O coração de Isadora batia no mesmo ritmo frenético dos pneus do ônibus saltando nas imperfeições da Avenida Paulista. Era como se o destino tivesse apertado o botão de aceleração sem aviso. Na bolsa, uma pasta simples com o currículo, uma garrafinha d’água e uma dose de coragem que parecia evaporar a cada metro percorrido. Na cabeça, um mantra desesperado: “CEO? Grupo Alcântara? Eu, ali dentro?”
O prédio era uma torre de vidro espelhado, arrogante e elegante. A fachada parecia julgá-la antes mesmo de entrar. Ela respirou fundo, ajeitou os cabelos levemente ondulados e conferiu o reflexo na porta giratória. Jeans escuro, camisa branca abotoada até o colarinho, sapatilhas discretas. Sóbria, porém marcante. Ela não sabia que causava impacto. Mas causava. Na recepção, uma mulher de terninho preto e coque severo analisou seus documentos como se escaneasse sua alma. — Isadora Mendes? O presidente a verá agora — disse com frieza, entregando-lhe um crachá provisório. "Ele a verá?" pensou Isadora. "Quem fala assim em pleno século XXI?" Mas engoliu o comentário, acenou em silêncio e seguiu para o elevador. O 39º andar era silencioso. O tapete espesso abafava os passos, o ar cheirava a madeira nobre e poder consolidado. À frente, a porta de vidro fosco exibia em letras douradas: “Lorenzo Alcântara – Presidência”. Ela parou. Engoliu seco. Bateu na porta, ouviu um entre, pelo menos a voz é bonita. Entrou devagar um tanto receosa. O escritório era amplo, minimalista, imponente. A luz natural inundava o ambiente, revelando cada detalhe. Atrás da mesa retangular de madeira escura, estava ele: Lorenzo Alcântara. E ele era... um problema de categoria internacional. Alto. Impecável num terno cinza grafite feito sob medida. Cabelos escuros, penteados para trás. A expressão dura, fria. Os olhos castanhos escuros eram gélidos, de quem comanda sem titubear. Ele nem levantou a cabeça. Apenas fez um gesto com a mão, indicando a cadeira. Isadora sentou-se, rígida. Mãos unidas no colo. Tentava controlar a respiração, o coração, a alma. — Senhorita Mendes — disse ele, finalmente erguendo os olhos. Seu olhar a atravessou como um raio-X. — Sem experiência como secretária de presidência. Sem curso superior completo. Último cargo: auxiliar administrativa. Saiu da empresa sem aviso. Por quê? Ela mordeu a raiva. Engoliu o passado. — Assédio moral. Preferi sair a suportar humilhação. Tenho referências da supervisora direta. Não me arrependo. Ele arqueou uma sobrancelha. — Direta. Gosto disso. Ela quase respirou aliviada. Mas ele não dava espaço para descanso. — O cargo exige pontualidade, descrição, agilidade e inteligência emocional. Eu não repito ordens duas vezes. A senhorita se considera apta? “Isso é uma entrevista ou um interrogatório da CIA?” pensou. Mas respondeu com firmeza: — Sim. E aprendo rápido o que não sei. Silêncio. Um daqueles que esmagam o ar. Ele a olhava com atenção incomum. Havia algo nela que lhe fugia ao controle. E isso o irritava. — Última pergunta — disse ele, cruzando os braços. — Por que quer esse cargo? Ela poderia mentir. Mas não combinava com ela. — Porque preciso. Porque sou boa. E porque não tenho tempo pra esperar o momento perfeito. Mais silêncio. Lorenzo se levantou, caminhou até a janela. De costas para ela, permaneceu em silêncio por alguns segundos. Então pegou o telefone: — Camila, agende o treinamento com o RH. Senhorita Mendes começa na segunda. Isadora arregalou os olhos. — Eu… estou contratada? — Está em teste. Duas semanas. Um erro, está fora. Ela assentiu. Queria sorrir, gritar, correr. Mas manteve a postura. — Entendido. Ele estendeu a mão. — Bem-vinda ao Grupo Alcântara. Aperto de mão firme. Frio. Mas algo… tremeu por dentro. Um calor súbito. Um toque de algo que ainda não sabiam nomear.