O despertador tocou às 5h45. Isadora acordou como se estivesse sendo convocada para uma missão secreta. Na verdade, talvez fosse mesmo. Seu primeiro dia como secretária do CEO mais temido do Grupo Alcântara já começava com uma mistura de frio na barriga e cafeína pura.
Escolheu um look mais comportado: calça de alfaiataria bege, camisa azul clara e um blazer creme. Cabelos soltos, mas domados. Um toque de batom rosado e um perfume leve. Olhou no espelho e pensou: “Seja discreta, Isadora. Discreta!”. E saiu. Chegou no prédio antes das 7h30. A recepcionista, que no dia anterior parecia um robô sem sentimentos, hoje só assentiu com a cabeça. Pegou o crachá oficial e subiu para o 39º andar. O andar do gelo. O corredor estava vazio. Sua mesa ficava em frente à sala de Lorenzo. Um tampo de vidro com computador, telefone, uma estante discreta e uma cafeteira caríssima que parecia nunca ter sido usada. Sentou-se, respirou fundo e ligou o sistema. Tentava se ambientar quando ouviu a porta da sala abrir. Ele. Lorenzo Alcântara. Pontual como um relógio militar. Vestia um terno azul escuro, sem um vinco fora do lugar. Passou por ela sem dizer uma palavra. Entrou, fechou a porta. Era como se um iceberg tivesse cruzado o corredor. Isadora engoliu seco. Pensou: “Ok. Vai ser assim.” Começou a organizar os e-mails, entender o sistema interno, responder algumas mensagens de boas-vindas automáticas e agendar duas reuniões de rotina. Tudo ia bem... até o telefone interno tocar. — Isadora. Na minha sala. Agora. Era a voz dele. Seca, sem margem para interpretações. Ela levantou, ajeitou o blazer, pegou o bloco de anotações e caminhou firme. Só que... BLAM! Andou direto na porta de vidro. Isso mesmo. Esqueceu que era de vidro. Esqueceu que era real. Esqueceu que estava no mundo. A pancada ecoou pelo andar como um trovão em uma noite silenciosa. — Ai, meu Deus! — murmurou, recuando dois passos, a mão na testa. Um segurança do outro lado do andar deu uma risadinha contida. A recepcionista nem se moveu. Robôs não têm empatia. A porta se abriu devagar. Lorenzo a encarava, uma sobrancelha arqueada. Olhos de tempestade, braços cruzados. — A porta estava fechada — disse, seco. — Sim... sim, senhor. Eu percebi — respondeu, tentando manter a dignidade enquanto rezava para não estar com um galo crescendo na testa. Entrou. Sentou-se na cadeira à frente da mesa dele. Manteve o olhar baixo, mas o cérebro gritava socorro. — Preciso que organize a reunião com o conselho amanhã, prepare um resumo das últimas decisões do jurídico e entre em contato com a assessoria de imprensa. O release da nova campanha precisa sair até o meio-dia. — Certo. Anotado. Mais alguma coisa? Ele a encarou por um segundo a mais do que o necessário. — Evite acidentes no futuro. Não temos seguro contra desastres cômicos. Foi só aí que ela percebeu: ele estava zombando dela. Um traço quase imperceptível de ironia no canto da boca. Isadora saiu da sala com as bochechas queimando, mas com a cabeça erguida. Ok, talvez tenha batido de frente com a porta. Talvez o chefe seja um robô elegante e sarcástico. Mas ainda era o primeiro dia. E se ela sobreviveu ao iceberg, à porta de vidro e ao toque gelado de Lorenzo Alcântara, ela podia sobreviver a qualquer coisa. Ou quase. Porque a cafeteira… a bendita cafeteira de design futurista… acabaria com o resto do dia.