preencher o silêncio. Fiquei olhando para o teto, sentindo o coração bater rápido — talvez pela solidão que me esperava, talvez pela lembrança de um olhar escuro e intenso que eu ainda não conseguia esquecer. O rosto daquele garoto veio na minha mente como uma prece proibida.Já passavam da meia-noite e eu ainda estava na casa de Ethan. Ele tinha pedido que eu ficasse com ele e comesse uma pizza que havia pedido. Resolvi aceitar, porque eu também estava com fome. Comi em silêncio, sentindo sempre o olhar de Ethan sobre mim. Depois de quase me deixar maluca, ele resolveu colocar uma camisa, e eu fiquei mentalmente agradecida por ele ter feito aquilo. — Ethan, eu tenho que ir. — Falei bocejando. — Tem certeza que precisa ir? Não gostaria de ficar? — Eu estava quase caindo no feitiço daqueles olhos e daquela voz. — Sim, não, quer dizer... — Me perdi em minhas palavras e ele deu um sorriso safado. Era a primeira vez que o via sorrindo, e foi ainda mais perfeito do que eu imaginava. — Eu preciso mesmo ir. — Vou pegar minhas chaves. — Ele saiu da mesa, e eu fui esperá-lo na garagem. Aquela tinha sido uma longa noite, e seria ainda mais longa se a droga da secadora não tivesse apitado. Mas no que é que eu estava pensando? Eu estava precisando orar, isso sim.
Sábado tinha chegado rápido; parecia que sexta nem existiu naquela semana. Já eram quase 18h10 e eu estava terminando de me arrumar. Coloquei um short, peça que eu não costumava usar, mas hoje não estava a fim de colocar calça. Mamãe estava um pouco brava comigo desde quinta-feira. Ela não gostou nem um pouco de eu ter aceitado carona de um estranho — que, para ela, continuava sendo um completo desconhecido. Tive que inventar que quem estava no carro era uma garota. Terminei de arrumar meus cabelos e calcei o tênis. Desci até a sala e encontrei mamãe sentada no sofá, lendo um livro. — Já estou indo — falei, e ela me encarou. — Não volte tarde. Não é bom andar sozinha pela rua — me alertou, e eu assenti. Sai de casa caminhando normalmente. A escola não era tão longe, para minha sorte. O dia estava ameno, nem calor nem frio. Cheguei à escola e fui direto procurar Âmbar nas arquibancadas; de longe, ela acenou sorrindo. Subi alguns degraus e cheguei até ela. — Que bom que você veio
Prendi meu cabelo em um coque e vesti minha blusa. Desci as escadas com a mochila nas mãos e mamãe estava preparando o café da manhã.— Pensei que não fosse amanhã que ia trabalhar — falei, abrindo a geladeira e pegando uma garrafinha de suco.— Resolvi mudar — ela sorriu. — Tenho que arrumar minha mala para viajar no domingo.— Que bom, então pode fazer uma torta de maçã hoje à tarde — me escorei na mesa e bebi um pouco do suco. Ela me olhou com um olhar engraçado.— Que foi? — perguntei. — Você disse que ia ficar em casa o dia todo.— E você tem que comer rápido se não vai se atrasar — ela apontou para o relógio em seu pulso. — Você nunca foi de se atrasar, por que isso agora?— Não sei… estou demorando a dormir à noite — respondi sem nem prestar atenção no que acabei de dizer. Mamãe era obcecada com meu bem-estar. Quando eu dizia que estava com dor de cabeça, ela já queria me levar ao médico para fazer um raio-X. — Não deve ser nada demais.— Como nada demais? Por que não consegue
Já estava quase na hora de ir para a escola e eu ainda precisava passar na lanchonete para comer alguma coisa. Uma chuva fina caía, mas o vento queria me levar junto com o meu guarda-chuva. Segurei a bolsa com força e atravessei a rua quando o sinal fechou. Tentei ao máximo desviar das poças de água, mas parecia impossível.Finalmente cheguei ao Starbucks, fechei o guarda-chuva e o deixei do lado de fora. Entrei rapidamente e notei que o lugar estava cheio. A única mesa disponível era um canto afastado. Nem pensei duas vezes e caminhei até ela, coloquei a bolsa na cadeira vazia ao meu lado e me sentei.— Posso anotar seu pedido, moça? — Uma voz feminina soou.— Eu gostaria de um café e um pedaço de bolo de chocolate, por favor. — Falei, e ela anotou tudo.Resolvi ler enquanto esperava os pedidos. Tirei da bolsa o livro O Melhor de Mim, de Nicholas Sparks, que já tinha começado há dois dias e estava quase terminando. Era um livro muito tocante e que prendia do início ao fim. Ajeitei o
O padre fez mais uma oração antes que todos se sentassem.O silêncio dominava a igreja, e a única voz que ecoava era a dele — firme, pausada, quase hipnótica.Eu nunca gostei de estar ali.Ia aos cultos porque minha mãe me obrigava. Simples assim.— Angel, ajeite esse vestido. — sussurrou ela, inclinando-se para o meu ouvido. — Da próxima vez, use algo decente.Olhei para o tecido azul-claro que ia um dedo acima do joelho e soltei um suspiro impaciente. Puxei um pouco a barra para baixo, só para evitar outra bronca, e voltei a encarar o altar.Todos olhavam para o padre como se ele fosse um santo, um mensageiro direto de Deus.Mas eu pensava diferente.Acredito em Deus, mas não acho que é a igreja que nos aproxima d’Ele.Mamãe, por outro lado, era devota ao extremo.Não faltava a um culto, se confessava toda semana e dizia que só existiam duas coisas realmente importantes na vida: o trabalho e a fé.Não que ela não se importasse comigo — mas, às vezes, eu me sentia invisível.Ela me c

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